A PRIMEIRA PRESA POLÍTICA DO BRASIL
E A REVOLUÇÃO DE 1817
Heitor Feitosa Macêdo
Até hoje, a História ainda não bateu o
martelo sobre qual mulher foi a primeira presa política do Brasil, pois existem
vários nomes que concorrem a esta primazia, como, por exemplo, Bárbara Pereira
de Alencar e Patrícia Rehder Galvão (Pagu).
Pagu. |
Mas será justo admitir que apenas no
século XX tenha havido no Brasil uma mulher presa por motivos políticos?
Os documentos comprovam que outras
mulheres foram presas por razões políticas ainda no início do século XIX, entre
elas uma sertaneja da aristocracia rural, chamada Bárbara Pereira de Alencar,
mãe do senador José Martiniano de Alencar, e, por isto, avó do romancista José
Martiniano de Alencar.
É comum encontrar na historiografia referências
sobre Bárbara Pereira de Alencar ser a “primeira mulher republicana e primeira
presa política do Brasil”, no entanto, isto deve ser ponderado, pois outras
mulheres abraçaram a causa patriótica de 1817, o que incluía o republicanismo.
Em 6 de março de 1817, foi deflagrada
uma das mais belas e sangrentas revoluções/rebeliões já vistas no Brasil, tendo
seu epicentro na então Capitania de Pernambuco, localizada, segundo a geografia
da época, no Norte do País. Tal movimento, de influência iluminista, pretendia,
principalmente, separar a colônia brasileira da metrópole portuguesa bem como
instalar no Brasil o regime republicano. É neste comenos que a participação das
mulheres merece ser analisada, para, assim, poder-se aferir qual delas têm a
precedência na qualidade de primeira presa política brasileira.
Várias mulheres abraçaram a causa
republicana durante a “Revolução Pernambucana de 1817”. Uma destas foi Margarida Corrêa, esposa do “patriota”
(liberal) Inácio Achiole de Vasconcelos, a qual, por carta, em meados do mês de
março de 1817, recebeu informações sobre assuntos relacionados à revolução.
Na Paraíba, no dia 21 de março de 1817,
o “Governo Revolucionário” publicou os nomeS de alguns moradores de Mamanguape
que haviam feito doações em favor dos patriotas para cobrir os custos com a
Guerra. Entre os doadores estava Ana Clara de São José Coutinho, a qual
entregou, voluntariamente, o seu Engenho do Meio, com 40 escravos, 40 bois e
outros utensílios aos rebeldes:
Viva
a Pátria
O
Govêrno Provisório da Paraíba recebe agora da Generosa Patriota Ana Clara de S.
José Coutinho, o brioso oferecimento do seu Engenho do Meio com fabrica de
quarenta escravos e quarenta bois, e mais utensílios para a despesa da guerra,
o Govêrno aceita a sua heróica oferta...
Por óbvio, se Ana
Clara, além de fazer a referida doação, também era chamada de “patriota”
(autodenominação utilizada pelos revolucionários), não resta dúvida que ela partilhava
dos princípios revolucionários de 1817, sendo, portanto, uma mulher
republicana, do mesmo modo que Bárbara de Alencar.
Mas, qual destas foi a primeira a
defender a instalação de uma República no Brasil?
Sabe-se que a República protagonizada
pela família Alencar só foi proclamada na Vila do Crato/CE no dia 3 de maio de
1817, enquanto que o ato patriótico de Ana Clara remonta ao dia 21 de março do
mesmo ano. A simples comparação de datas faz crer que Bárbara Pereira de
Alencar não foi a primeira mulher republicana do País.
Além disso, deve ser ressaltado que o
movimento desencadeado em 1817, na Capitania de Pernambuco, já vinha sendo
articulado desde 1799 por um ramo da aristocrática família Cavalcante de
Albuquerque, ensejando, em 1801, a “Insurreição dos Suassuna”, a qual foi
rapidamente abafada pelas autoridades portuguesas.
Em um dos documentos relativos à
referida insurreição, uma “moça” é citada como sendo destinatária de uma carta
dos denunciados, contudo, isto não passou de dissimulação do remetente, o qual,
para despistar as autoridades, alegou que o conteúdo da missiva era puramente
amoroso. Ainda, na apuração judicial destes fatos, outra mulher é mencionada,
desta vez, na qualidade de testemunha, Joaquina dos Santos (negra forra), a
qual também dissimulou a participação dos acusados na dita insurreição.
Bárbara de Alencar. |
Infelizmente, os documentos encontrados
até o presente momento não são suficientes para demonstrar a existência de
mulheres propagando ideias políticas no Brasil antes de 1817. O que existe são pequenos
indícios capazes de formar meras suposições, como, por exemplo, a carta escrita
por Manoel Arruda da Câmara no dia 2 de outubro de 1810 e endereçada ao padre
João Ribeiro Pessoa (quem viria a ser um dos principais líderes da Revolução
Pernambucana), na qual já recomendava que Bárbara Pereira de Alencar fosse
tratada pelos liberais como heroína.
Disto pode ser extraído, no mínimo, que
Bárbara Pereira de Alencar, ao tempo, 1810, já apresentava algum pendor para a
causa liberal, e, por conseguinte, republicana. Todavia, preferimos aceitar que
Bárbara tenha sido apenas uma das primeiras mulheres republicanas do Brasil.
Mas, e quanto à primeira presa política
brasileira?
