|
Heitor
Feitosa Macêdo
Ainda
no século XVI, pouco tempo depois do
“achamento” do Brasil, alguns portugueses migraram para as terras do Novo
Mundo, ocupando primeiramente o litoral, e, entre esta gente, estavam velhos
personagens da história nacional, como Diogo Álvares Correia, celebrizado pela
alcunha de “Caramuru”, o qual se estabeleceu numa das praias baianas, em Itapuã
(pedra redonda). Então, o “filho do trovão”[1]
casou-se com uma índia Tupinambá, conhecida por Paraguaçu ou Guaibim-Pará (mar
grande ou rio grande[2]),
cujo nome cristão era Catarina Álvares[3].
Ruínas da Casa da Torre, BA. |
Quase
que na mesma época, outro português, chamado Garcia de Ávila (d’Ávila), havia
chegado ao Brasil juntamente com o governador-geral Mem de Sá. Como nesse tempo
a Bahia era o centro mais desenvolvido da Colônia, Garcia d’Ávila resolveu ir
residir em uma de suas praias, escolhendo um alto denominado de Tatuapara (tatu
bola), onde ergueu uma casa-forte, feita de barro, e nela pôs a índia Francisca
Rodrigues, com a qual viveu maritalmente. A casa foi batizada de “Casa da Torre
de São Pedro de Rates”, ficando mais conhecida por “Casa da Torre”.
|
As
primeiras gerações dos d’Ávila que se sucederam nesta casa-forte eram de
sertanistas, que, para aumentar suas posses, invadiam o interior do continente
à cata de terras, pedras preciosas, ouro, prata, salitre e índios. Assim, movidos
por esta ambição, esses Caramuru cruzaram os sertões, dominando quase todo o
território compreendido pela atual Região Nordeste do Brasil.
Durante
suas migrações pelo interior do continente brasileiro, da margem esquerda do
Rio de São Francisco, os d´Ávila subiram pelo curso do Rio Pajeú, através da capitania
de Pernambuco, por onde foram esbarrar nos paredões da Chapada do Araripe. Desviando
de tal elevação geológica, por ambos os lados: à direita, marcharam pelos
sertões da Paraíba; já à esquerda, rumaram em direção ao Piauí, ocupando parte
destes vastos espaços com suas sementes de gados. Além disso, para garantir a
aquisição destes sertões “recém-descobertos”, os d’Ávila requeriam a posse
sobre tais áreas às autoridades competentes, alegando serem terras devolutas,
desaproveitadas e desertas.
Todavia,
apesar de o povo da Casa da Torre ter explorado e adquirido vastas áreas nos
sertões ao redor da Chapada do Araripe (PE, PB e PI), por que também não o
teria feito em relação à capitania do Ceará?
Tal
questionamento ainda gera muita polêmica na atualidade, dividindo os estudiosos
entre os que negam a presença de gente a serviço dos d’Ávila (Casa da Torre) no
CE e os que afirmam o contrário.
1 O Impasse sobre o
Tema
Uma
antiga discussão sobre a ida dos representantes da Casa da Torre à capitania do
Ceará perdura até o presente momento, havendo discordância cíclica entre
grandes historiadores, divididos dicotomicamente: de um lado, os que negam a
presença dos d’Ávila e sua gente no Ceará; e, do outro, aqueles que afirmam que
os representantes da Casa da Torre estiveram, no período colonial, em terras
cearenses.
Apesar
dos acalorados debates que o assunto já gerou, pouco se descobriu nesse
sentido, até hoje não sendo apresentadas evidências suficientes para se fazer
qualquer afirmação segura sobre o tema, restando parcos elementos que só
aumentam as dúvidas, sem trazer nenhuma informação substancial e segura.
Dr. Pedro Théberge |
1.1 Os que defendem que
gente a serviço da Casa da Torre esteve no Ceará
A
tradição oral foi a primeira voz a divulgar que a Casa da Torre teria sido a
primeira desbravadora e possuidora das terras no sul do Ceará. Estas
informações foram dadas pelos descendentes dos primeiros “povoadores brancos”,
mais precisamente, por um filho do brigadeiro Leandro Bezerra Monteiro e uma
bisneta do coronel João Correia Arnaud, ambos parentes dos d’Ávila.
