Os
Matutos do Crato na Independência do Brasil
Heitor Feitosa Macêdo
Reza a lenda oficial que a emancipação
política do Brasil, em relação a Portugal, se deu através do brado de D. Pedro
I, às margens do Ipiranga, que teria obrado tal heroísmo depois de acometido de
uma caganeira[1].
Outros afirmam que esta Independência dependeu do reconhecimento da Inglaterra,
a qual recebeu 22 milhões de libras esterlinas.
José da Cunha Fidié. |
Mas será que não existe nada além deste
evento monótono e caricato?
A resposta é que, bem longe dos holofotes
oficiais, lá no interior do continente, bem no sertão do Nordeste
brasileiro, houve gente com sangue no olho, idealista e, mais que isso,
aguerrida, que soube conquistar Direitos Coletivos sacrificando seus planos individuais.
Não é exagero nem bairrismo de nossa parte! Tudo isto está documentado, escrito,
porém tal informação não ultrapassa as raias da intelectualidade interiorana,
matuta.
Tendo em vista os meios precários de
comunicação em todo o Brasil no início do século XIX, a informação sobre o grito da independência do
qual falamos só chegou ao Crato no dia 26 de dezembro de 1822. Ocorre que,
antes mesmo de tomar conhecimento disto, os cratenses já haviam iniciado o processo emancipatório por toda a província do Ceará.
Mas qual o propósito disto? Não teria
sido mais fácil esperar a correspondência oficial da Corte do Rio de Janeiro e,
assim, instituir a referida Independência?
Não, as coisas não foram tão simples
assim, pois Dom João VI, pai de D. Pedro I, apesar de já estar em Portugal,
pretendia ficar com uma banda do Brasil, ou seja, a independência se daria
apenas numa parte do País.
Para que fique mais claro, é necessário
dizer que o Brasil havia sido dividido administrativamente, desde o tempo do
domínio espanhol, em 1624, em dois grandes territórios chamados de Estado do
Maranhão e Estado do Brasil, sendo que o limite entre estes localizava-se
justamente entre o Ceará e o Piauí. Com isto, pode-se mensurar o tamanho da
importância dessa porção geográfica naquele período!
Assim, apenas o Estado do Brasil
ficaria independente, enquanto que o Estado do Maranhão permaneceria com
Portugal. Para garantir isto, algumas tropas portuguesas se mantiveram fiéis a
D. João VI, não reconhecendo o brado de D. Pedro I. Isto ocorreu na BA
(ensejando a Guerra do Pirajá) e no PI, onde, nesta última província, o oficial português José da Cunha
Fidié ofereceu combates encarniçados aos brasileiros independentistas.
Mas quem foi que garantiu a
Independência do Brasil e sua unidade territorial, já que grande parcela da população
do Norte do Brasil era simpática à causa portuguesa?
É neste capítulo da história que entram os
cearenses, especialmente os moradores da Vila do Crato (o capitão-mor José
Pereira Filgueiras e Tristão Gonçalves de Alencar Araripe), principais lideranças
militares que foram render Fidié em Caxias, MA.
Obra escrita por Fidié. |
Muita gente que compunha o exército
brasileiro, incluindo caboclos e índios, pela falta de armas de fogo, ia morrer bravamente à frente das bocas dos canhões portugueses, empunhando facas (as
parnaíbas), facões, chuços, etc. Isto está gravado na História matuta,
sobremodo, pelo episódio conhecido como Batalha do Jenipapo, onde, até hoje,
existem centenas de corpos sepultados sem nenhuma referência de suas
identidades.
Para não deixar este episódio passar em
branco, abafado pelas narrativas hegemônicas da História Nacional, indicamos
aqui duas obras acerca do assunto. A primeira foi escrita pelo próprio comandante
português José da Cunha Fidié, chamada de Vária Fortuna d’um Soldado Portuguez,
hoje, muito rara. A segunda é uma visão contemporânea do referido acontecimento,
possuindo uma das mais claras sínteses sobre o assunto, intitulada de Heróis da
Solidão, do pesquisador Antônio Ivo Cavalcante Prudêncio.
[1] Gomes, Laurentino, 1822: Como um
homem sábio, uma princesa triste e um escocês louco por dinheiro ajudaram D.
Pedro a criar o Brasil - um país que tinha tudo para dar errado, Rio de
Janeiro, Nova Fronteira, 2010, p. 29.