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sábado, 21 de março de 2020

Algumas Origens do Cangaço no Cariri Cearense: “Guerra entre Montes e Feitosas”


Algumas Origens do Cangaço no Cariri Cearense: “Guerra entre Montes e Feitosas”

                                                                                                               Heitor Feitosa Macêdo
                                                                                          (advogado e pesquisador) 

Até o presente, muito tem sido escrito sobre o cangaço, como memórias, ensaios, matérias jornalísticas, publicações sensacionalistas, trabalhos científicos, etc. No entanto, várias perguntas básicas, relacionadas ao tema, continuam sem respostas definitivas, a exemplo da etimologia de “cangaço”. Ademais, quando e onde surgiu este fenômeno social? Quando teve fim? Qual o conceito mais exato? E, no Cariri cearense, como e quando este fenômeno ocorreu?
Talvez, nunca alcancemos este grau de conhecimento acerca do assunto. Todavia, por meio de grandes esforços e pequenos passos, parte da história do cangaço e do Cariri vai se descortinando, a partir da aparição de novos documentos, a exemplo de um conflito armado, cujo ápice se deu no ano de 1724, e que entrou para a História com o nome de “Guerra entre Montes e Feitosas”.  
Esta “guerra” varou as fronteiras dos sertões, espalhando-se por quase todo o Ceará e, também, por algumas capitanias vizinhas. O Sertão dos Cariris Novos (ou Cariris de Dentro, hoje, Cariri Cearense, ao sul do Estado do Ceará), por exemplo, teve certas localidades batizadas por essas lutas, pois, às margens do Rio Salgado, onde se deram diversos confrontos, surgiram os nomes dos sítios Batalha[1], Ossos[2], Emboscadas, Tropas, Arraial e Pendência:
Assim provocado e ameaçado o Ouvidor, que não tinha meios de resistir e se defender contra tão brutal e poderoso inimigo alcançou a proteção dos Feitosas que o protegeram e defenderam contra os ataques de seu perseguidor. Acompanharam-no com numeroso séquito na sua ida ao Cariri. Nada sofreram nela; mas Geraldo de Monte intentou surpreendê-los na volta, armando-lhes uma emboscada num passo escabroso situado na estrada, pouca distância abaixo da Missão-Velha, lugar este que tomou e ainda hoje conserva a denominação de Emboscadas. Aí pôs-se de espreita com um numeroso partido de parentes, amigos e agregados de sua parcialidade, e caiu de improviso sobre a comitiva do Ouvidor. Lourenço Alves organizou a toda pressa com os cavalos, malas, e mais utensílios de seu comboio uma espécie de trincheira, por detrás da qual se defendeu do melhor modo que pôde, e conseguiu salvar a si e a seu protegido, depois de uma renhida peleja em que morreu muita gente de parte a parte (...). Na ribeira do Salgado, além do sítio das Emboscadas existem os das Tropas, do Arraial, da Pendência; no Jaguaribe notam-se os das Almas, dos Defuntos, dos Ossos, das Trincheiras, do Bom-Sucesso, a Várzea da Perdição, o Saco das Balas e outros inumeráveis celebrizados por algum incidente sinistro.[3]   
Casa-forte, de pedra e cal, edificada no Sítio Emboscadas, zona rural de Missão Velha/CE
O sítio Emboscadas, por exemplo, ainda possui o mesmo nome e fica próximo à Cachoeira de Missão Velha/CE, sendo parte integrante do território do Geopark Araripe. Em tal sítio são encontradas antigas edificações, como um extenso muro e uma casa-forte, de pedra e cal[4]. Outros locais relacionados aos combates de 1724 também conservam seus nomes primitivos, como o Sítio Ossos e outros.
O Cariri, no início do século XVIII, foi palco dessas beligerâncias, as quais contribuíram para a consolidação do cangaço na região, em sentido amplo.      