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Conselheiro Tristão de Alencar |
|
1.2 Os que negam que
gente a serviço da Casa da Torre esteve no Ceará
Contrapondo-se
às ideias dos “cronistas” do século XIX, os escritores do período positivista
negaram fervorosamente que gente a serviço da Casa da Torre tivesse adentrado à
capitania do Ceará, explorando e requerendo terras.
Os
principais expoentes dessa corrente foram o Barão de Studart[14]
e, principalmente, Antonio Bezerra[15],
os quais, munidos de farta documentação sobre a ocupação do Ceará (cartas de
datas e sesmarias), não vislumbraram o nome da Casa da Torre no processo de
ocupação do solo cearense e, por isso, negaram tal ocorrência pela falta de
“fontes primárias”, ou seja, conferiram inexistência a um fato que não puderam
provar.
Antônio Bezerra |
Essa
corrente ganhou muitos adeptos, constando entre seus simpatizantes
pesquisadores de renome como Raimundo Girão[16],
Carlos Studart Filho[17],
José Aurélio Câmara[18], Padre
Antônio Gomes de Araújo, Irineu Pinheiro[19], Yony
Sampaio[20] e
outros.
2 Antigas Evidências de
que pessoas a serviço da Casa da Torre estiveram na Capitania do Ceará Grande
Ao
longo dos acirrados debates entre os especialistas, os elementos usados como
prova da presença dos d’Ávila no Cariri cearense sempre foram rebatidos pelos
integrantes da corrente contrária (os positivistas e seus adeptos), pois fatos
narrados pela oralidade e crônicas históricas não convenciam diante da falta de
documentos “comprobatórios”.
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2.1 A Lagoa da Torre ou
Lagoa do Corgo
Alguns
dados já haviam sido cogitados por João Brígido e Pedro Théberge no que se
refere à presença da Casa da Torre no sul do Ceará, sendo um dos mais
significantes a chamada Lagoa da Torre, como foi batizada a lagoa onde, segundo
a tradição, os indivíduos da Casa da Torre teriam acampado nas proximidades do
Icó/CE, depois de marcharem pelos Cariris Novos, seguindo pelas margens do Rio
Salgado.
Antes
do ano 1862, o médico francês Pedro Théberge, residente na Vila do Icó, dedicou
algumas páginas à história sobre a presença de gente da Casa da Torre no Ceará,
isto ao falar sobre a “descoberta” do Cariri feita por um negro da fazenda
Várzea, pertencente aos D’ávila mas administrada por um tal de Medrado:
Partiu
pois com alguns Cariris para o rio de San’ Francisco, e levou-os à fazenda da
Várzea onde foram não só bem acolhidos, como ainda o seu pedido de socorro
atendido. O mesmo intendente da casa da Torre, de quem acima falamos, desejando
estender os domínios da sua procuradoria, mandou para o Cariri uma bandeira de
200 homens às ordens de João Correia
Arnaud, da família Caramuru. Chegou esta bandeira até a Cachoeira da Missão
Velha, porém nada mais fez do que explorar o país, visto o estado de anarquia
em que encontrou os índios. Continuaram seu caminho pelo rio Salgado abaixo até
perto de sua foz no Jaguaribe, e nesta derrota plantaram arraial perto de uma
lagoa que se acha nas imediações da cidade do Icó, a qual denominavam Lagoa da
Torre, apelido que ainda hoje conserva. Aí tiveram um encontro com os índios da
tribo Icòzinhos, depois do qual voltaram para o Cariri, onde não deixaram estabelecimento
algum, a não ser uma caiçara, pouco distante da Cachoeira, e umas novilhas e
dois touros situados. Este primeiro reconhecimento teve lugar pouco mais ou
menos em 1670. Fui informado deste fato e dos seguintes por um escrivão
interino que leu esta crônica num livro do Cartório, que entregou a outro; e
nesta mudança extraviou-se dito livro, que nunca mais pude encontrar, não
obstante os esforços que empreguei.[21]
Apesar de Théberge ter se
fundamentado, em parte, na tradição oral que permeava a memória do povo daquele
tempo, também se respaldou em documentos, mesmo que indiretamente, pois, como
disse o autor, obteve tais informações de um escrivão, o qual havia lido tudo
isto em um livro do Cartório do Icó.
