Os sonhos da Nova Província do
Crato, da Província do Cariri Novo, do Estado do Araripe e do Estado do Cariri
Heitor
Feitosa Macêdo
A geografia do sertão nordestino,
durante sua construção oficial, passou por diversas etapas, sendo que, desde o
século XIX, discute-se a possibilidade/necessidade de se criar um espaço
político-administrativo próximo à divisa dos atuais Estados da PB, CE, PE e PI,
fato que perdurou até a segunda metade do século XX, com as tentativas de fundar
a Nova
Província do Crato, a Província do Cariri Novo, o Estado do Araripe e, ainda, o
Estado do Cariri.
No século XIX, em decorrência de
acirradas disputas políticas entre os liberais e corcundas, a câmara da vila do
Crato, no ano de 1828, tentou desmembrar o território do Cariri do restante do
Ceará, englobando, para tanto, áreas limítrofes das províncias da Paraíba e
Pernambuco.
A estratégia consistia numa manobra dos
liberais (republicanos constitucionalistas) para não perder o domínio sobre a
vila cratense, pois os corcundas (monarquistas absolutistas) da vila do Jardim,
sob a liderança de Joaquim Pinto Madeira e do padre Antonio Manoel de Sousa,
estavam ganhando força diante do Governo Imperial.
O
padre Antonio Manoel, também apelidado de “Padre Benze Cacetes”, depois de ter
conseguido uma audiência com o Imperador D. Pedro I, veio a ser nomeado Cavaleiro
da Ordem de Cristo e cônego da Sé de Olinda/PE, em 1829:
Ill.mo
e Ex.mo S.r
Tendo S.M. o Imperador, por Sua
Imperial Resolução do 1º de Abril de 1824, tomada em Consulta da Mêza da
Consciencia e Ordens, Concedido as honras de Conego da Cathedral de Olinda ao
Padre Antonio Manoel de Souza, Vigario da Villa do Jardim d’eSsa Provincia,
cumpre que V.Ex.cia lhe faça constar esta Graça, a fim de mandar
solicitar o seu respectivo Alvará. Deus Guarde a V.Ex.cia Palacio do
Rio-de-Janeiro em 3 de Outubro de 1829. Lucio Soares Teixeira de
Gouvea. S.r Manoel Joaquim Pereira da Silva.
Concomitantemente, Pinto
Madeira também estava galgado vantagens que colocavam os liberais em grande
desvantagem, pois, por força do Decreto de 25 de janeiro de 1828, ele passou e
receber a gratificação anual de R$ 600 mil réis, e, por Aviso do Ministério da
Guerra, datado de 18 de setembro do mesmo ano, veio a ser nomeado comandante
das vilas do Crato e Jardim, ou seja, de todo o Cariri:
Entretanto
Pinto Madeira, o criminoso, de serviços não era lícito ao ex-commandante das
armas aproveitar-se, ainda quando o Ceará se estorcia nas guarras da contra-revolução,
foi encarregado pelo governo geral (aviso do ministério da guerra de 18 de
setembro de 1828) do commando militar das villas do Crato e Jardim, depois que
o Sr. tenente-coronel Conrado se retirou da provincia! Ainda mais: por aviso de
4 de novembro do mesmo anno mandou-se n’essa qualidade abonar a Pinto Madeira a
competente gratificação, tendo-se-lhe anteriormente, por decreto de 25 de
janeiro de 1828, concedido, em remuneração de serviços, a pensão annual de
600$000 réis!
Foi
tentando evitar tudo isso que os vereadores cratenses se empenharam em criar
uma nova província, da qual o Crato seria a capital, para que, assim, pudessem
controlar as decisões políticas dessa nova circunscrição, qual seja, a
Província do Cariri, pois, nas palavras de Pedro Théberge: “A 10 de julho do mesmo anno a camara do
Crato endereçou uma representação ao governo, no sentido da conveniencia da
creação de uma nova provincia no Cariry, com partes segregadas das de
Pernambuco e Parahyba”.
O padre José Martiniano de Alencar, um
dos mais destacados chefes do partido liberal no Brasil, natural do Crato,
depois de ter participado das rebeliões independentistas e republicanas de 1817
e 1824, tornou-se monarquista, vindo a ocupar o cargo de senador do Império no
ano de 1832, sendo que, em 1834, foi nomeado presidente da Província do Ceará.
Porém, o Senador Alencar veio a ser demitido
deste cargo de presidente em 1837, o que o fez partir do seu sítio Alagadiço
Novo, em Messejana (Fortaleza/CE), para o Crato e, daí, seguiu para a Bahia,
onde embarcou com destino à Corte do Rio de Janeiro.