A Guerra entre as Famílias Montes e Feitosa

A chamada “Guerra entre Montes e Feitosas” entrou para crônica cearense à feição de uma mera luta de famílias à moda medievalesca, onde a honra era expurgada com sangue e o assassinato de um parente exigia vingança, prevalecendo o brocardo “sangue se lava com sangue”. Essa história chegou a inspirar até mesmo as telas do cinema, com o filme “Abril Despedaçado”, do diretor Walter Salles[5].
No entanto, os verdadeiros motivos iam além do orgulho clânico!
Filme "Abril Despedaçado", de Walter Salles
Diversos autores tentaram explicar esse episódio, tendo como fontes a tradição oral e algumas dezenas de manuscritos da época dos embates. No entanto, o esforço e o acurado senso de todos esses estudiosos não foram suficientes para desvendar por completo o assunto, não alcançando o cerne dessas contendas, nem mesmo eliminando os hiatos que ainda embaralham tais fatos.
Dessa forma, levando-se em conta as limitações impostas, sobretudo, pela escassez documental, os historiadores puderam simplesmente arranhar o tema, isto é, somente analisaram a superfície desse objeto de estudo.
Atualmente, com a empreitada do Projeto Barão do Rio Branco ou Projeto Resgate, que visa repatriar documentos espalhados por outros países, relativos ao Brasil Colonial (do ano de 1500 até 1822), possibilitou-se a reconstrução desses fatos históricos, a partir de uma nova narrativa.
A descoberta dessas fontes revela que a Guerra entre os Montes e os Feitosa é um prolongamento dos eventos acontecidos durante a invasão branca da capitania do Ceará, mais especificamente, da parte Sul. Com base em tais fontes, esse conflito pode ser dividido, pelo menos, em três momentos. O primeiro vai, aproximadamente, de 1716 até 1719. O segundo, começando desta última data, até o ano de 1724-1725. E, finalmente, o terceiro momento, quando os embates armados arrefeceram, no início da década de 1730.
Quanto aos envolvidos nesses desentendimentos, não se pode restringi-los apenas às famílias Montes e Feitosa, mas a um número maior de pessoas e grupos aliados aos referidos clãs, como os Gonçalves de Souza, os Fonseca Ferreira, os Mendes Lobato, os Sousa Gularte, os Cruz Neves, os Correia Vieira, os Araújo Chaves, os Martins Chaves, os índios tupis, os índios tapuias (Cariris, Jucás, Inhamuns, Jenipapos, Cariús, Calabaças, etc.), os negros e os mestiços.
No que tange aos motivos específicos, desencadeadores da guerra, sabe-se que a propriedade da terra exerceu grande influência, porém, os territórios disputados não foram elencados pela historiografia com a devida exatidão, posto que uma parte dos pesquisadores afirma que as animosidades entre Montes e Feitosa haviam surgido, primeiro, por conta de honra e, depois, por disputa de terras localizadas na Bacia do Jucá, isto é, no Rio do Jucá, cujas águas nascem no atual município de Parambú/CE e deságuam no Rio Jaguaribe, logo abaixo da cidade de Arneiroz/CE, no Sertão dos Inhamuns. Sobre isso, ainda no século XIX, escreveu João Brígido:
Um irmão de Lourenço, o coronel Francisco Alves Feitosa contrahiu casamento com uma viúva, irmã de Monte, e por motivos de honra achava-se dissaboreado com este, quando, conduzido pelos chefes dos indios da nação Jucá, penetrou na bacia do rio deste nome, e reconheceu os vastos sertões, que elles, até então, tinham dominado. Monte, tendo noticia desta descoberta, adiantou-se em solicitar uma sesmaria e obteve-a do governo a despeito de seu cunhado. Todavia, deixou de apossar-se desses terrenos, fazendo-os situar, e d’ahi resultou que, passados seis annos, Francisco Feitosa conseguisse annullar a sua doação, por caduca e não confirmada, e obtivesse para si o senhorio desse território. Seguiu-se uma longa questão entre os dous poderosos rivaes, os quaes se turbavam, com mão armada, não consentindo um que o outro fizesse medir as terras, e a seu turno fazendo este a mesma cousa.[6] 
O médico francês, Pedro Théberge, residente na vila do Icó desde a primeira metade do século XIX, também registrou uma versão semelhante a de João Brígido, apontanto que a dissensão entre Montes e Feitosa se deu por motivos de “honra de família”, e, posteriormente, pela posse de terras no dito Rio de Jucá:
Francisco Alves Feitosa casou com uma viúva irmã do Capitão-mór Geraldo de Monte, e com pouco os dous cunhados malquistaram-se por causa de negocio de honra de familia, de que era culpado Francisco Alves Feitosa. Receioso este da cholera de seu cunhado retirou-se para uma fazenda que possuia na ribeira dos Bastiões, e durante a sua estada n’aquelle sitio travou relações com um chefe da Tribu dos Indios Jucás, que o levou para o lugar onde assistiam na ribeira do riacho Jucá, um dos affluentes do Jaguaribe, que se lança n’elle abaixo de Arneiroz. Os Feitosas, informados por este seu irmão da grande conveniência (sic) d’esta ribeira para a criação de gado, resolveramtiral-a por sesmaria; mas não guardaram bastante segredo; e Geraldo de Monte informado das descobertas feitas pelos Feitosas, seus inimigos figadaes, de então em vante prevenio-os n’esta pretensão, e solicitou a posse dos terrenos do Jucá que alcançou do governo; mas como deixasse de fazer a medição e de situal-os de gado no prazo legal, ou por descuido, ou antes pela opposição que lhe fizeram os Feitosas, excitando contra o seu competidor a ira dos Tapuias Jucás, em cujas boas graças se tinham ensinuado, cahio esta posse em comisso; e Francisco Alves, conseguindo anular esta posse, obteve para si este territorio do qual fôra o descobridor; e intentou logo mandal-o medir e situar, seis annos depois da primeira sesmaria á favor de Montes.[7]            
Sobre essa questão envolvendo honra de família, Antonio Gomes de Freitas assevera que “Walter Pompeu e outros historiadores descobriram romântica aventura do colono Francisco Alves Feitosa com uma cunhada[8].
Paralelamente, encontramos um informe que se encaixa a esta última versão, tendo sido escrito por Eufrásio Moreira Feitosa. Este autor é oriundo do município de Porto da Folha, no Estado de Sergipe, próximo ao Rio de São Francisco, onde os Feitosa e os Mendes Lobato (primos dos Montes) possuem remotas origens. Ocorre que Eufrásio Moreira, com base na antiga tradição oral portofolhense, relata que, no início do século XVIII, uma criança dos Feitosa, filha do padrasto com uma enteada, foi enviada do Ceará para Porto da Folha:
Antes, porém, vou contar um episódio ocorrido no Ceará, que faz parte da nossa história e das famílias de Porto da Folha e de Sergipe. Mais ou menos no tempo em que Francisco Cardoso e Isabel de Barros casaram-se na região da praia, por volta de 1710, onde viviam e criavam seus filhos, uma viúva no Ceará também se casava pela segunda vez. Ela tinha uma filha moça que pouco tempo depois apareceu grávida do padrasto (...). Para esconder o escândalo, aquela família resolveu retirar às escondidas, fugindo para um lugar bem longe, onde não se soubesse nada sobre ela e que ninguém do seu lugar tivesse notícias suas. Seguiu na direção Sul, atravessou o inóspito sertão pernambucano e veio parar no sertão de Alagoas, para as bandas do rio de São Francissco. Nesse local, a família fez amizade com um senhor chamado Melo, e permaneceu no lugar até que a jovem desse a luz. Complementando-se o tempo, nasceu um filho varão, que foi dado ao senhor Melo, que o batizou como seu filho e deu-lhe o nome de Damásio de Melo Feitosa: Damásio, o pré-nome escolhido, Melo, o nome de família do seu pai adotivo e, Feitosa, o nome da família de origem, isto é, do Ceará. A família voltou para sua terra e Damásio de Melo tornou-se um moço simpático, vindo a casar com uma filha de Nicácio do Dionelo e tornou-se comerciante de gado. Por ser um homem muito corajoso, decidiu transportar boiadas para o Ceará.[9]   
A narrativa, apesar de ser baseada na tradição oral, pode guardar alguma relação com o romance proibido do coronel Francisco Alves Feitosa e sua cunhada ou enteada. Todavia, a confirmação disto, por enquanto, fica à mercê da realização de pesquisas mais aprofundadas. 
Ainda, na opinião de Antonio Gomes de Freitas, a rivalidade entre os Montes e Feitosa havia se originado ao tempo em que tais famílias residiam às margens do Rio de São Francisco, isto é, antes de elas terem migrado para a capitania do Ceará[10]. De fato, existe um documento datado do dia 20 de abril de 1738, no qual, o desembargador Antonio Marques Cardoso, encarregado de apurar os fatos ocorridos no ano de 1724, aponta que os ascendentes dos Montes e Feitosa haviam se rivalizado quando ainda residiam às margens do Rio de São Francisco:
E para se evitarem as inquietações, que pela experiência do passado, se podem recear, me parece representar, que se mandem privar de quaisquer postos da Ordenança maiores; ou menores todos os parentes das ditas famílias de Montes, e Feitosas, porque estes em qualquer tempo, tem também a experiência mostrado, hão de tomar vingança de quem presumirem culpou aos seus das mesmas famílias, e assim o chegarão a fazer estes todos, que de presente se acham culpados [fl. 04] culpados, lembrados das competências; que seus ascendentes entre si tiveram no Rio de São Francisco; donde os ditos vieram para esta Capitania, e que da devassa, que tirei das sublevações da dita Ribeira do Jaguaribe, assim consta, e a seu tempo se fará presente [fl. 05].[11]     
AHU, 20 de abril de 1738, fl. 04
AHU, 20 de abril de 1738, fl. 05
Quando o desembargador fala “lembrados das competências; que seus ascendentes entre si tiveram no Rio de São Francisco; donde os ditos vieram para esta Capitania”, utiliza o termo “competência” no sentido de competir, de se opor, de lutar. Infelizmente, essa informação não revela o porquê destas intrigas, supostamente, nascidas na ribeira sanfranciscana. 
Os pesquisadores divergem entre todos esses possíveis motivos que, supostamente, desencadearam a referida guerra. Uns acreditam que foi por terra; outros, que foi por honra e; alguns, que a briga teria origem no Rio de São Francisco.
No que diz respeito à motivação ligada à posse da terra, nem todos os autores são unânimes em aceitar que o pomo da discórdia tenha sido a área correspondente à ribeira do Jucá. Cruz Filho[12] e o Padre Neri Feitosa[13], por exemplo, afirmam que a posse pela área da Lagoa do Iguatu, localizada no município cearense de mesmo nome, teria sido a razão desencadeadora dessas contendas.  
Na documentação sesmarial também são encontrados possíveis indícios do surguimento dessas brigas entre as citadas famílias, posto que Lourenço Alves Feitosa (alferes e, depois, comissário-geral), irmão de Francisco, obteve quatro datas de sesmarias em lugares que, explicitamente, ameaçavam a posse e propriedade dos Montes.
A primeira destas quatro sesmarias foi doada a Lourenço Alves Feitosa no dia 15 de julho de 1719, no Riacho Trussú ou Trussû (nos territórios dos atuais municípios cearenses de Iguatu e Jucás), ao lado das terras do capitão do Terço dos Paulistas, João de Montes Bocarro. A segunda sesmaria, obtida no dia 6 de fevereiro de 1720, estava localizada no “Trussú de Baixo” e na “Telha” (nas imediações do município de Iguatu), formando “terras prescritas”, isto é, que haviam sido peticionadas anteriormente pelo referido capitão João de Montes Bocarro, mas que não teriam sido “povoadas” por este último no prazo legal[14].
A terceira sesmaria foi concedida no dia 6 de junho de 1720, na Lagoa do Aguatû ou Iguatu e em seu córrego, entre o sítio Quixahuhâ (também no Iguatu), em terras que, antes, haviam sido requeridas pelo coronel Francisco de Montes Silva (filho do capitão João de Montes Bocarro), as quais também eram terras prescritas. A quarta sesmaria, localizada no Riacho Jorgemendes (atual distrito José de Alencar, no município do Iguatu) foi concedida a Lourenço Alves Feitosa e ao seu filho, Lourenço Alves Penedo e Rocha, no dia 9 de junho de 1720, na fronteira das terras do dito coronel Francisco de Montes Silva[15].
Particularmente, não discordamos que todos esses indícios apontados tenham servido de comburente para os movimentos armados na capitania do Ceará, no início do século XVIII. Contudo, em tempo recente, encontramos parte perdida de um diário escrito por João da Maia da Gama, entre os anos de 1728 e 1730, no qual são narrados episódios referentes ao conflito conhecido por “Guerra entre Montes e Feitosas”. Tal documento revela fatos inéditos, entre estes a causa principal das disputas, qual seja, o território sul cearense; ao passo que também descortina como se deu a ocupação/invasão branca do Cariri bem como a ocorrência de algumas práticas cangaceiras usadas nesses embates.    