Antonio Bezerra menciona que a
Lagoa da Torre estava localizada ao sul da cidade do Icó, porém, ataca a tese
de João Brígido e Pedro Théberge utilizando os documentos sesmariais, anotando
que a Lagoa da Torre se chamou, primitivamente, de Lagoa do Corgo, e com este
nome a obteve por sesmaria, em 28 de abril de 1707, o coronel Sebastião Lopes
de Souza. Ainda, sobre a dita lagoa, acrescenta Bezerra que:
Ficava
ela nas ilhargas da data do coronel João da Fonseca Ferreira, dono da sesmaria
do Icó, e a êste veio a pertencer por troca que fez com o seu proprietário,
conforme os depoimentos do coronel Teodosio Nogueira, e das outras testemunhas
na ação já referida, intentada pelo capitão-mor Bento da Silva e Oliveira
contra os herdeiros do coronel Francisco de Montes Silva em 1743. Ora, para se
dar o nome de Torre ao lugar que já tinha o de Corgo, é preciso supor a
conquista posterior ao ano de 1707, o que não é possível e nem o admite a
tradição, que afirma terem ali acampado os bandeirantes na era de 1590, cento e
dezasete (sic) anos antes da data da
sesmaria do coronel Sebastião.[22]
O argumento de Antonio Bezerra é
robusto, porque, realmente, se a dita lagoa foi pedida como sesmaria na data de
1707, com o nome de Lagoa do Corgo, na concepção deste autor, o outro nome,
Lagoa da Torre, só poderia ter sido dado em momento posterior à referida data,
indicando que a Casa da Torre não teria se antecipado na aquisição dessas
terras, muito menos teria adquirido qualquer nesga desse solo depois de 1707,
pois não há qualquer menção à Casa da Torre nos documentos das sesmarias do
Ceará.
|
Às
vezes, intencionalmente, um sesmeiro, tentando esbulhar outro, peticionava uma
sesmaria já ocupada, fazendo uso de uma denominação diversa da que constava nos
Livros das Sesmarias e da Fazenda Real, com o objetivo de alcançar, de má-fé,
uma doação de terras, o que, posteriormente, gerava litigância entre tais
sesmeiros.
Como
já foi dito, “corgo” era uma denominação bastante comum na época para
identificar certas localidades, inclusive, uma data de sesmaria anterior à data
de 1707, na “Ribeira do Jaguaribe”[24].
Dessa
maneira, não é impossível que a Casa da Torre tenha estado nessa lagoa, ao sul
da cidade do Icó, fato que pode ter ensejado o nome “Lagoa da Torre”[25].
Aparentemente, as expressões “Lagoa da Torre” e “Lagoa do Corgo” foram usadas, concomitantemente,
para definir o mesmo espaço, mas, no decorrer do tempo, a primeira expressão
teve preponderância[26].
Ademais,
a Casa da Torre e os moradores do Cariri vieram a disputar o referido espaço,
como será demonstrado em momento oportuno, e, por isso, é compreensível que
cada uma das partes fizesse uso de argumentos que pudessem favorecer a sua
própria causa, tentando excluir seus adversários do domínio das terras. Assim,
ao tempo destas disputas, é lógico que, negar a existência do topônimo Lagoa da
Torre, seria uma maneira de tentar suprimir a presença de pessoas a serviço da
Casa da Torre no Ceará e, consequentemente, a posse dos d’Ávila sobre as áreas
do litígio.
2.2 A Sesmaria indicada
por Tristão de Alencar Araripe e João Brígido
|
João Brígido |
|
Certamente,
em vista das dificuldades técnicas para fazer cópias de arquivos dessa
natureza, Tristão de Alencar e João Brígido não apresentaram a referida carta
de sesmaria na íntegra, gerando a incredibilidade de outros estudiosos, que
combateram essa evidência sob o argumento de não a ter encontrado. Foi este o
mote utilizado por Antonio Bezerra:
Não
encontrei essa sesmaria, nem dela tive notícia senão pelo Conselheiro Araripe,
que lhe dá publicidade a página 65 da Historia da Provincia do Ceará, de onde a
extraiu o coronel João Brígido nas mesmas palavras. Se por acaso foi concedida,
não foi registrada nem teve efeito; pois que em terras da capitania não consta
haja alguma situada por pessoa ou pessoas da casa da Torre, da qual era chefe o
referido coronel Dias de Avila, que tinha a sua residência a 12 léguas da
cidade da Baía.[32]
Perante este dilema, J. de
Figueiredo Filho se fez a seguinte pergunta: “Teria feito o Cariri parte de
sesmaria dos bandeirantes da Casa da Torre da Bahia – os Ávilas?”[33].