A vida política de Alencar estava
intimamente ligada a sua terra natal, a região supedânea à Chapada do Araripe,
entre as províncias do Ceará, Paraíba, Pernambuco e Piauí, onde sua extensa parentela dominava léguas de terra e
de gente. Era natural que ele desejasse continuar nas rédeas da política
daquele ambiente que lhe era tão favorável.
Desde o início da década de 1830, os
parentes do padre José Martiniano de Alencar insistiam na criação dessa “Nova Província do Crato”, a exemplo do
pedido feito por seu primo e compadre, Pedro Antunes de Alencar Rodovalho: “Carissimo C. e Am.o do C. Crato
16 de 8br.o de 1831 (...). Não se descuide de trabalhar, pa
a criação da nova Prov.ca do Crato, pa só assim o Cariri
será filis”.
No ano seguinte, Rodovalho repete o
pedido a José Martiniano de Alencar (senador desde o dia 2 de maio de 1832), ao
mesmo tempo em que demonstra estar bastante empenhado na causa, esforçando-se
para obter representações favoráveis de algumas câmaras cearenses e paraibanas:
Prezadissimo
Primo e Amo do C. Crato 6 de Dzbr.o de 1832 (...). M.to
me disconçola a noticia q̃ me dá de não ter tido adjutorio algũ pa
a partilha desta Provincia, sendo da maior percizão a Capital ser no Crato, ps
era o unico meio de prosperar este grd.e Pais. Hũ am.o
prometeo-me alcançar huma reprezentação a favor da Camera de S. Mateus, e outro
certificoume q̃ as duas de Pombel (sic.)
e Rio do Peixe, já estão prontas pa reprezentarem o m.mo,
e suponho q̃ Baturité ja reprezentou pm q̃ foi supitada em Ceará
essa reprezentação.
Não demorou e Rodovalho,
mais uma vez, expôs os planos para, diante da Assembleia geral Legislativa do
Império (Câmara dos Deputados e Câmara do Senado), criar a “Nova Província do Crato”, revelando que,
apesar do malogro eleitoral de alguns aliados, o Ibiapina (padre) havia sido
eleito e, assim, unir-se-ia ao Senador Alencar:
Prezadissimo
Primo e Am.o. Crato 2 de Abril de 1833. Quando estava na
isperança, q̃ saisse Deputado pr esta Provincia P.e
Carlos, e Franco Antonio, e igualme o nosso Amo
Pererinha, pa o ajudarem a trabalhar a favor da nova Provca
do Crato, ex q̃ passamos pello dissabor de sair some destes
Hibiapina, q̃ se unirá a V. pa este fim, e tudo mais suponho
contrário.
Soma-se a este outro
pedido, feito por mais um dos primos do Senador Alencar, desta vez, pelo padre
Carlos Augusto Peixoto de Alencar, o qual, desde setembro de 1832, havia
instalado no Julgado de Cabrobó/PE a Sociedade Fideral com vistas a viabilizar
a “partilha da Província”, isto é, a
formação do território da Província do Cariri Novo, sob o argumento de que
havia falta de assistência pública nos “centros”
(sertões) como educação, policiamento e rigor das autoridades devido à longa
distância da capital:
Pe.
José. Quixaba 30 de Abril de 1833 (...) cumpreme agora diser-lhe algũa couza,
que tenho feito a bem da partilha da Provincia, q̃. imbora não aproveite, com
tudo foi o que nas actuaes circonstancias pude conseguir. Tendo eu desde 7br.o
do anno passado instalado neste Julgado de cabrobó, hũa sociedade com o Titulo
de Fideral = Filial a de Pern.co, com as vistas de ir melhorando no
q̃. me fosse possivel as nossas circonstancias, e dando principio a disabuzar o
povo ignorante, e perverço sobre a Fideração, unica pedra de escandalo, q̃.
prezentim.o o alvorossa, tendo já esta socied.e
reprezentado ao Governo de Pern.co a necessid.e, q̃.
soffremos de aulas de primeiras letras, ao menos em Cabrobó, Exú, e S. Maria, e
igualm.e o disleixo, e relaxação das Auctorid.es no
comprim.to dos seos deveres, lembrei eu que a Socied.e
reconhecendo, q̃. todos os males nestes centros provinhão da falta de policia;
p.r isso m.mo que os recursos se nos difficultava pela
grd.e distancia da capital da Prov.ca, e q̃ o unico
remedio p.a obviar a tantas disordens, e perturbações era a partilha
do cariri novo em Prov.ca.
