O
MORGADO DA CASA DO UMBUZEIRO
Antônio Gomes de Freitas
Aos que amam à história, despertam sempre curiosidade os
assuntos e leituras relacionados com as nossas origens, com o povoamento da
terra e o domínio que sôbre ela exerceram os primeiros ocupantes e os que os sucederam
no curso dos tempos. É, portanto, com interesse sempre renovado que releio os
trabalhos de Leonardo Feitosa e de Pedro Tenente matutos e autodidatas,
comentaristas dos fatos pretéritos e linhagistas das velhas estirpes
sertanejas.
A secular Casa do Umbuzeiro (Aiuaba - Ceará) |
Confesso a minha admiração pelos trabalhos dêsses
investigadores de fatos e homens do meu sertão, e a minha admiração cresce
ainda mais quando sei que fizeram êles obra útil, apesar de desprovidos de
fontes bibliográficas, pois que sempre apoiados na tradição popular e oral. É
bem verdade que os trabalhos que se apoiam em reminiscências, são por sua
própria origem suscetíveis de erros e de equívocos, visto como acontece que
algumas vezes a narrativa do episódio ou a informação de um fato, com o correr
dos tempos chega até nós já deturpadas, e daí perder o caráter de
autenticidade.
Queremos nesta oportunidade nos referir a um dêsses
equívocos, aliás, cometido a só tempo, por Leonardo Feitosa e Pedro Tenente, na
parte em que ambos afirmam que Maria da Ressurreição, consorte do pioneiro
Domingos Alves de Medeiros, era filha do Capitão Gabriel de Morais Rêgo, dos
Anjinhos; quando na realidade, não era filha dêste e sim cunhada, pois que o
Capitão Gabriel era casado com a irmã de Maria da Ressurreição, de nome
Catarina, ambas filhas de José da Silveira, português que se situou no tempo
das entradas, em um contraforte da Serra Grande, que hoje chamam Serra do
Silveira, localizada no município de Aiuaba.
Oriundo de Tracunhaem, Pernambuco, de heráldica prosápia,
Domingos Alves de Medeiros, de que trata esta crônica, chegou aos Inhamuns, no
ano de 1715, em companhia de seus irmãos Padre José Bezerra do Vale, fundador
da Casa do Umbuzeiro, e o Sargento-mor João Bezerra do Vale, que se matrimoniou
com Ana, filha do famoso colono Francisco Alves Feitosa, em 22 de fevereiro de
1732 (1º livro de assentamentos eclesiásticos da Freg. De N.S. da Expectação,
Icó), e armou tenda nos Cabaços, à margem do Rio do Jucás, e ainda mencionamos
Ana Maria Bezerra, consorte do Ten. Cel. (ex-Alferes) Bernardo Duarte Pinheiro
que se fixaram no Riacho do Machado, tributário do Salgado.
Imensa prole deixaram espalhada no Ceará, e em outros pontos
do País, os irmãos Bezerra do Vale, com exceção apenas de Domingos, que não
teve filhos, nem com Maria da Ressurreição, com que casou em 28 de abril de
1738 (Livro acima citado).
Até hoje os velhos documentos não contrariam a minha
afirmação, havendo apenas uma opinião discrepante, de parte do Padre Pedro
Leão, segundo informação de Pedro Tenente, que avisado logo formulou
contestação nos seguintes termos – “Não sei pois em que se apega o Padre Pedro,
atual Vigário de Maria Pereira para afirmar que o Capitão-mor José Alves de
Medeiros, de quem vem a família Andrade, do Rio do Umbuzeiro, nos Inhamuns,
seja filho de Domingos Alves de Medeiros”.
Evidentemente, o Padre Pedro Leão não foi mais exato, a meu
ver, movido por falsos preconceitos, mas pelo padre, veio à fala seu parente
Leonardo Feitosa. Aqui cabe uma explicação. Os Feitosas dos Inhamuns, do planalto
propriamente dito, são também Bezerra do Vale.
Como dizíamos, Leonardo Feitosa, linhagista de sua família,
procurou esclarecer as origens da honrada família Andrade, nestes termos – “O
pe. José Bezerra do Vale tinha por companheira uma índia que se chamava Páscoa,
e dela teve algumas filhas das quais uma se casou com um môço oriundo do Rio de
Baixo e daquele casamento descendem o Pe. Pedro Leão Paes de Andrade, Vigário
de Maria Pereira e o Coronel Nicolao Arraes, pai do advogado Raimundo Arraes” –
hesitante, o honesto tradicionalista dos Inhamuns acrescentou mais adiante – “Não
sabemos se êste genro do Pe. José Bezerra do Vale é o mesmo Ajudante Domingos
Alves de Goes que foi casado com Josefa, filha do Padre”.