E a resposta dada por ele foi a de que: “Isto nunca foi comprovado e sua
presença, nestas paragens, permanece incógnita”[34].
Porém, paradoxalmente, Figueiredo Filho ressalta que Renato Braga havia
encontrado uma sesmaria doada à Casa da Torre no território cearense, nos
seguintes termos:
Figueiredo Filho |
|
Infelizmente, Figueiredo Filho não
fez sequer o apontamento da fonte (o nome da obra com a referida descoberta),
e, além disso, esqueceu-se da sesmaria de 1688, citada desde o século XIX pelo
Conselheiro Tristão de Alencar Araripe e João Brígido. Notadamente, Figueiredo Filho não foi claro em sua manifestação,
talvez por haver dúvida, pois, primeiro, disse que a penetração de gente a
serviço da Casa da Torre no Ceará era uma “incógnita”, depois, afirmou, com
base nos estudos de Renato Braga, que a Casa da Torre obteve uma sesmaria na capitania
do Ceará.
Dessa
forma, se faltou clareza aos escritos de J. de Figueiredo Filho sobre o
referido tema, também faltou a atestação documental dos cronistas (João Brígido
e Tristão de Alencar), conforme será visto mais adiante.
2.3 Evidência apontada
pelo Padre Antonio Gomes de Araújo
O
Padre Antonio Gomes de Araújo, em sua época, foi o maior especialista no que
diz respeito à colonização e ao povoamento do Cariri, dedicando-se ao assunto
herculeamente, devassando velhos documentos em busca de aclarar as origens
coloniais no sul do Ceará.
Padre Gomes |
|
|
Por
óbvio, o advérbio “talvez”, utilizado no trecho acima, remete diretamente à
dúvida, patenteando que o dito pesquisador admitia de forma vaga a
possibilidade desse acontecimento, mas não tinha certeza sobre o ocorrido[39].
Além
disso, o Padre Gomes, citando Elpídio de Almeida, faz referência a uma sesmaria
de 50 léguas obtida pela Casa da Torre, que fazia pião (centro) na Serra do
Araripe, tendo sido concedida à margem esquerda do Rio de São Francisco, na
segunda metade do século XVII, depois da restauração pernambucana, concluindo o
padre que:
...as
50 léguas enfocadas se contava do leste para o oeste, pois, do caudal
sanfranciscano até inclusive a chapada da serra do Araripe, não se somam
absolutamente 50 léguas. E, agora, mais uma conclusão referente ao indicado
peão: a dita chapada não teria sido tomada por peão de sesmaria pela
baianíssima Casa da Torre, se esta não a houvesse conhecido previamente. A chapada
é também Cariri cearense. À luz do exposto, compreende-se porque a Casa da
Torre, elastecendo ou empurrando para o Norte o referido peão, demandou contra
o potiguar Manuel Rodrigues Ariosa do Vale em torno das terras que este
obtivera no ano de 1703, em data de sesmaria (...). A citada sesmaria de 50
léguas datava do ano anterior ao de 1696, e, portanto, igualmente a presença da
Bahia em nosso Cariri da chapada Araripana, porque, naquele ano, a serra do
Araripe já era conhecida.[40]
Certamente,
a sesmaria em comento é a mesma que foi doada aos d’Ávila no dia 8 de outubro
de 1657[41],
concessão feita pelo capitão-mor Jerônimo de Albuquerque, tendo sido doadas “dez
léguas de sesmaria para cada um dos cinco suplicantes”[42],
sendo eles: o capitão Garcia de Ávila Pereira, seu irmão (padre Antonio
Pereira) e filhos (Francisco Dias de Ávila, Catarina Fogaça e Bernardo Pereira).