O Diário de João da Maia da Gama, de 1728 a 1730

A narrativa mais antiga e completa que se possui, hoje, sobre o conflito entre os Montes e os Feitosa, partiu do esforço do capitão João da Maia da Gama, que, saindo do Maranhão em direção à Pernambuco, esteve no Ceará, no ano de 1729, onde procurou entrevistar as testemunhas dos embates referentes à “Guerra entre Montes e Feitosas”.
João da Maia da Gama era português, nascido no ano de 1673, em Aveiro, filho de Pedro de Oliveira e de Dona Luísa da Gama. Era ele um homem alto e entroncado, de rosto moreno e comprido, de olhos pretos e nariz grosso, tendo por sinal particular uma marca de bexigas no meio da testa.
João da Maia estudou na Universidade de Coimbra, onde cursou filosofia. Porém, veio a abandonar os estudos para seguir a carreira militar, aos vinte anos de idade, quando foi socorrer o Império Português da Índia[16].
Biografia e Diário de João da Maia da Gama, publicado em 1944, em Portugal
No Oriente, João da Maia realizou grandes feitos, guerreando tanto no mar quanto em terra. Nesses embates, mais de uma vez, saiu ferido sem muita gravidade, inclusive quando recebeu dois tiros. Além disso, sua saúde, durante as expedições pelo Oriente, experimentou a “febre de linha”[17], o “mau de Luanda” (escorbuto)[18] e outros achaques.
Porém, em uma ocasião, um projétil o feriu gravemente, quando uma bala de “caitoca”[19] atravessou-lhe o corpo, atingindo ossos e rins[20], ficando ele acamado por três meses. A partir disso, formaram-se três feridas nos tecidos alvejados, por onde eram expelidas esquírolas, de tempos em tempos, em virtude do esfacelamento do “osso ciático”[21] (do quadril). Em razão disso, João da Maia teve que despender grande soma em dinheiro com cirurgiões.
Mesmo sofrendo com essas chagas, Maia pelejou em diversos confrontos com os mouros, árabes, holandeses e ingleses, somente deixando os campos de batalha por repetidas recomendações dos médicos, bem como pelas ponderações de seus superiores hierárquicos.
Por conseguinte, Maia retornou a Portugal no dia 30 de agosto de 1701[22], de onde, depois de restabelecer sua saúde, seguiu para o Brasil, indo assumir o governo da capitania da Paraíba, do qual se ocupou por nove anos[23]. Logo em seguida, tomou posse no governo do Grão-Pará (área que compreendia os atuais estados do Pará e do Maranhão), em julho de 1722, como governador e capitão-general[24].  
Nesta última capitania, teve que enfrentar o ódio de gente contrária à Companhia de Jesus, pois, João da Maia havia simpatizado com o trabalho dos jesuítas, apoiando-os na doutrinação dos índios, fato que desagradou alguns funcionários e vassalos da Coroa Portuguesa, os quais pretendiam por fim à tutela dos padres sobre os aborígenes.
Por defender a causa dos ditos missionários, João da Maia fora tachado por seus inimigos de “venal e encobridor”[25]. Observando-se que por trás dessas acusações estava o ex-governador do Maranhão, Bernardo Pereira de Berredo e Castro.
Depois de muitos desdouros, João da Maia deixou o governo do Pará e Maranhão no dia 14 de abril de 1728[26], e, no dia 4 de setembro do mesmo ano[27], partiu em direção à capitania de Pernambuco, onde embarcaria de volta a Portugal.
Por ensejo dessa viagem, Maia recebeu ordens para colher notícias sobre as barras (confluências) dos rios do Norte (termo que, ao tempo, englobava a Região Nordeste do Brasil) e sobre a administração das capitanias do Piauí, Ceará, Rio Grande do Norte, Paraíba e Pernambuco.
Durante o percurso, João da Maia narrou minudências históricas que permaneceram pouco exploradas pelos estudiosos, a exemplo dos conflitos armados ocorridos na capitania do Ceará Grande, que também são descritos em seu diário de forma detalhada.
Entretanto, esses relatos ficaram desconhecidos por mais de 200 anos, sendo que esse obscurantismo em relação aos seus escritos não ocorrera por acaso, mas pelo motivo de João da Maia ter se colocado ao lado dos Jesuítas, rebatendo as acusações atribuídas aos ditos padres, na mesma época que, em Portugal, uma conspiração era arquitetada contra a Companhia de Jesus[28]. 
A política do Marquês de Pombal expendeu grande esforço para apagar a memória da dita Companhia e tudo que se ligasse a ela, abrangendo os escritos de João da Maia da Gama, o qual, terminou sendo condenado ao silêncio. Segundo Martins: “As atitudes de Maia da Gama perante o magno conflito entre os jesuítas e os moradores valeu-lhe o esquecimento”[29].
João da Maia retornou a Portugal relativamente velho e cansado, vindo a falecer no dia 11 de novembro de 1731, sendo enterrado no convento dos Eremitas de São Paulo. A partir daí, seu diário de viagem pelo Brasil foi parar nas mãos de um sobrinho, Luiz da Gama Ribeiro de Rangel[30].
Somente no ano de 1944 seus escritos foram publicados e, até hoje, pouco foi explorado no que concerne à luta entre os Montes e os Feitosa, sendo praticamente inédito nesse sentido. A explicação para isso pode estar no desgaste do documento manuscrito (provavelmente, mutilado), pelo menos a cópia utilizada pelo professor Oliveira Martins, o qual publicou apenas a parte final da narrativa feita por João da Maia sobre a guerra entre tais famílias.
Felizmente, na Torre do Tombo, em Lisboa/Portugal, foi descoberta uma cópia desta parte faltante do diário em perfeito estado, sendo microfilmada pelo Projeto Barão do Rio Branco. Mesmo assim, até o presente momento, os historiadores/pesquisadores não exploraram o conteúdo do alfarrábio em comento, não contextualizando historicamente os fatos contidos nesse velho manuscrito.
A partir desse momento, faremos a análise do conteúdo inédito dos escritos do capitão João da Maia da Gama, oriundos do Arquivo Histórico Ultramarino, e, ao final deste trabalho, publicaremos a transcrição paleográfica do referido documento.