Continuando eu, no revisionismo a que me propus a fazer da
historiografia da minha região, de que nunca me canso de falar, desejo fazer alguns
reparos à assertiva feita, aliás de boa fé, pelo meu citado conterrâneo, no que
tange à paternidade de Josefa, tida por filha do Pe. José Bezerra,
erroneamente. Josefa, espôsa do Ajudante Domingos Alves de Goes, é filha
legítima de Felix Isidoro de Azevedo, conforme se lê no assento de seu
casamento realizado na Fazenda Bebedouro, no dia 30 de outubro de 1786, e
revalidado a 12 de dezembro do ano seguinte (1º livro de casamentos da Freg. De
N.S. da Paz, de Araneirós, sob a guarda da Diocese de Iguatu).
E o môço oriundo do Rio de Baixo (Baixo São Francisco), [revelam] os documentos, chamava-se Domingos Francisco de Goes, sergipano de boa
cêpa, pois seu pai, da família Araújo, com sangue nas veias de Hus, da Holanda,
foi casado com a filha de Valentim da Rocha e de Luiza de Andrade, naturais do
Rio de baixo, de nome Joana do Ó, matriarcal dama, que se assenhoriou do lugar
Bebedouro, na bacia hidrográfica do Umbuzeiro, na primeira metade do século
transato, onde construiu com os filhos uma Igreja, e por esta razão é
considerada a fundadora da cidade de Aiuaba.
Anos depois, Domingos Francisco de Goes, contraiu núpcias,
com uma jovem da casa de São Nicolau, de nome Josefa. Permitam-me ainda um
parêntese. Agora é chegada a vez de esclarecer e situar na veracidade histórica
as legítimas origens do clã do Umbuzeiro, dissipando as dúvidas, oriundas de
equívocos cometidos por Pedro Tenente, Leonardo Feitosa e Padre Pedro.
O tal – “moço oriundo do Rio de Baixo”, o Adão da família
Andrade do Ceará, Domingos Francisco de Goes por ato oficiado pelo Padre Cura
da Missão do Jucá, a 26 de julho de 1762, na Capela de Araneirós, recebeu por
sua espôsa à Josefa, filha legítima do Capitão José Alves de Medeiros, o
morgado da Casa do Umbuzeiro procedente do Pe. José Bezerra do Vale e da índia
Micaela, da nação do Jucá (1º livro de casamentos da Freg. De N.S. do Monte
Carmo, Ribeira dos Inhamuns, 64 verso, nos arquivos da Diocese de Iguatu).
Domingos Francisco de Goes, e o notável Bernardino Gomes de
Andrade, popularmente, Bernardino Gordo, da Batateira, êste com numerosa prole,
da qual, não pequeno número tem guindado aos mais altos postos políticos da
Nação e dos Estados, e se vem notabilizando por toda a parte, nos vários
setores da atividade humana e social.
Para satisfazer a curiosidade dos leitores passamos a
mencionar alguns nomes de projeção nacional da descendência de Bernardino:
Wenceslao Braz, ex-Presidente da República, Conselheiro Araújo Lima,
ex-Ministro da Guerra, Felix Pacheco, ex-Ministro de Exterior, Dona Inês,
virtuosa espôsa do Raimundo de Brito, ex-Ministro de Saúde, Matos Peixoto, ex-Presidente
do Ceará e [o] Engenheiro João Luíz Ferreira, ex-Governador do Piauí, enfim,
por encurtar razões, basta acentuar que, atualmente existem de sua descendência
no Senado da República dois ilustres homens, Wilson Gomes de Vicente Bezerra
Neto e outros não menos ilustres exercem mandato na Câmara Baixa do País, e
aqui, na terra, os dedos das mãos não chegam para a contagem dos que têm acesso
à assembléia Legislativa do Estado.
Com os esclarecimentos dêste modesto trabalho, outro intúito
não vive senão o de repor os fatos históricos e as individualidades que neles
se movimentaram, procurando, por outro lado, corrigir equívocos e omissões, que
poderiam desvirtuar a sua evidência e a sua origem verdadeira
(Do “Unitário”,
edição de junho de 1967)