Ainda,
sobre essa sesmaria, as terras doadas começavam das margens do Rio de São
Francisco (na capitania de Sergipe), fazendo fronteira a outra sesmaria doada
anteriormente ao padre Antonio Pereira (no dia 8 de abril de 1654). Ocorre que
a delimitação espacial da sesmaria que fora doada no dia 8 de outubro de 1657 era
imprecisa, conforme se depreende pela leitura da petição:
...começará
esta nova Sesmaria correndo sempre o rumo direito pela beira do Rio de São
Francisco acima resalvando pontas enseadas, e as Ilhas que o dito Rio fizer
seguindo sempre o rumo direito pela beira do Rio de São Francisco acima, ressalvando
pontas, enseadas, e as ilhas que o dito rio fizer, que outrossim pede tambem, e
sendo caso que se mettam algumas terras de Catingas e penedio em meio (...) e
para a banda do Sul a largura que houver, e couber da Jurisdição desta
Capitania até entestar com a da Bahia pelo rumo Leste e oeste que dividir uma e
outra, e da nascença do Rio Real para o Sertão com outro tanto de comprimento
arriba quanto o que tiver pelo Rio de São Francisco e isso acima com todas as
terras Mattos pastos águas que ficarem da banda de dentro porquanto a maior
parte do Coração desta terra é de penedias...[43]
A leitura deste documento de doação
de terras (data de sesmaria) não fornece qualquer subsídio que possa garantir
que a terra em questão incluía o sul do Ceará (o Cariri), restando, também,
duvidoso esse apontamento do Padre Gomes.
As
assertivas apresentadas pelo Padre Gomes são incapazes de provar a vinda de
gente a serviço da Casa da Torre ao Cariri, todavia, seu criterioso estudo merece
atenção, pois foi o dito padre responsável por sistematizar o fluxo das
migrações de pessoas “brancas”, no período colonial, para o Cariri cearense,
evidenciando a significativa participação dos baianos no povoamento dessa
região.
Ruínas da Casa da Torre, BA |
2.4 Novas Fontes sobre
a Presença de Pessoas a Serviço da Casa da Torre na Capitania do Ceará Grande
Depois
de acalorados debates acerca da veracidade quanto à posse de terras no Ceará e a
exploração das mesmas feitas por gente a serviço da Casa da Torre, novos
elementos vêm sendo descobertos a partir de fontes, na maior parte, inéditas, as
quais parecem ser suficientes em termos numéricos e qualitativos para se chegar
a uma conclusão clara e definitiva sobre o tema.
Muitos
desses novos elementos servem para complementar as hipóteses exaradas pela
oralidade, ao passo que esta também possui relativa utilidade no que diz
respeito ao preenchimento dos vários hiatos existentes nas narrativas
documentais. Inegavelmente, o diálogo dessas fontes (orais e documentais)
possibilita o entendimento de que houve gente na capitania do Ceará Grande a
mando da Casa da Torre, conforme será demonstrado a seguir.
2.4.1 A Sesmaria de 22
de Julho de 1658, na Serra do Araripe
Uma
das “senhoras da Casa da Torre”, como eram chamadas as matronas desse morgado,
dona Inácia Pereira de Araújo (viúva de Garcia d’Ávila Pereira, o terceiro do
nome), em uma demanda judicial contra o governador da Paraíba, que estava
doando terras nos sertões desta capitania, requereu ao rei de Portugal que
suspendesse, anulasse e invalidasse tais doações.
Os
documentos referentes a esse litígio entre a Senhora da Torre e o governador da
Paraíba revelam que a Casa da Torre era dona quase que absoluta de todas as
terras entre o Rio de São Francisco, a partir da margem esquerda, até os
confins dos sertões do Piauí, Pernambuco, Paraíba e Ceará. Nesta questão
judicial foram mencionadas as terras nos sertões do “Pajaú” (Pajeú, na capitania
de Pernambuco); Piranhas, Rio do Peixe e Piancó (na capitania da Paraíba); e
Riachão, na maioria, regiões limítrofes ao Cariri cearense (sul da capitania do
Ceará).
Dona
Inácia acostou em seu requerimento, feito ao Rei de Portugal (Dom José), a
antiga carta de sesmaria dada em favor dos seus ancestrais, os d’Ávila, datada
de 22 de julho de 1658, pela qual André Vidal de Negreiros doava um imenso
perímetro sertanejo, que englobava a Chapada do Araripe, no Ceará, chamada na
época de “Varipe”, conforme as palavras do próprio Negreiros:
...