Aspectos da Narrativa de João da Maia da Gama

Durante a penosa viagem, João da Maia da Gama deu notícia das coisas mais notáveis em seu percurso. Falou de intrigas, do precário estado dos índios, dos abusos cometidos pelos mais poderosos, da divisão de terras entre os sesmeiros, do conflito entre as famílias Montes e Feitosa e de outros inúmeros fatos.
Suas anotações possuíam um destino, o de informar ao Rei de Portugal sobre a realidade vivida do outro lado do oceano Atlântico. Com esse intento, relatou algumas minúcias acerca do Norte do Brasil, onde esteve exercendo seu múnus público. Analogamente, mais de uma vez, sugeriu ao Rei soluções para os problemas apresentados, mesmo arriscando perder a cabeça, o cargo ou o prestígio perante Sua Alteza Real.
Em seu diário, João da Maia indica o modus vivendi dos moradores e a relação destes com as instituições e coisas. Neste aspecto, destacam-se os apontamentos que fez sobre as elites agrárias, mais especificamente, sobre a família d’Ávila, baianos donos da famosa Casa da Torre, a mais rica gente da época em todo o Brasil[31], que também foi proprietária de todo o território do Cariri cearense[32]. Denunciou a formação do latifúndio improdutivo bem como o meio ilegal e ilegítimo que usavam os senhores da Casa da Torre para obter terras.
A Casa da Torre foi um dos temas mais destacados por João da Maia, dizendo ele que os abusos cometidos por seus integrantes consistiam em tomar a terra por meio da força, desalojando os povoadores ou os coagindo a contratar arrendamento das terras que já pertenciam a estes últimos, o que veio a ensejar um clamor geral na capitania do Piauí[33].
Igualmente, descreveu a situação dos povos que estavam sendo esbulhados das suas propriedades, especialmente os índios, aos quais os sesmeiros chegaram ao cúmulo de proibir-lhes a pesca, seu principal sustento, exceto pelo arrendamento das praias, das quais, ilegalmente, se julgavam donos[34].
Mesmo estando a serviço da Coroa, João da Maia diz ter custeado sua própria viagem, comprando, inicialmente, 32 cavalos[35], excetuando-se as aquisições supervenientes que fez devido à perda de algumas alimárias no trajeto, mortas pelo cansaço, por picaduras de cobra, atoladas nos lamaçais ou afogadas nas travessias dos rios. E, quando suas reservas financeiras diminuíram, mandou vender uma parte dos seus cavalos na Bahia, em decorrência dos altos preços alcançados nas minas[36].
Diário incompleto de João da Maia da Gama
Durante o longo caminho, diz ter evitado dormir nas casas dos moradores, levando um toldo para se abrigar, debaixo do qual se acolhia com a sua comitiva[37]. Segundo ele, isso evitava qualquer brecha para a corrupção, não havendo o dever de retribuir as gentilezas, sobremaneira as realizadas com algum escuso interesse.
Na sua caminhada pelo litoral, entre o Piauí e o Ceará, teve encontro com os índios Tremembés, relatando alguns hábitos desse povo, como o comércio de dentes de tubarões (realizado com outros índios, inclusive, com os Guaranis[38]) e suas camas feitas na areia[39]. Ele também destacou a pesca das tartarugas e a coleta de seus ovos, utilizados no fabrico de manteiga no “Rio das Amazonas”. Às mulheres desses mesmos tapuias, por andarem nuas, Maia lhes deu uma relevante quantia de 120 mil réis, para que comprassem panos a fim de se vestirem. O autor do diário também salienta a existência do escambo entre os índios, que trocavam cascos de tartaruga e âmbar por arpões, anzóis e facas[40].
Em seus escritos, João da Maia denunciou o esbulho das terras feito aos índios Tremembés, os quais, pouco antes, haviam sido senhores absolutos daquelas costas, possuindo de 50 a 70 léguas. Terras que iam da Barra do Maranhão e Ponta do Mirim até as Barras do Parnaíba[41].
Como se percebe, o diário de João da Maia da Gama trata de assuntos diversos, contudo, conforme dissemos acima, o material compilado pelo professor F.A. Oliveira Martins, que trata da “Guerra entre Montes e Feitosas”, não estava completo. Vale repetir que nós encontramos a parte faltante dessas anotações no Arquivo Histórico Ultramarino (AHU), que narra com detalhes da referida guerra, chamada por João da Maia de “Conflito do Jaguaribe” ou “Levante do Jaguaribe”.

A Guerra das Famílias Montes e Feitosa, segundo João da Maia da Gama       

As desordens ocorridas na chamada Ribeira do Jaguaribe (termo que englobava várias das atuais divisões territoriais, incluindo os sertões dos Inhamuns e Cariris Novos, nas cabeceiras do referido rio) haviam fugido ao controle das autoridades da capitania cearense, chegando notícias sobre estes distúrbios aos ouvidos do Rei de Portugal, o qual, por muitos anos, tentou por fim ao levante.
O Rei havia encarregado alguns de seus empregados a pôr fim aos conflitos da capitania do Ceará, ordenando que para lá fosse um desembargador. O primeiro “ministro” (magistrado) escolhido foi Pedro de Freitas Tavares Pinto, contudo, este alegou impedimento, por estar doente, vindo a anexar às suas justificativas um laudo médico, atestando possuir graves moléstias, dentre elas, hemorroida.
Outros motivos que impossibilitavam o cumprimento imediato da ordem régia relacionavam-se à distância que separava os locais do embate dos grandes centros urbanos; à falta de estradas; à insuficiência de verbas para o custeio das viagens; ao receio da violência em que se encontrava aquela gente, etc.
Nesse contexto, João da Maia da Gama, de pronto, executou as ordens que lhe foram dadas, no sentido de informar ao Rei sobre os ditos conflitos. Contudo, ele estava despido da função judicial, isto é, de prender e processar os envolvidos, pois, no caso, não era sua obrigação fazer diligências, abrir correições e tirar devassas.
Percorrendo seu trajeto, no dia 29 de outubro de 1728, em direção à vila de Nossa Senhora da Vitória da Mocha (hoje, Oeiras/PI), João da Maia teve o primeiro encontro com os “fogidos de Jaguaribe”. Estes eram Francisco Alves Feitosa, o capitão-mor Simão Regis[42] e outros parentes, que estavam arranchados na Fazenda Tigre, onde haviam plantado uma roça e habitavam alguns dos seus escravos. Ficava esta localidade ao lado da Fazenda “Varge” do Mel, pertencente a José de Araújo Rocha, residente na Bahia[43].
Ao tomar conhecimento da presença de João da Maia, Francisco e seus companheiros se retiraram com receio de serem presos. Ao saber disto, Maia enviou-lhes um recado por um negro de Simão Roiz (Rodrigues), dizendo que havia mandado recado para que não temessem; que não tivessem perturbação alguma, pois ele os queria “compor”; e que, se pudessem, fossem conversar com ele, quando se dirigisse ao Ceará (ribeira) ou ao Jaguaribe (ribeira):
A 29. sahimos deste sitio e paçamos a fazenda chamada da varge do mel que hê do coronel Joseph de Arajo Rocha morador na Bahia e nos fomos aquartellar em hũas baixas junto da fazenda que chamão o Tigre  no qual lugar se tinhão aranchado os fogidos de Jaguaribe com Fran.co Alves feitosa, e o cap.m mor Simão Regis e outros parentes, e ahinda alli tinhão ou.tra Rossa plantada, e algũs escravos e dizem muitos que elles fogirão e se retirarão dalli com a noticia da minha vinda e receio de os prender ainda que os negros de Simão Rois q. me conhecião me certificarão que elles forão chamados dos seus parentes e pello negro lhe mandei recado que não temessem que não tivessem perturbação algũa que eu os queria compor e que se pudessem me falassem, ou quando eu paçasse para o Cearâ ou Iaguaribe.[44]
Na Vila da Mocha, João da Maia encontrou o então ouvidor-geral Antonio Marques Cardoso, o qual, futuramente, seria responsável por apurar os fatos ocorridos na Ribeira do Jaguaribe. Cabe ressaltar que, sobre esse ouvidor, teve ele boa impressão, considerando-o reto e “limpo de mãos”[45].
Outros envolvidos nas questões do Jaguaribe, com quem Maia teve contato, foram os índios Jenipapos, que haviam sido enviados para o Maranhão e arranchados junto do Arraial do mestre de campo Bernardo Carvalho de Aguiar. Sgundo o autor do diário: “Aqui duas legoas junto do arayal estão situados o resto que ficou dos indios Ginipapos que vierão do Ciarâ e os mais se retirarão e tão bem estão”[46].  
Naquele momento, Maia considerou aquela localidade adequada para os índios, por estarem seguros da vingança dos Montes e dos Mendes Lobato. Entretanto, uma parte dos Jenipapos retrocedeu a marcha para o Maranhão e voltou ao Ceará, indo se alocar no sertão dos Inhamuns:
Tão bem se deve passar ordem ao G.or de Pern.co para que todo o rancho da nação Ginipapo que contra as ordens do G.or de Pern.co e requerimento dos homens do Ciarâ retrosederão a marcha que fazião para as terras do Mar.m e conquista, e se vierão agregar câ para os Inhamûs, a hum genrro de Fran.co Alves feitoza cabesca de huã das parcialidades de Jaguaribe a q.m ja tinhão acompanhado nos levantes e forão os que derão as cargas, e matarão a mayor parte da gente naquella diabollica ocasião das contendas por cuja causa hê aborrecida aquella nação por cuja causa foi mandada p.a o Mar.m e se me requereo que a não deixasse voltar, porem hum frade das Merçes com diabollico espirito, e o mais de que dei conta a V.Mag.de com certidões de tudo os induzio para não paçarem ao Mar.m e por todas estas rezões me parece justa e conveniente a dita ordem, e que se vão situar com o resto que ficou no Mar.m com o coronel João da Affonseca e ficarão aranchados no dito lugar asima junto do arayal de M. de Campo Bernardo de Carvalho a quem se devem sobordinar por serem resollutos, volluntarios e vingativos e necessitarem de poder authoridade e forssa q.e os reprima e se deve recomendar assim ao M. de Campo para os trazer na conquista por serem vallerosos, e serâ m.to util vellar a sua asistencia, e fica o Ciarâ com sosego e elles tão bem seguros, e livres de os hirem matando os queixosos, e parentes daquelles que elles matarão e aquella parciallidade dos feitosas sem estes crueis Menistros da sua vingança, e do seu odio.[47]  
No dia 10 de janeiro de 1729, João Maia da Gama adentrou o território cearense, através do litoral do Piauí, seguindo pela Serra da Ibiapaba. Já neste trajeto, teve contato com algumas pessoas que estavam ligadas aos levantes ocorridos na Ribeira do Jaguaribe, como os padres Francisco de Lira, João Guedes e Francisco Pedroso.
Durante sua caminhada, João da Maia foi auxiliado por alguns indivíduos que figuraram, na qualidade de testemunhas, nos “autos processuais” relativos aos distúrbios no Jaguaribe, a exemplo de Francisco da Rocha Franco. Além disso, necessitando de ajuda para seguir viagem, João da Maia também obteve assistência de outros envolvidos nos conflitos do sul do Ceará de 1724, como do comissário-geral Clemente de Azevedo, que fez a gentileza de abrir uma picada de duas léguas, no meio do mato, para dar passagem ao comboio de João da Maia da Gama[48]. 
Porém, naquelas paragens, parece que toda ajuda era válida, pois, na época das chuvas, os caminhos eram quase intransitáveis em decorrência dos atoleiros, da mata fechada e das cheias dos rios. Conta João da Maia que, numa ocasião, ao dormir em um alto, próximo às margens do Rio Ceará Mirim, perdeu dois cavalos afogados, e só não teve o mesmo destino por ter escalado uma árvore[49]. Não bastasse, o autor acrescenta ter atravessado 47 ou 56 vezes este curso d’água[50]. Para evitar as penosas travessias, o comissário-geral Clemente de Azevedo subia nas árvores para poder visualizar as curvas do rio, até que, assim, João da Maia perpassasse o “negregado e excomungado” Ceará Mirim[51]. 
Numa carta assinada por João da Maia da Gama, datada de 15 de abril de 1730, escrita em “Lisboa Ocidental”, o autor informa sobre o cumprimento da ordem régia do dia 20 de maio de 1727, pela qual o Rei de Portugal lhe incumbira de apurar as desordens ocorridas na Ribeira do Jaguaribe.
Vale repetir que Maia, ao apurar os fatos ocorridos em 1724, não exercia a função de juiz, mas de simples informante, em vista do que se restringiu a colher depoimentos das testemunhas do conflito, preocupando-se apenas em identificar as causas e origens das perturbações ocorridas no sul da capitania do Ceará. Destaque-se que o autor do diário não foi visitar o lugar onde ocorreram as batalhas, limitando-se ao litoral, onde se encontravam pessoas que conheciam detalhes sobre o dito conflito, inclusive, algumas que haviam tomado parte nas lutas armadas.
Nos dias 25, 27 e 28 de fevereiro bem como nos dois primeiros dias de março de 1729, Maia interrogou os moradores da vila de Fortaleza, apurando os fatos ocorridos na Ribeira do Jaguaribe por meio dos depoimentos de algumas testemunhas, segundo ele: “desinteressadas, desapaixonadas e neutrais”.
A narrativa de João da Maia sobre a guerra entre as famílias Montes e Feitosa é o que, até bem pouco tempo, chamava-se de fonte primária, tendo em vista que ele se baseou nos depoimentos de testemunhas oculares. Por esse motivo, o referido documento pode ser considerado, até o presente momento, a mais antiga e completa narrativa sobre o assunto. 