Ao tempo, Carlos
Augusto estava empenhando para que o assunto chegasse ao conhecimento da
Assembleia Geral e, em que pese ele já ter obtido relevante apoio para a
criação da referida província, manifestou receio de o Concelho Provincial do
Ceará não aceitar a tal “partilha”:
(...)
e sendo unanimem.e apoiada a m.a indicação,
reprezentou-se isto m.mo em Sessão ordinaria de 18 deste més aos
conselhos Provinciaes de Pern.co, e Ceará, p.a que
ouvindo o reclamo geral dos povos fizesse xegar ao conhecimento da Assembléa
Geral a necessidade daquella partilha, sem a qual jamais deixaria de aparisser
frequentes revoluções, e outros m.tos attentados, com que o genio do
mal, e da pervecid.e tem feito constantem.e a nossa
oppressão. Não sei se o concelho do ceará annuirá a nossa requizição, e pelo
que me paresse assim o não o fará; p.r q̃. tudo q.to hé
pretencente a velha comarca, opõe-se a nova partilha; com tudo nesta m.ma
occazião escrevi particularm.e ao João Facundo, q̃. sem me conhecer
se tem comonicado comigo, e feito-me os maiores offerecimentos, p.a
q̃. como hum dos conselheiros influa, e coadjuve este negocio: o m.mo
fis com o Albuquerque, que se me mostra grato pela amiz.e, que eu t.o
conservado com o Torres, e como vossé t.a tão bem sahido
concelheiro, e venha em 7br.o pode ainda com m.to muito
maior força fazer com q̃. o conselho reprezente.
Mas, segundo o padre
Carlos Augusto, no julgado de Cabrobó, a oposição mais veemente partia de
dentro da própria família Alencar, feita por um parente chamado Martinho da
Costa, que, tendo sido liberal desde 1817, passou a pregar contra a Sociedade
Fideral, utilizando em seus argumentos os mesmos princípios do padre Antonio
Manoel de Sousa (o Padre Benze Cacetes), ou seja, que a Fideração tinha por
base destruir a religião e a honestidade das famílias:
Eu
podia tão bem p.r outro lado tentar outra cousa, q̃. era hũa
reprezentação geral dos povos deste Julgado; mas julgo, q̃. será baldado o
imprehender semelhante couza; p.r q̃. Martinho da Costa, nosso
parente, e am.o, e que thé agora desde 1817 tem sido hum liberal
constante, e decidido, mudou-se de rumo, e nestes centros tem feito opposição a
tudo q.to hé idéa liberal, invenenando a Fideração, e todas as
Socied.es, que tomão o Título de Fideraes, e athé argumentando com
os m.mos principios do P.e Ant.o Manoel; isto
hé, q̃. a Fideração tem p.r baze distruir a Relligião, e a
honestidade das familias, e p.r conseguinte pondo-me na m.ma
indisposição, e má fé p.a com os povos, hũa vés, que sou eu
influente da Sociedade Fideral de cabrobó; a vista disto tenho dizistido desta
pretenção, e determino esperar milhor tempo, visto q̃. Mart.o, que
p.r aqui tem m.ta ascendencia se oppõe a mim, e m.mo
a nova partilha do Cariri, como já a mim proprio disse, pelo q̃. elle thé então
tanto se empenhava. Eu lastimo a sorte de Mart.o p.a o
futuro, se elle perseverar nas m.mas idéas; pois de certo perderá a
opinião publica virá a ser considerado inimigo do Brazil. Que disgrassa! hum
membro da familia dos Alencares, q̃. tão Martir tem sido pela liberd.e,
ser considerado hum traidor, e perder o bom nome de que sempre gozou!
Acrescente-se que o
desejo de fundar a “Nova Província do
Crato” também era compartilhado por algumas pessoas de fora da família
Alencar, conforme carta datada de 19 de outubro de 1831, em que o remetente,
Francisco Antonio, fala ao padre José Martiniano de Alencar sobre seu esforço
para ajudar a realizar tal feito, em consulta às vilas que comporiam esse novo
território, bem como sobre a resistência encontrada por parte de alguns “mandões do julgado” (do Cabrobó):
Em
quanto estive no Exú fis todas as diligencias possiveis p.a a
enformação das V.as, d’Assumpção, e S. M.a p.a
a creação da Nova Prov.ca do Crato, mas não pude obter destas V.as,
senão despotismos, e mald.es, q̃. em nada quiserão anuir, p.los
Mandões daq.le Julgado, mas pensei, q̃. o Crato a m.to
tinha respondido, onde tão bem influi, e fis o q̃. pude, e p.r isso
não indaguei p.r esse negocio agora q.do lá fui, p.r
q̃. já o julgava arranjado, e só esperava p.la decisão das Cortes,
pois só deste modo hé q̃. Cariri poderá hũ dia ser felis; continuarei nessa
indagação, e me prestarei p.a esse fim com todas as m.as
forças, pois só nessa Esperança determinei fazer a m.a residencia
naq.le lugar, q̃. com essa falta ainda está inhabitavel.