2.4.2 Sesmaria de 29 de
dezembro de 1683 do Rio Parnaíba até a Serra do Araripe
...
2.4.3 Sesmaria de 1686,
das margens do Rio Parnaíba/PI até a Serra do Araripe
...
2.4.4 Sesmaria de 1688,
no Jaguaribe e Serra do Araripe
...
2.4.5 Informações de
João da Maia da Gama sobre uma antiga sesmaria da Casa da Torre
...
2.4.6 Gente enviada ao
Ceará pela Senhora da Torre (1703)
...
2.4.7 Terras da Casa da
Torre no Distrito do Jaguaribe, Ceará (1705)
...
2.4.8 A Invasão do
Sertão do Cariri por 400 Homens do Rio de São Francisco (1706)
...
2.4.9 Rumores de que A
Casa da Torre receberia a Posse Judicial de Terras na Ribeira do Jaguaribe
(década de 1730)
...
2.4.10 O Inventário de
Garcia d’Ávila 3º (1753)
...
Conclusão
...
Confira o restante deste
artigo na Revista Itaytera 2018, nº 47.
[1] Segundo Clerot, a tradição sobre
“caramurú” significar “filho do trovão” não condiz com a
verdadeira semântica desta palavra tupi, pois, segundo ele, a acepção mais
correta seria “caray-mború”, isto é,
“o valente”, “o poderoso” (CLEROT, E. R. Leon. Glossário Etimológico Tupi/Guarani. Brasília ‒ DF: Edições do
Senado Federal, 2011, p. 138).
[2] CALMON, Pedro. Introdução e Notas ao Catálogo Genealógico
das Principais Famílias, de Frei Jaboatão, Volume I. Salvador ‒ BA: Empresa
Gráfica da Bahia, 1985, p. 155.
[3] Frei Vicente de Salvador relatou
ter conhecido a esposa de Diogo Álvares e que ela se chamava Luísa Álvares
(SALVADOR, Frei Vicente de. História do
Brasil. Brasília ‒ DF: Edições do Senado Federal, 2010, p. 178). Porém,
Bandeira considera ser isto um equívoco do Frei Vicente, posto que o nome
verdadeiro da esposa do Caramuru era Catarina Álvares (BANDEIRA, Luiz Alberto
Moniz. O Feudo: A Casa da Torre de Garcia
d’Ávila, da conquista dos sertões à independência do Brasil. Rio de
Janeiro: Civilização Brasileira, 2000, p. 59 e 60).
[4] BRÍGIDO, João. Apontamentos para a História do Cariri.
Fac-símile. Fortaleza ‒ CE: Editora Expressão Gráfica, 2007, p. 16.
[5] THÉBERGE, Dr. Pedro. Esboço Histórico Sobre a Província do Ceará.
2ª Ed. Fortaleza ‒ Ceará: Editora Henriqueta Galeno, 1973, p. 104.
[6] ARARIPE, Tristão de Alencar. História da Província do Ceará: Desde os
Tempos Primitivos até 1850. 2ª Ed. Fortaleza – Ceará: Tipografia Minerva,
1958, p. 26.
[7] Os escritos de Bernardino Gomes
de Araújo foram publicados por João Brígido, principalmente no jornal O Araripe
(Ver: O Araripe – Biblioteca Nacional. Edição nº 02. Ano III. Nº 133, 06 de
março de 1858, p. 02).
[8] CALMON, Pedro. História da Casa da Torre: Uma Dinastia de
Pioneiros. 3ª Ed. Salvador – Bahia: Fundação Cultural do Estado da Bahia,
1983, p. 69 e 121.
[9] BANDEIRA, Luiz Alberto Moniz.
Op. cit., p. 204, 296 e 297.
[10] LEAL, Vinicius Barros. A Colonização Portuguesa no Ceará: O
Povoamento. Fortaleza – Ceará: Gráfica Tiprogresso, 2007, p. 75.
[11] VIEIRA JÚNIOR, Antonio Otaviano.
Entre Paredes e Bacamartes: história da
família no sertão (1780-1850). Fortaleza: Demócrito Rocha, 2004, p. 28.
[12]
MENDONÇA,
Rosiane Limaverde Vilar. Arqueologia
Social Inclusiva: A Fundação Casa Grande e a Gestão do Patrimônio Cultural da
Chapada do Araripe. Portugal. Tese de Doutorado em Arqueologia,
Universidade de Coimbra, 2014, p. 131.