Disputas por Terras no Cariri

Informaram as testemunhas do conflito a João da Maia da Gama que um baiano pobre, chamado Antonio de Brito, havia pedido uma data de sesmaria com a dimensão de três léguas, numa área que compreendia três sítios, o da Cachoeira (hoje, município de Missão Velha/CE[52]), Arraial do Meio (anteriormente, chamado Arraial de São Luiz, também no município de Missão Velha, confinando com o Juazeiro do Norte/CE[53]) e a Lagoa do Ariosa (antes, Lagoa do Carité, ou Lagoa do Cariri, e, atualmente, Sítio São José, no município do Crato/CE[54]).
Sabendo disso, o capitão[55] Manuel Rodrigues Ariosa[56] pactuou com Antonio de Brito para ajudá-lo a povoar a referida área, desde que este último lhe desse um dos sítios. Nesses termos, ajustaram o negócio e foram “povoar” a terra, ficando Antonio de Brito domiciliado com seus gados no sítio da Cachoeira, enquanto que o Ariosa se estabeleceu na Lagoa do Ariosa, antiga Lagoa do Cariri.
Entretanto, Antonio de Brito veio a ser assassinado por um “negro” da fazenda de Ariosa, sendo que a culpa por esse homicídio recaiu, injustamente, sobre os índios Calabaças, fato que promoveu o atrofiamento desse primeiro núcleo de povoamento na Cachoeira.
Depois de alguns anos, Ariosa e o capitão-mor Manoel Carneiro da Cunha pediram as terras de Antonio de Brito como devolutas e desaproveitadas. Dessa feita, os dois novos peticionários logo trataram de “povoar” as terras, mas não o fizeram pessoalmente, e, sim, por meio de um procurador, o capitão Duarte Lopes, que, para realizar tal atividade, possuía “poder de armas e gente”.
Outros dois moradores da Ribeira do Jaguaribe, Lourenço Alves Feitosa e Antonio Mendes Lobato (que era um dos Montes), cientes do ocorrido, uniram-se para se apoderar das ditas sesmarias, já peticionadas por Ariosa e Cunha, o quais, conforme foi dito, no ato da petição, alegaram que as glebas não possuíam dono. Porém, Maia acrescenta que Antonio de Brito não havia perdido o direito, o senhorio e a posse sobre as mesmas, já que ele havia erguido casa e curral, estabelecendo-se com seus gados e, sobretudo, por ter ficado enterrado nas ditas terras, as quais, por esse argumento, não deveriam ser consideradas devolutas.
Lourenço Alves Feitosa (cabeça da parcialidade dos Feitosa) e Antonio Mendes Lobato (cabeça da parcialidade dos Montes) “fizeram liga entre si” para entrar na posse das terras doadas ao falecido Antonio de Brito, contudo, o capitão Duarte Lopes os impediu, dizendo que ambos somente povoariam a área se fosse por meio de contrato de arrendamento.
Atendendo as tais condições, Lourenço Alves Feitosa, combinado com seu sócio Antonio Mendes Lobato, arrendou o sítio em questão. Todavia, estes dois indivíduos, apesar da celebração deste negócio jurídico, arquitetaram adquirir as ditas fazendas, por meio de nova petição sesmarial, depois da morte dos arrendadores (Ariosa e Cunha).
Desse modo, com o falecimento do capitão-mor Manoel Carneiro da Cunha e de Manuel Ariosa (este último, antes do dia 30 de setembro de 1716[57]), Antonio Mendes Lobato procurou seu sócio, Lourenço, para que fizessem a partilha da terra que havia sido arrendada, conforme haviam combinado previamente. No entanto, Lourenço se recusou a ceder a cota devida a Antonio Lobato, o qual, sentindo-se enganado, buscou adquirir as terras por outros meios, indo comprá-las a um irmão e herdeiro de Antonio de Brito chamado Pascoal de Brito Siqueira[58].
Então, de um lado estava Lourenço Alves Feitosa, querendo permanecer na posse da terra, tomada em arrendamento, e, do outro, Antonio Mendes Lobato, desejando possuir a propriedade que adquiriu por meio de compra. Cada qual com seu título aquisitivo, cuja legitimidade exigia a intervenção do estado-juiz. Em virtude desse impasse, Lourenço e Antonio Lobato levantaram armas um contra o outro, seguidos de suas parcialidades, é o que assegura João da Maia da Gama, acrescentando que esse evento foi o princípio das desordens entre as duas famílias.
Para apaziguar as duas citadas facções, o ouvidor-geral da capitania da Paraíba, Francisco Pereira, foi até a Ribeira do Jaguaribe, no ano de 1719[59], onde reuniu os contendores e os obrigou a fazer as pazes por meio de um termo, assinado por ambas as partes[60].Tal acordo previa penalidades aos que descumprissem o tratado de paz. As cláusulas estipulavam que entre eles não haveria mais dúvidas e aquele que primeiro voltasse a pegar em armas contra o outro pagaria de sua fazenda quatro mil cruzados, além de perder todo o direito e “pertençaõ” (pretensão)[61] que tivesse sobre as referidas terras.
Por alguns anos, esses indivíduos interromperam as agressões mútuas, porém, outros fatores vieram a contribuir para a retomada dos embates, os quais se tornaram cada vez mais intensos e violentos.