Foi nesse contexto que,
no dia 14 de agosto de 1839, o Senador Alencar apresentou um anteprojeto de lei
que pretendia criar a Província do Cariri Novo, cujo território circundaria as províncias
do CE, PB, PE e PI. Conforme já mencionado, a capital desta província seria a
vila do Crato, à qual seriam anexados os territórios cearenses do Riacho do
Sangue, Icó, Inhamuns, São Mateus, Lavras e Jardim. Na Paraíba, fariam parte os
municípios dos sertões do Rio do Peixe e Piancó. Em Pernambuco, o município do
Pajeú de Flores e os compreendidos dentro do antigo julgado de Cabrobó. Por
derradeiro, também seria anexado o município de Piranhas, no Piauí.
A
Assembléia Geral Legislativa decreta:
Art.
1.º ‒ Fica criada uma província que se denominará Província do Cariri Nôvo,
cuja capital será a vila do Crato.
Art.
2.º ‒ Esta província se formará:
§
1.º ‒ Dos municípios do Riacho do Sangue, Icó, Inhamum, S. Mateus, Lavras,
Jardim e Crato, da província do Ceará;
§
2.º ‒ Dos municípios do Rio do Peixe e Piancó, da província da Paraíba;
§
3.º ‒ Do município de Pajeú das Flôres e dos compreendidos no antigo Julgado de
Cabrobó, na província de Pernambuco;
§
4.º ‒ E no município de Piranhas, da província do Piauí.
Art.
3.º ‒ As autoridades gerais, que em virtude da Constituição e das Leis
existentes, houverem de ser criadas nesta nova província, terão os mesmos
ordenados que têm os da província do Ceará.
Art.
4.º ‒ Logo que esta lei fôr sancionada, se tirará por sorte, na Câmara dos
Deputados e no Senado, dentro os oito deputados e quatro senadores do Ceará,
quatro deputados e dois senadores para representarem a nova província.
Art.
5.º ‒ Na primeira eleição geral que tiver lugar depois que esta Lei fôr
sancionada, se nomearão mais dois deputados e um senador pela província,
ficando ela desde então representada na Assembleia Geral por seis deputados e
três senadores.
Art.
6.º ‒ A Assembléia desta nova província constará de 28 membros.
Art.
7.º ‒ Ficam revogadas tôdas as Leis e disposições em contrário.
Paço do Senado, 14 de agosto de
1839. ‒ José Martiniano de Alencar, Antônio Pedro da Costa Ferreira, José Bento
Leite Ferreira de Melo, Nicolau Pereira de Campos vergueiro, Diogo Antônio
Feijó, João Antônio Rodrigues de Carvalho, Francisco de Lima e Silva, Manoel
Inácio de Melo e Sousa.
Esse
anteprojeto de lei foi apresentado no Senado e, durante sua tramitação, tendia
a ser aprovado pelos parlamentares. Contudo, enquanto o dito procedimento
legislativo se desenrolava, seu próprio autor, o Senador Alencar, desistiu de
criar a Província do Cariri Novo, pois, com o Golpe da Maioridade (quando o
príncipe regente ‒ Pedro II ‒, aos 14 anos de idade, assumiu o trono brasileiro),
no dia 23 de julho de 1840, passou novamente à crista da política e não mais se
ocupou do assunto.
Apesar
da perda do interesse por parte do Senador Alencar, a ideia de se conceber a
província do Cariri Novo perdurou. Em 1846, o então presidente (governador) do
Ceará, Inácio Correia de Vasconcelos, enviou correspondência ao ministro Manuel
Alves Branco requerendo a criação da referida província. Em 1854, a câmara de
Barbalha também fez requerimento à Assembleia Legislativa Geral com a mesma
finalidade:
1854, 18 de Julho ‒ Pediu a câmara
de Barbalha, unânimemente, à “Assembleia Legislativa Geral”, “a criação de uma
nova província, sendo a capital a cidade do Crato, desta província do Ceará”.
Assinaram a ata Antônio Joaquim de Santana, presidente, Antônio Bezerra de
Jesus, Domingos Gonçalves Parente, João Antônio de Jesus, Severino Oliveira
Cabral, Antônio Policarpo de Amaral Lisboa e José Antônio de Macedo.