[13] OLIVEIRA, Antonio José de. Os Kariri-Resistências à Ocupação dos
Sertões dos Cariris Novos no Século XVIII. Fortaleza/CE. Tese de Doutorado
em História, Universidade Federal do Ceará/UFC, 2017, p. 65 e 66.
[14] STUDART, Barão de. Geografia do Ceará. Fortaleza – CE:
Instituto do Ceará, 2010, p. 109.
[15] BEZERRA, Antonio. Algumas Origens do Ceará. Fortaleza –
Ceará: Fundação Waldemar Alcântara, 2009, p. 108 e 109, 123 e 164.
[16] GIRÃO, Raimundo. Bandeirismo Baiano e Povoamento do Ceará.
Revista do Instituto do Ceará, Ano LXII, 1948, p. 18 e 19. Em uma de suas
obras, Raimundo Girão defende outra vez que a casa da Torre não esteve no
Cariri: “Uma dessas versões dava como
influente no movimento povoador da fértil e curiosa região a chamada ‘Casa da
Torre’ de Francisco d’Ávila, na Bahia, cujo alargamento desbravador foi enorme.
Entretanto, a sua ação não se fêz presente ali. Baianos, realmente concorreram
para a ocupação caririense, mas através de famílias que do São Francisco se
deslocaram e já em contato com outras pernambucanas entraram a habitar o
interessante vale” (GIRÃO, Raimundo. Pequena
História do Ceará. 3ª Ed. Fortaleza ‒ CE: Imprensa Universitária, 1971, p.
98).
[17] Nota de Carlos Studart Filho (In
ARARIPE, Tristão de Alencar. Op. cit., p. 26).
[18] Nota de José Aurélio da Câmara (In ARARIPE, Tristão de Alencar. Op.
cit., p. 27).
[19] PINHEIRO, Irineu. O Cariri: Seu Descobrimento, Povoamento,
Costumes. Fortaleza – Ceará: Fundação Waldemar Alcântara, 2009, p. 14.
[20] SAMPAIO, Yony. Documentos Históricos Municipais: Livro de
Vínculo do Morgado da Casa da Torre. Recife ‒ PE: Centro de Estudos de
História Municipal - CEHM, 2012, p. 22.
[21] THÉBERGE. Op. cit., p. 104 e
105.
[22] BEZERRA, Antonio. Algumas Origens do Ceará. Op. cit., p.
126.
[23] Corgo é um substantivo
masculino, sendo uma variante popular da palavra córrego (Dicionário Brasileiro
da Língua Portuguesa. 2ª Ed. São Paulo ‒ SP: Mirador Internacional/Enciclopédia
Britânica do Brasil Publicações Ltda., 1976, p. 489).
[24] Antes de 1707, no dia 02 de
setembro de 1706, Alexandre (ou
Lixandre) Neto e Manoel Dias Carneiro solicitaram uma sesmaria na Ribeira do
Jaguaribe, na Estrada Real, que ligava o Ceará (denominação genérica das
povoações litorâneas da capitania do Ceará Grande, bem a como a chamada Ribeira
do Ceará, no caso, o Forte e/ou a Vila de Aquiraz) ao Jaguaribe, nas margens
desse rio, terras que englobavam a “Lagoa
das Pombas”, da qual saía um “corgo
grande”, indo até as proximidades do Riacho Palhano (Ver: Datas de
Sesmarias, Volume 3, nº 161. Fortaleza: Tipografia Gadelha, 1925, p. 62 a 64).
[25] Essa lagoa foi soterrada,
segundo Honório Barbosa (Diário do Nordeste, Diário Centro-Sul. Disponível em: http://blogs.diariodonordeste.com.br/centrosul/cidades/ico-comemora-nesta-sexta-feira-171-anos-de-emancipacao-politica/. Acesso em 21 de jan. de 2014.
[26] De acordo com Antonio Bezerra, “Lagoa do Corgo” foi o primeiro nome a
ser usado, e, “Lagoa da Torre”, teria
sido uma denominação mais recente que a anterior. Durante o século XIX, também
é usada a expressão, “Lagoa da Torre”
(BRÍGIDO, João. Ceará: Homens e Fatos.