Os Índios Jenipapos e o Coronel João da Fonseca Ferreira

Os índios Jenipapos, considerados tapuias (ou seja, que não pertenciam ao tronco lingupistico tupi), estavam sofrendo grande perseguição, e, para não serem mortos, fugiram das várzeas[62] do Jaguaribe, indo buscar a proteção do coronel Francisco de Montes Silva. Este os enviou para os Cariris Novos, onde a natureza era sobeja de caças e com rica vegetação, suficientes para o sustento dos tapuias[63].
Para doutriná-los na fé cristã, o coronel Francisco de Montes encarregou o padre José Mendes Lobato, o qual logo tratou de aplicar os dogmas católicos aos Jenipapos, inclusive, fazendo severas advertências, o que não agradou aos índios, razão pela qual começaram a fugir em direção à casa de um tio desse sacerdote, o coronel João da Fonseca Ferreira, pelo quem foram, prontamente, acolhidos.
Tentando reverter a situação, o padre José Lobato requereu ao seu parente que não mais apoiasse os índios fugitivos e que o deixasse reconduzi-los até sua Missão. Porém, o coronel João da Fonseca Ferreira não atendeu ao pedido do sobrinho, dizendo que tinha um “serviço de Vossa Majestade” a ser cumprido com os tapuios e, antes de finalizar a sua obrigação real com os ditos índios, não os devolveria.
A maior parte dos Jenipapos já havia abandonado a Missão no Cariri e se concentrado sob a proteção do coronel João da Fonseca. Em face disso, o padre Lobato, evitando o confronto com o tio, abandonou os índios, entretanto, foi à capitania de Pernambuco fazer queixa do ocorrido perante a justiça. Nesse ínterim, o restante dos índios se evadiu da Missão e da Igreja do padre Lobato, tomando o mesmo rumo dos demais, ou seja, a casa do coronel João da Fonseca.
Estabelecida a intriga pela guarda dos índios Jenipapos, o coronel João da Fonseca, temendo uma possível represália por parte dos seus sobrinhos (o coronel Francisco de Montes Silva e o comissário-geral Antonio Mendes Lobato), procurou o apoio dos Feitosa, pedindo socorro de gente e de armas, ao passo que oferecia aos seus novos aliados ajuda para retomar a posse das terras disputadas pelas duas parcialidades, no Cariri.
Aceitando a aliança, Francisco Alves Feitosa e Lourenço Alves Feitosa enviaram seus filhos homônimos (Francisco Alves Feitosa e o coronel Lourenço Alves Penedo e Rocha, respectivamente) na companhia de um sobrinho (o capitão João Dantas) em auxílio ao coronel João da Fonseca, levando com eles muita gente e “força de armas”. Foi nesse instante que os Feitosa desrespeitaram os termos que tinham assinado perante o ouvidor-geral da Paraíba, Francisco Pereira.
Na ocasião, depois de reunidos, marcharam em direção a uma fazenda do comissário-geral Antonio Mendes Lobato. Em lá chegando, mataram três pessoas, sem dano, causa ou resistência, depredando o lugar. Afora isso, encontraram numa fazenda o juiz ordinário da vila de Aquiraz, o comissário-geral Clemente de Azevedo, ao qual não tiveram respeito e temor, vindo este juiz a se retirar do ambiente para que também não fosse morto.  

O Ouvidor-Geral José Mendes Machado

No mesmo período em que o conflito renascia e se acirrava, tomou posse na comarca única do Ceará o seu primeiro ouvidor-geral (equivalente ao atual juiz de direito), José Mendes Machado, o qual havia sido enviado pelo próprio João da Maia da Gama, na época em que este ainda era governador da capitania da Paraíba.
Observa-se pela leitura do documento que o informantes de João da Maia divergiram quanto à data em que foram praticadas as violências citadas e quanto à data da chegada de José Mendes Machado, pois, enquanto uns disseram que este ouvidor chegou na capitania do Ceará após o comentimento das violências descritas, outros afirmaram que estas perturbações ocorreram quando o dito magistrado já estava residindo na comarca cearense.
Ocorre que os cabeças da parcialidade dos Feitosa foram os primeiros a procurar o novo ouvidor, argumentando que não haviam participado das mortes e roubos cometidos contra os Montes, e isto sob o pretexto de não terem ido pessoalmente ao lugar onde foram cometidas tais violências, posto que apenas seus filhos e um sobrinho haviam estado no local.
Posteriormente, depois de os Feitosa terem se agregado com o referido magistrado, os Montes também foram ao encontro deste último, segundo o depoimento de algumas testemunhas, para lhe oferecer obediência e tirar “cartas de seguro” (espécie de habeas corpus preventivo)[64], a fim de assegurarem suas liberdades por crimes que estavam sendo acusados.
Maia ouviu das testemunhas que o Bacharel José Mendes Machado, assim que tomou posse no cargo de ouvidor da capitania cearense, começou a “fazer justiça”, praticando atos que lhe eram próprios, como abrir correição e despachar, falando de forma soberba e sem prudência. Segundo as mesmas testemunhas, o ouvidor teria dito que “aquele que possuísse cem mil réis, quando ele acabasse suas atividades, desse graças a Deus se ficasse com a metade ou com apenas vinte vinte mil réis”.
Segundo Maia, não bastasse a imprudência, orgulho e inquietação, o dito ouvidor também trazia consigo oficiais ambiciosos, malignos e desatentos em palavras e ações, além de descomedidos, o que é ilustrado pelo episódio em que José Mendes Machado mandou prender alguns homens, ensejando a fuga do coronel Teodósio Nogueira de Lima. Todavia, para a satisfação das custas judiciais, os oficiais e meirinhos descompuseram a esposa deste coronel, arrancando-lhe as abotoaduras de ouro afixadas na camisa, as argolas das orelhas (brincos) e os botões das “maneiras” (aberturas das saias[65]). Por conta desse comportamento desmedido, tanto o marido da mulher descomposta quanto o irmão dela (o coronel Antonio Gonçalves de Souza) ficaram “picados” (irritados) e bastante ofendidos.
Ademais, as testemunhas confidenciaram a João da Maia que, a partir desse momento, houve alteração daqueles povos da Ribeira do Jaguaribe contra o ouvidor-geral da comarca única do Ceará, José Mendes Machado.