No
ano seguinte, o Jornal “O Araripe”,
cujo redator chefe era João Brígido dos Santos, passou a advogar em favor da
causa da fundação da Província do Cariri Novo. Mas este intento, apesar de não
ter se concretizado nos idos dos oitocentos, reverberou até o século XX, porém,
alterando-se o nome da pretensa circunscrição político-administrativa para
Estado do Araripe e, depois, para Estado do Cariri.
Já em
1940, o ministro da guerra João Segadas Viana publicou um plano para a
organização do espaço político-administrativo brasileiro ao qual deu o nome de
“Divisão Territorial do Brasil”.
Segundo este, o País seria dividido em 27 estados e 39 territórios, sendo que
no referido contexto haveria o Estado do Araripe, com fronteiras diferentes do
projeto apresentado pelo Senador Alencar, mas mantendo áreas dos estados
limítrofes.
Por sua
vez, o deputado estadual Wilson Roriz reacendeu a velha ideia, propondo a
criação do Estado do Cariri, apresentando um novo anteprojeto de lei à
Assembleia Legislativa do Ceará, no dia 21 de maio de 1957, com o seguinte
teor:
Art. 1º ‒ Fica a Mesa da Assembléia
Legislativa do Ceará autorizada a constituir, de acôrdo com a legislação em
vigor, a Junta Plebiscitária para a consulta de que trata o art. 2º da
Constituição Federal, a ser realizada na região Sul do estado do Ceará, nos
municípios de Icó, Acopiara, Saboeiro, Campos Sales, Ipaumirim, Lavras, Cedro,
Várzea Alegre, Cariús, Jucás, Assaré, Farias Brito, Santana do Cariri,
Caririassu, Crato, Juàzeiro do Norte, Barbalha, Aurora, Barro, Milagres, Brejo
Santo, Jati, Mauriti, Jardim, Porteiras, Missão Velha, Araripe, Iguatu, a fim
de ser em referida região, formado o Estado do Cariri, de acordo com o art. 17,
nº 16, da Constituição do Estado.
Como
se percebe, a área desse Estado do Cariri, proposto por Wilson Roriz, não coincidia
com a dos anteprojetos anteriores, pois ficava restrita apenas ao Ceará.
Ademais, a campanha para a criação desse novo Estado consistiu no velho e
popular discurso da falta de assistência do governo estadual em relação aos
município interioranos, que não deixava de ser uma realidade.
Tão
logo, em 1963, a campanha para a criação dessa unidade federativa foi retomada,
desta vez, sendo encabeçada pelo advogado Raimundo de Oliveira Borges, o qual
teve boa acolhida em Picos, no Piauí. À mesma época, a opinião de alguns
moradores dos sertões pernambucanos de Bodocó e Exú também era favorável à
criação do Estado do Cariri. Sobre este assunto, acrescenta Figueiredo Filho
que:
Quando o Dr. Raimundo Borges,
ilustre advogado e orador caririense, encabeçou o ressurgimento da idéia, em
1963, encontrou a melhor ressonância, em Picos, no Piauí e noutros recantos
daquele estado. Certa vez, em Bodocó e Exú, no estado de Pernambuco, consultei
a algumas pessoas, daquelas localidades, como receberiam elas tal
empreendimento e todos foram unânimes em aplaudir. A razão principal recaia no
afastamento em que viviam das realizações administrativas do govêrno estadual.
Em Picos foi o mesmo motivo que conseguiu mobilizar a opinião de muita gente,
em tôrno de possível adesão ao ESTADO DO CARIRI, iniciativa partida de outro
estado. Tudo isso é sintomático e mostra que o interior já não mais se satisfaz
em ser a parte esquecida dos govêrnos e quer agora reinvidicar os seus direitos
e prerrogativas, sempre postas à parte, no passado e no presente.
Creio que a discussão
mereça uma nova análise, posto que, de lá pra cá, a realidade assistencial do
Poder Público Estadual obteve melhoras, mesmo diante da distância que separa os
sertões próximos à Chapada do Araripe das suas capitais.
Além desse critério administrativo,
também é de suma importância levar-se em consideração os elementos econômicos
bem como a unidade histórico-cultural existente entre a população dessa imensa
área interestadual sertaneja, compreendendo diversos Estados, como CE, PB, PE,
PI e RN.
(Fragmento da monografia: “Implicações da Territorialização Branca do
Cariri Cearense e a Invisibilidade Indígena no atual Ordenamento Jurídico
Brasileiro sob a ótica da Arqueologia Histórica-cultural”, de Heitor
Feitosa Macêdo)