Para encontrar a resposta é necessário
arrolar os nomes de algumas mulheres que foram presas por terem manifestado
seus ideais políticos em tempos remotos. Desta forma, mais uma vez, é
necessário volver os olhos ao episódio de 1817.
Como foi dito, várias mulheres tomaram
parte na Revolução Pernambucana de 1817, sendo que muitas delas tiveram suas
liberdades cerceadas, como, por exemplo, Maria da Conceição e Gertrudes Marques,
as quais chegaram a ser torturadas na prisão:
Mas, não era somente 'a flagelação a relho e
a chibata com que a tirania portuguesa martirizava a pobre gente brasileira
pelo seu crime de inconfidência, uma vez que as vítimas, que aos nossos
dominadores pareciam menos culpadas, ou mais protegidas comutavam aquelas penas
em palmatoadas! Do referido Livro da Cadeia Velha, consta a respeito:
"Alberto José de Oliveira, branco, solteiro, ferreiro. Castigado com duas
dúzias de bolos e solto no mesmo dia". "Maria da Conceição, preta
forra. No dia primeiro de setembro, sofreu o castigo de 72 palmatoadas, mas
depois foi suspensa a ordem de se ir continuando o castigo pelo deplorável
estado em que se achava"."gertrudes Marques, parda, condenada a sofrer o
castigo de duas dúzias de bolos de manhã e de tarde. Esteve prêsa de 16 de
setembro a 31 de outubro".
Entre as mulheres
detidas nas enxovias no ano de 1817, consta também uma escrava do coronel
Ignácio Francisco da Fonseca Galvão, Maria Galvão, que, pela fidelidade e amor
dedicados ao seu senhor, fora presa juntamente com ele. Mas, além desta
“preta”, uma menina índia de apenas sete anos, criada do dito Coronel, também
chamada pelo nome de Maria Galvão, foi remetida aos cárceres da Bahia:
Galvão
3º (Maria) preta, escrava de ‒ Galvão 1º ‒ que, por sua fidelidade, e amor a
seo senhor, mereceo ser associada a sua prisão, e tormentos: foi solta com elle
na mesma época.
Galvão
4º (Maria) india mineira de 7 annos, criada de ‒ Galvão 1º ‒ presa com elle, e
levada para os carceres da Bahia; talvez, para justificar a existencia de
tantos Herodes.....
No
dia 1º de março de 1818, 26 presos do Ceará chegaram ao Forte do Brum, em
Recife/PE, entre eles, além de Bárbara Pereira de Alencar, a “negra” Vicência. Igualmente,
a irmã do padre Miguelinho (Miguel Joaquim de Almeida Castro), chamada Ana
Clara Joaquina de Almeida Castro, fora presa algum tempo depois deste seu irmão
por suspeita de ser cúmplice no movimento revolucionário de 1817:
...esta
última [D. Clara Joaquina de Almeida Castro], que morava em Olinda com o seu
irmão Miguelinho, conhece-se um fato que bem mostra a sua resistência moral e
firmeza com que sabia enfrentar todos os obstáculos. Preso o seu irmão querido,
que pagou com a vida o seu amor à liberdade, foi ela também presa pouco depois,
por suspeita de cumplicidade no movimento revolucionário, e encerrada por muito
tempo nos cárceres do Recife.
Apesar
de todas essas mulheres terem sido detidas em cárcere, nenhuma aparece na lista
dos presos das cadeias baianas com acusação formal, exceto Bárbara Pereira de
Alencar, que fora presa no dia 13 de junho de 1817, acusada de cometer crime de
cunho essencialmente político, conforme reza o velho documento:
Bárbara
Per.a de Alencar Preza a 13 de Junho de 1817
He
accuzada de que se opoz francamente aintento dof.o; epor ordem delle
queimou os seus papeis; em converssas disse que ella não havia ser Rei, e
dizendo-se-lhe Rainha calou-se, disse que o Ouvidor André Alz̓ era hum tollo
por não aceitar os benef.os de seus f.os, que não havia
q.m os prendeSse; levou amal que elle test.a se
desposesse a Restauração, pois se fiava noCap.mor louvou a
Revolução; mandou pagar dinr.o que devia ao Cofre dos Auzentes; p.a
dar exemplos aos Rebeldes.
Todas
estas imputações convence a Reu com acerteza de sua coacção, como fica
demonstrado na Defesa Geral, e com as razoes expend.as na sua
alegação N 95.
De acordo com os
ditames legais da época, ou seja, as Ordenações Filipinas, a ré foi pronunciada
(considerada culpada) no dia 13 de setembro de 1818 e recolhida aos cárceres da
Bahia no dia 9 de outubro de 1818. Daí, no dia 30 de setembro de 1819, foi
intimada para apresentar sua defesa, ou melhor, dizer de fato e direito em
cinco dias. Ao final, foi incluída no perdão de 6 de fevereiro de 1818 por
Aviso de 2 de outubro de 1820 e, finalmente, solta por mandado de 17 de
novembro de 1820.
Dessa maneira, infere-se que, apesar de
outras mulheres terem sido presas e torturadas nas cadeias por suas convicções
políticas, apenas Bárbara Pereira de Alencar foi oficial e formalmente culpada
pelo crime de lesa-majestade. Portanto, partindo desse critério, em ordem
cronológica, Bárbara deve ser considerada como a primeira presa política do
Brasil, exceto se algum outro documento vier a ser descoberto provando o
contrário.