A Organização do Levante e a Tropa do Povo 

O ouvidor prosseguiu com as correições por toda a Ribeira do “Acaracû” (Acaraú) até à Serra da Ibiapaba, contudo, seus oficiais mantinham o mesmo procedimento inadequado. Nesse particular, informaram a João da Maia que, durante essas correições, só o badalo do sino ficava por culpar e que todos eram descompostos, ao menos, de ladrões de gados, uns dos outros.
Com base nos depoimentos, o ouvidor estava mais parcial dos Feitosa, deixando-se dominar mais por eles, aos quais havia encarregado a execução de algumas prisões. Assim, cumprindo ordens do dito magistrado, quando Francisco Alves Feitosa conduzia alguns presos para a ribeira do Ceará (divisão administrativa que englobava as vilas de Aquiraz e Fortaleza) foi interceptado pelo coronel Antonio Gonçalves de Souza, o qual estava acompanhado de vários homens, entre eles, Teodósio Nogueira.
Alguns relataram a João da Maia que os coronéis Antonio Gonçalves e Teodósio Nogueira pretendiam pôr em liberdade os detentos e, também, levar o coronel Francisco Feitosa, coercitivamente, ao “levante do povo”. Entretanto, outras testemunhas disseram que os três coronéis haviam, entre si, ajustado o levante e que, por este motivo, Francisco Feitosa entregou seu próprio filho, também chamado Francisco Alves Feitosa, para que este marchasse com a Tropa do Povo. Nas palavras de João da Maia: “foi este filho do dito Feitosa um dos mais empenhados, e que mais trabalhou para levantar o povo, como por sua confissão mostrarei adiante em seu lugar”.
Logo depois, Francisco Feitosa seguiu na condução dos presos para a vila da Fortaleza, mas providenciando que seu irmão, Lourenço Feitosa, o qual se encontrava na companhia do ouvidor, fosse comunicado sobre o levante que estava sendo arquitetado. Ao tomar conhecimento sobre tais perturbações, Lourenço deu parte ao ouvidor. Na referida ocasião, Domingos Ribeiro e seus parentes, os Montes, também delataram a formação do levante, pois haviam ido ao encontro do ouvidor, supostamente, requerer as mencionadas cartas de seguro.
A notícia da rebelião inquietou o magistrado, momento em que os Montes se ofereceram a acompanhá-lo, defendê-lo, guardá-lo e acomodar a “perturbação do Jaguaribe e do Povo”, ao que também se ofereceram os Feitosa. Mas a escolha do ouvidor recaiu sobre estes últimos, não sabendo as testemunhas se tal opção ocorreu por conveniência, por afeição ou por ele confiar mais nos Feitosa. Assim, o ouvidor, os Feitosa, o coronel João da Fonseca e os índios Jenipapos seguiram marcha em direção “à vizinhança do Jaguaribe” (ribeira).
Por ensejo das notícias sobre o levante, os Montes foram desarmados pelo fato de José Mendes Machado não confiar neles. Mesmo assim, os Montes insistiram para que suas armas fossem devolvidas, a fim de que pudessem fazer a defesa do ouvidor e, também, para que se protegessem contra uma possível traição dos Feitosa, ou que, pelo menos, o ouvidor os “assegurasse”[66]. Apesar de esses pedidos terem sido indeferidos, os Montes seguiram na companhia de José Mendes Machado nas correições e devassas que estavam sendo tiradas nas três divisões administrativas da capitania, isto é, nas ribeiras do Ceará, Acaraú e Jaguaribe.
Chegando em Missão Velha[67], arrancharam-se todos eles em um alto, junto de um riacho, em umas casas fortificadas, dentro de uma grande estacada “à roda” (ao redor), na fazenda Caiçara[68], na qual ficaram instalados o ouvidor e toda a parcialidade dos Feitosa. Contudo, o ouvidor-geral José Mendes Machado mandou colocar fora dessa estacada toda a parcialidade dos Montes, a qual deveriam ficar na parte externa, mas ao lado da cerca.
Dessa maneira, os Montes, estando desarmados e pelo lado de fora da cerca, fizeram ou repetiram o seu requerimento ao ouvidor, sobre as referidas cartas de seguro, o que terminou resultando em um conflito sangrento.

A Batalha entre a Tropa do Povo e a Tropa do Ouvidor-Geral

Logo em seguida, chegou o “Povo” desarmado, abaixo do alto, onde se aquartelou em paz e quietação. Entretanto, o filho do coronel Francisco Alves Feitosa convidou e induziu pessoas que vinham na Tropa do Povo para irem fazer uma “escaramuça” (desordem, briga). E assim foram se chegando próximo à estacada.
Também contaram a João da Maia que o ouvidor encarregou o capitão João Nunes para ir saber o que o Povo queria e, na volta, informou que este desejava que o ouvidor não tirasse correição e que não procedesse, judicialmente, contra os culpados nas devassas em que alguns dos integrantes do Povo eram parte, isto é, réus. Outras testemunhas acrescentaram que, antes de ocorrer a batalha, houve mais pedidos e que o portador sequer havia chegado com a resposta do ouvidor ao requerimento do Povo.
Na opinião de João da Maia, “o que é certo e sem contradição” é que os integrantes da Tropa do Povo se achavam aquartelados, quietos e pacíficos e que apenas os mais jovens foram na companhia do filho do Feitosa em direção à estacada. Diante da situação, assim que o “ministro” (ouvidor) soube da aproximação dos integrantes da Tropa do Povo, houve ordem para atirar. Todavia, em razão das contradições dos depoimentos testemunhais, João da Maia confessa que não foi possível identificar, ao certo, quem ordenou o ataque contra os integrantes da Tropa do Povo.
Dessa maneira, chegando o grupo mais jovem da Tropa do Povo perto da estacada, o filho do coronel Francisco Alves Feitosa, o mesmo que o pai havia entregado a Antonio Gonçalves de Souza para ir levantar o Povo, “metera pernas ao cavalo”, penetrando na casa-forte. Nesse instante, segundo as testemunhas, um homem conhecido por Estevão Duro ordenou o ataque (ou foi quem deu o primeiro disparo), momento em que houve uma carga geral aos indivíduos que estavam do lado de fora da caiçara.
Em seguida, sairam os tapuias Jenipapos, que estavam em várias escoltas, juntamente com pessoas da tropa do ouvidor para atacar os integrantes da Tropa do Povo. Foi nesse instante que os aliados do ouvidor saíram para dar combate aos que vieram desmontados com o filho do coronel Francisco Feitosa e aos que estavam “aquartelados, quietos e despidos”.
Durante a peleja, a tropa do ouvidor matou diversos homens, sendo que muitos dos que conseguiram fugir, descalços e despidos, foram perseguidos e assassinados, pois, alguns que haviam saído vivos da batalha na Caiçara, foram encontrados já a certa distância, despindo-se e lavando-se, quando deram sobre eles os índios Jenipapos, os quais, na ocasião, mataram, de uma só vez, nove pessoas que estavam se banhando na água, afora outros indivíduos que os mesmos índios também alcançaram e assassinaram.

Os Despojos da Batalha

Segundo Maia, depois de se recolherem as tropas e as escoltas ligadas ao ouvidor, também se recolheu a “presa” (espólio) e os despojos da guerra, que era tudo quanto aqueles homens tinham e levavam consigo.
Ainda, disse ele que o ornato e grandeza daqueles homens eram, além do seu vestido, algum dinheiro que traziam com a sua roupa, em uma ou duas canastras[69], e umas esporas de prata, uma caldeirinha ou um coco de prata, somando-se a isso suas armas chapeadas e guarnecidas também de prata.

Coco de prata, estilo barroco, que pertenceu ao tataraneto (tetraneto) do coronel Francisco Alves Feitosa, o capitão Pedro Alves Feitosa do Cococá. É possível que se trate do mesmo coco de prata citado por João da Maia da Gama. Foto: Heitor Feitosa Macêdo/ Fonte: Museu do Tauá.
Não só se tomou toda a bagagem dos homens do Povo, como, também, a bagagem dos Montes que estava na posse do ouvidor, dentro da estacada. No furor do combate, os Montes, vendo-se ameaçados, fugiram como estavam, isto é, sem os seus objetos, sendo que todos eles transportavam dinheiro, segundo informaram a João da Maia. Só Antonio Mendes Lobato levava mais de seiscentos mil réis em sua canastra, quantia que trouxe para a casa da estacada onde estava o ouvidor, a qual consistia numa “torre” (casa-forte[70]), para onde foram levados todos os despojos, exceto os bens que furtaram e esconderam os índios e mais gente das Tropas. Maia também ressaltou que nos despojos de guerra constavam 80 cavalos, afora os que foram escondidos e furtados.
João da Maia perguntou às “pessoas desinteressadas e desapaixonadas”, que, no momento da dita refrega, se achavam com o ouvidor na dita estacada, se havia sido feito inventário desses bens e a quem eles haviam sido entregues. Responderam-lhe que nem inventário, nem depósito viram, nem mesmo souberam se o fizeram, nem que caminho levou e que todos os bens ficaram na casa-forte.
Em seguida, Maia perguntou se estes cavalos haviam sido entregues em depósito. As testemunham disseram que isto não ocorreu, pois por ali mesmo “repartiram, deram ou tomaram” as alimárias e que, no dia posterior ao combate da Caiçara, viram Lourenço Alves Feitosa montado em um “fermozo” cavalo fouveiro, portando na cinta uma espada com guarnições de prata, ambos pertencentes a Antonio Lobato, o qual havia estado na companhia do ouvidor até o dia do referido combate.