Fortaleza ‒ CE: Editora Demócrito Rocha, 2001, p. 275).
[28] BRÍGIDO, João. Ceará: Homens e Fatos. Op. cit., p. 78.
[29]
Até o ano de 1816, o Ceará
possuía apenas uma comarca, que, obviamente, açambarcava todo o seu território.
Porém, no dia 27 de junho do mesmo ano, foi criada a Comarca do Crato, que
abrangia grande parte do território cearense, qual seja, as vilas do: Crato,
cabeça da comarca; São João do Príncipe, hoje, Tauá; Campo Maior do
Quixeramobim; Icó; Santo Antônio do Jardim; e São Vicente das Lavras,
atualmente, Lavras
da Mangabeira. Desta forma, o Ceará passou a ficar dividido,
jurisdicionalmente, em duas comarcas (PINHEIRO, Irineu. Efemérides do Cariri. Fortaleza ‒ CE: Imprensa Universitária, 1963,
p. 56). O primeiro ouvidor-geral da Comarca do Crato foi José Raimundo do Paço
de Porbem Barbosa, nomeado no dia 21 de abril de 1817 e empossado no dia 17 de
dezembro do mesmo ano (Actas da Câmara do Crato. Revista do Instituto do Ceará ‒ RIC. Fortaleza/CE, 1911. p. 204).
[30] Essa informação é dada por
Francisco Freire Alemão, médico e botânico, que esteve no Ceará na segunda
metade do século XIX, e, durante sua estada no Crato, disse: “Fiz alguns trabalhos botânicos e alguns
extratos do livro antigo da Câmara do Crato, que contém os atos de criação da
dita vila etc. Este livro está em mãos dum particular e decerto não volta mais
para o Arquivo! Também todo o Arquivo da Câmara está em casa de João Brígido,
que o está estragando!!” (ALEMÃO, Francisco Freire. Diário de Viagem de Francisco Freire Alemão. Fortaleza – Ceará:
Fundação Waldemar Alcântara, 2011, p. 218).
[31] O Conselheiro Tristão de Alencar
Araripe registrou que: “Em 1688 ao
coronel Francisco Dias d’Ávila e mais 4 sócios concedeu-se uma sesmaria de 10
léguas de comprimento no rio Jaguaribe, cujas margens, segundo dizem os
requerentes, estavam muito povoadas de gentio bárbaro, e ninguém atrevia-se a
povoar, propondo-se êles a reduzir o mesmo gentio” (ARARIPE, Tristão de
Alencar. Op. cit., p. 99). Nessas
mesmas informações se respaldou João Brígido (Homens e Fatos. Op. cit., p. 398).
[33] FIGUEIREDO FILHO, J. de. História do Cariri, Volume I. Fortaleza
– Ceará: Edições UFC, 2010, p. 20.
[34] Idem.
[35] Ibidem, p. 21 e 22.
[36]
ARAÚJO, Padre Antonio Gomes
de. Povoamento do Cariri. Crato –
Ceará: Faculdade de Filosofia do Crato, 1973, p. 15.
[37] Ibidem, p. 16.
[38] ARAÚJO, Padre Antonio Gomes de. A Cidade de Frei Carlos. Crato – Ceará: Faculdade
de Filosofia do Crato, 1971, p. 65.
[39] Raimundo Girão acentuou que o
Padre Antonio Gomes de Araújo e Antonio Bezerra “conciliam-se” no que diz respeito ao caso da Casa da Torre no
Cariri: “Conciliam-se, assim, Antônio
Bezerra e o Padre Gomes, desmanchando as incorreções e lendas em torno do
povoamento da famosa região” (GIRÃO, Raimundo. A Marcha do Povoamento do Vale do Jaguaribe (1600 - 1700).
Fortaleza ‒ Ceará: [s.n.], 1986, p.
31).
[40] ARAÚJO, Padre Antonio Gomes de. Povoamento do Cariri. Op. cit., p. 35 e
36.
[41] A transcrição dessa carta de
sesmaria foi publicada pela Biblioteca Nacional em 1930 (Documentos Históricos,
1656 - 1659, Volume. XIX. Rio de Janeiro: Biblioteca Nacional/Tipografia
Monroe, 1930, p. 450 a 456).
[42] Ibidem, p. 452.
[43] Ib., p. 452 e 453.
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