Quem disse que o Ceará não
participou da Revolução Pernambucana de 1817?
Heitor
Feitosa Macêdo
No dia 03 de maio de 2017 completam-se
200 anos do dia em que a República e a Independência foram proclamadas no
Cariri cearense, sul do Estado do Ceará, antecipando a oficialização destas
instituições em todo o Brasil. Contudo, há quem negue a adesão do território
cearense à Revolução de 1817.
Ouvidor do CE João Antônio Rodrigues de Carvalho. |
No final do século XVIII, também
chamado de século das luzes, os princípios da corrente filosófica iluminista
foram trazidos da Europa ao Brasil, onde desencadearam movimentos que, embora
breves, foram bastante fecundos, gravando nos espíritos dos brasileiros ideias
até então consideradas subversivas, como a igualdade, liberdade e fraternidade.
O primeiro esboço dessas novas ideias
eclodiu no interior do continente, na Vila Rica, hoje, Ouro Preto/MG. No
entanto, tal movimento foi rapidamente abafado, não dando tempo para que fosse
instalado um Governo Liberal. Mesmo assim, constituiu uma revolução no campo
das ideias.
Coisa semelhante ocorreu na Insurreição
ou Inconfidência dos Suassuna, desta vez, em Pernambuco, onde um ramo da
aristocrática família Cavalcante de Albuquerque, além de tomar o nome nativista
de um mamífero do continente Americano (Suassuna
ou Suaçuna = veado escuro), abraçou o
pensamento que, naquele instante, revolvia a Europa e a América. Porém, tendo
sido delatados por um amigo íntimo, os irmãos Suaçuna foram presos antes mesmo
de deflagrarem qualquer esboço de efetiva rebeldia, todavia, como nada ficou
provado contra eles, logo foram soltos e, mais tarde, puderam agir amplamente
na Revolução de 1817 que, na capital pernambucana, Recife, durou 75 dias, de 6
de março a 19 de maio do mesmo ano. Mas, e no Ceará?
Na maior parte da então província do
Ceará, a revolução foi desarticulada graças à ação do precavido governador
Manoel Ignácio de Sampaio, que mandou prender o seu principal articulador, o
ouvidor-geral do Ceará João Antônio Rodrigues de Carvalho. No entanto, a Revolução
rompeu no sul desta província, no Cariri, onde residiam alguns prosélitos do
liberalismo.
Os líderes revolucionários de Recife
enviaram o padre José Martiniano de Alencar para deflagrar o movimento no
Cariri. Assim, no dia 3 de maio de 1817, na Vila do Crato, arrodeado de cabras
armados, o padre Alencar, mais tarde senador do Império, proclamou a República
e a Independência do pequeno lugarejo. Depois, no dia 5 do mesmo mês e ano, foi
até a vila de Jardim e fez o mesmo com o apoio de seu tio. Contudo, no dia 11
de maio veio a contrarrevolução e facilmente desbaratou aquela efêmera
República de 8 dias. É sobeja a historiografia acerca da participação do Crato
e Jardim no referido movimento, entretanto, há quem a negue!
O respeitabilíssimo professor da
Universidade Federal do Ceará, Paulo Bonavides, preclaro doutrinador do
Direito, principalmente da Teoria do Estado, nega que o Ceará tenha participado
da Revolução Pernambucana de 1817, nos seguintes termos:
Do
ponto de vista estritamente político e constitucional, a Revolução de 1817 foi,
nos marcos do constitucionalismo luso-brasileiro, importantíssimo passo avante.
Se a cotejarmos com o passado, verificaremos que ela produziu no Brasil um
projeto de governo constitucional bem superior à Súplica dos portugueses a
Napoleão, em que estes rogavam ao Rei invasor a outorga de uma Constituição
(...). Contrariando a expectativa de seus autores, a ação revolucionária não se
alastrou pelas demais províncias, à exceção da Paraíba, e do Rio Grande do
Norte, que não tardaram, todavia, em desertar a causa. Outra província, simpática a Pernambuco e ao pensamento liberal, a
saber, o Ceará, não se levantou, apesar do empenho dos chefes republicanos em
lhe obter a adesão. O mesmo aconteceu com a Bahia, poderosa base e ponto de
partida da ação que veio bem cedo exterminar a revolução.[1]
O texto deixa explicito que, na opinião
de Paulo Bonavides, o Ceará “não se levantou” em favor dos princípios da
Revolução de 1817, equivalendo dizer que no território cearense não houve
levante dos liberais contra o absolutismo monárquico. É uma pena que o dito
autor não fundamente essa sua afirmativa, pois a participação do Cariri
cearense na dita Revolução é inconteste, sendo um fato comprovado pela antiga
tradição oral, por extensa bibliografia e por centenas de documentos
manuscritos.
Ao conjugar o verbo “errar” no presente
do indicativo (eu erro, tu erras, ele erra...), é preciso ressaltar que a opinião deste intelectual
não diminui o seu valor nem a importância de seu trabalho, ao passo que também
não tem o condão de mudar o passado, principalmente no que diz respeito a essa
lúdica cena vivida no coração do Nordeste, de uma República Sertaneja
Caririense.
Resumindo, ação e pensamento não se apagam
com letras, pois estas chamas queimam que nem fogo de monturo!