ARAÚJOS
CHAVES & FEITOSAS COLONIZADORES DO CENTRO-OESTE DO CEARÁ HISTÓRIA E
GENEALOGIA,
DE F. ARAÚJO FARIAS
Heitor
Feitosa Macêdo
Fernando, é com muito prazer que traço
alguns pontos acerca desta sua obra. E a sensação que tenho, ao fazer isso,
seria mais ou menos a mesma que você teria se pudesse tratar desses assuntos
com Seu Nado (Leonardo Feitosa) ou com Raimundo Girão, por exemplo.
Portanto, encaro a referida tarefa com
muita responsabilidade, respeito e admiração.
Como diz o padre Neri, “historiador é como pedreiro: não pode olhar
o trabalho de outro sem apontar erros”.[1] Ao
lado disso, é certo que a verdade histórica nunca é absoluta, muito menos será
homogênea, pois, por mais que nasça da análise de um fato externo, será sempre
o produto do pensamento individual, fruto da idiossincrasia, e, portanto,
relativa.
A nós pesquisadores (já que
historiador, oficialmente, passou a ser um título outorgado por universidades)
consola poder escarafunchar fatos e tentar amoldá-los a uma suposta realidade
de uma época pretérita, o que, dificilmente, conseguiremos fazer com exatidão.
E o que nos move para esse deserto sem
rosto é o simples desejo de saciar a universal curiosidade humana, em saber
quem somos, de onde viemos e para onde vamos.
Portanto, ao aceitar realizar tais
considerações sobre o presente trabalho, não posso afastar-me da
responsabilidade de tentar alcançar a verdade, repita-se, que sempre será
subjetiva.
RESENHA
A proposta apresentada pela dita obra
alcança, perfeitamente, seu objetivo, pois o autor consegue provar que a
ocupação (colonização/povoamento/fundação) do centro-oeste cearense deu-se por
gente oriunda desses dois clãs originários do Rio de São Francisco,
Araújo Chaves e Feitosa. Acrescente-se que estes dois grupos eram aparentados
entre si, o que é demonstrado repetitiva e didaticamente no decorrer da obra.
Talvez, para a maioria da geração moderna,
o gênero destes estudos possa conotar algo supérfluo, levando os mais
apressados ao erro de julgar que o estudo desses laços de
parentesco seja algo dispensável, ou mero resquício do período colonial, sendo,
por isso, demodé e incompatível com a
atual forma de governo que vigora no Brasil, a democracia.
Data
venia, esse julgamento é um erro crasso, pois o autor, ao destrinçar os nós
sócio-genealógicos, não o faz com a finalidade de mero enaltecimento ou frívolo
deleite, mas com a intenção de poder entender a psicologia e o arranjo social
das eras passadas, tentando, honestamente, reconstituir o antigo cenário que
frutificou no que somos hoje.
A
importância desse estudo pode ser encontrada na proposta de um dos maiores best sellers da sociologia brasileira, Casa-Grande & Senzala, no qual
Gilberto Freyre, ao analisar a formação do povo brasileiro, o faz a partir da
família patriarcal, como sendo esta a célula mater dessa sociedade desde os primeiros tempos do desbravamento. Pena que a visão
freiriana tenha esbarrado na zona da mata nordestina, legando aos pesquisadores
do presente a difícil tarefa de investigar a atuação desse núcleo familiar no
seio do sertão.
É
sob essa mesma vertente que Fernando Araújo Farias lança seu olhar microscópico
sobre as antigalhas dos séculos passados, estando despido da vaidade heráldica
e de qualquer eugenia sertaneja. O compromisso do autor é tentar esclarecer
como ocorreu a ocupação do solo no centro-oeste cearense, e qual a importância
das relações familiares neste empreendimento.
Como sempre costuma fazer em seus
estudos, o autor vai além da aparente superfície imposta pela história oficial,
revolvendo o passado em busca de documentos capazes de (re)contar os antigos
fatos, apresentando, sempre que possível, novas versões.
É
com esse mote que atesta o pioneirismo das famílias citadas nas imediações da
Serra da Ibiapaba, quase que de Norte a Sul, delineando minuciosamente a
ocupação luso-brasileira de parte das fronteiras do Ceará com o Piauí, na área
açambarcada pelo antigo Sertão do Acaracú (hoje, modificado para Acaraú,
evitando o cacófato).
Constitui
um trabalho de grande fôlego, reunindo vasto conhecimento em vários campos do
saber, como história, genealogia, geografia, sociologia, etc., sob uma
perspectiva regional/local, onde a visão alcança aspectos microscópicos, indispensável
para compreender a antiga sociedade que se alocou nessas serras e sertões.
Como
afirmou o eminente padre Sadoc de Araújo: “a
história do Ceará não estará escrita, enquanto escrita não estiver a história
particular de cada um dos seus municípios”. Porém, essa ideia merece ser
estendida, pois, na verdade, a história do sertão nordestino não estará
escrita, enquanto escrita não estiver a história particular de cada um dos seus
sertões.
Pensando
a história desse espaço como um mosaico, pode-se dizer que a presente obra de
Fernando Araújo Farias constitui mais uma das peças essenciais para a
constituição desse enorme e pouco conhecido quebra-cabeça.