As Batalhas Subsequentes: Retaliação da Tropa do Povo e dos Montes

Ao continuar no campo de batalha, o ouvidor-geral José Mendes Machado passou a ter “grande cuidado e temor”, pois o resto dos membros da Tropa do Povo e os Montes, os quais tinham se evadido, estavam novamente se reunindo para fazer retaliação.
Quando a tropa do ouvidor se preparava para enfrentar a revanche, o filho do coronel Francisco Alves Feitosa disse a José Mendes Machado que havia se juntado à Tropa do Povo por ordem do seu próprio pai e que dela se apartou junto da estacada, para, assim, adentrar a fortificação. O filho do mesmo coronel também disse ao ministro, publicamente: “Vossa Mercê Senhor Doutor não tem que temer, nem que recear que não hão de vir cá, porque se eu lá não fosse não havia de vir cá nenhum”.
Com o objetivo de apurar os fatos ocorridos em 1724, João da Maia chamou o comissário-geral Clemente de Azevedo (o qual, à época, era juiz e também se achava com o ouvidor no dia do embate) e o escrivão dos órfãos (encarregado do cartório). Estes, depois de inquiridos sobre a frase prolatada pelo filho do coronel Francisco Feitosa, asseguraram que era tudo verídico. A partir daí, João da Maia julgou que esse filho do Feitosa era “um principal cabeça e motor” do levante do povo.
Estando satisfeitos com a vitória, porém, com “muito medo”, o ouvidor José Mendes, o coronel João da Fonseca Ferreira e o comissário-geral Lourenço Alves Feitosa expediram duas tropas para dar combate aos homens do Povo, indo estes últimos ao Ceará (vila da Fortaleza) para se valer do governador Manoel Francês (capitão-mor).
José Mendes Machado e seus aliados enviaram uma das tropas sob o camando de Estevão Duro, ao qual o ouvidor-geral recomendou que: “vá só Capitão, e eu só quero que me traga a língua de Domingos Ribeiro”, que era um dos Montes e também havia estado com o ouvidor na ocasião das “cargas” (do tiroteio) na Caiçara. Ressaltou João da Maia que esta recomendação do magistrado foi feita publicamente, conforme esseveraram as “testemunhas neutrais e de fé”.
Essa primeira tropa enviada pelo ouvidor partiu a procura dos integrantes da Tropa do Povo e da família Montes. Depois de marchar por, mais ou menos, 40 léguas, tiveram encontro com os inimigos. No momento, travaram combate e morreram algumas pessoas, de parte a parte, entre estas o cabo Estevão Duro, cuja morte fez com que a tropa do ouvidor e dos Feitosa recuasse.
Outra tropa foi expedida pelo doutor José Mendes Machado e por seus aliados, da qual eram cabos Francisco Lopes e um filho bastardo do coronel João da Fonseca, “que conduzia os tapuias Jenipapos, principais executores de tanta morte”. Esta segunda tropa, em procura dos Montes, pôs em cerco a casa-forte do Padre Frei Luis, religioso da Ordem do Carmo, onde mataram dois homens.
Nesse intervalo, a Tropa do Povo já havia se restabelecido, em virtude do que saiu em perseguição aos dois cabos da segunda Tropa do Ouvidor (Francisco Lopes e o filho bastardo do coronel João da Fonseca), a qual, encontrando-se em desvantagem, logo se retirou. Em seguida, o Povo teve encontro com uma terceira tropa, chefiada pelo coronel Francisco Alves Feitosa, ocasião em que foram mortos o capitão João Dantas (sobrinho do coronel Francisco Feitosa), Francisco de Souza e Gregório Martins. Além disso, também feriram o filho do coronel Francisco, ao qual era atribuída a culpa pelo levantamento do Povo. Os sobreviventes figiram junto com o coronel Francisco Alves Feitosa para se juntarem à quarta tropa ligada ao ouvidor, dirigida pelo coronel João da Fonseca, ao qual o Povo já havia tomado alguns despojos.
Enquanto andavam estes subgrupos da Tropa do Povo “em campanha” (fazendo guerrilha), o ouvidor-geral, seus oficiais e o comissário Lourenço Alves Feitosa, junto a seus parentes, bateram em retitada com toda a cavalaria para o Piauí, que, na época, era distrito do Maranhão.
Ainda, João da Maia afirmou que não sabia se, realmente, todos os despojos daquela “grande guerra” haviam sido levados para o Piauí, os quais foram avaliados em “bastantes mil cruzados”, na opinião de alguns, em 60 mil cruzados, mas entendeu ele: “que nem metade, mas fosse o que fosse eles o levaram, e o que sei é que os oficiais do Ouvidor jogavam vários trastes de prata pelo distrito do Maranhão, e traziam esporas, e embraçadeiras de prata, e guarda-mão, e os mais adereços de espingardas, ou clavinas do dito despojo”.

Opinião de João da Maia da Gama

Explicou João da Maia ser este um resumo que, “com mais verdade” e exação, pôde ele alcançar do “tão infausto e lastimoso sucesso” (acontecimento). Além disso, o autor ficou convencido de que o “pobre Povo” foi induzido a ir manso e pacífico para fazer o dito requerimento ao ouvidor, para o bem comum de todo o Povo. Acrescenta também que, com este pretexto, as pessoas foram reunidas e que o filho do coronel Francisco Feitosa foi um dos que mais “obrou” para isso.
Com base nesses depoimentos, João da Maia opinou que, até à data da batalha da Caiçara (Missão Velha/CE), os Montes não eram culpados, pois tinham estado e andando sempre com o ouvidor, e que, no entanto, tal qual os do Povo, foram assassinados, assaltados e obrigados a fugir dos violentos ataques.  Por tudo isso, Maia disse que “os sentenciaria livres”, não fosse o último acontecimento, isto é, a retaliação feita por eles e a Tropa do Povo.
Segundo Maia, foi em razão de tudo isso que os Montes se armaram e se juntaram com os do Povo, agregando os índios das Missões do litoral, de acordo com as informações dadas pelo coronel Manoel Gonçalves Pimentel. Também, disseram as testemunhas que Antonio Mendes Lobato e outros, tendo alcançado o apoio do governador (capitão-mor Manoel Francês) e, assim, com bastante poder, procuraram perseguir o ouvidor e os Feitosa, seus inimigos, os quais eram considerados como “principais motores e agressores da sua ruína”.
Disse Maia que, de tanta fatalidade e desgraça, o Povo e os Montes encontraram as “Tropas do Ouvidor”, com as quais entraram em combate armado. Destaca também que, nestes confrontos, os Montes e seus aliados provocaram diversas mortes, mas, em consequência, sofreram outras baixas em seus exércitos.
Assim, nas palavras de João da Maia, estando os Montes e os integrantes do Povo feridos, magoados e escandalizados das mortes e destruições que se lhe tinham feito, agiram com “desesperação contra os Feitosa” e contra os aliados destes, destruindo suas casas e fazendas, movidos pelo sentimento de mágoa.
Em decorrência da citada retaliação, João da Maia considerou que o Povo e os Montes eram também culpados, pois, apesar de induzidos pela traição do filho do Feitosa, assassinaram e causaram danos e prejuízos a outra parte sem que houvesse razão, justiça, jurisdição ou autoridade. Ademais, João da Maia afirmou que: “esta matéria necessita de muita ponderação, que eu me não atrevo a julgar, nem me atrevera a determinar se são mais culpados os Montes e o Povo, se os Feitosas e o Ministro, com quem estavam, o que à vista desta relação julgarão maduramente os grandes, retos e inteiros Ministros de Vossa Majestade”.
De forma a esclarecer os pontos mais significativos concernentes à matéria, João da Maia ocupou-se em enumerar alguns dos principais fatos ocorridos durante essas contendas.
Em primeiro lugar, disse o autor terem sido expostos os princípios da formação das parcialidades que se rivalizavam, ou seja, os Montes e os Feitosa.
Em segundo lugar, reza o autor que ficaram evidenciadas as causas e o princípio da alteração do Povo, que, segundo ele, foram os excessos dos oficiais do ouvidor-geral e a sua condição; ao que se juntou a queixa dos ofendidos; bem como o receio dos criminosos e culpados, os quais desejavam se livrar da justiça. Dessa maneira, as duas parcialidades concorreram para reunir o Povo, o qual foi enganado ou induzido com o pretexto de o requerimento ser justo e para o bem geral daquela gente.
Em terceiro lugar, observou Maia que os responsáveis pelas mortes ocorridas nas batalhas foram ouvidor-geral José Mendes Machado, os Feitosa (com os seus parentes e aliados) e o coronel João da Fonseca Ferreira (com os seus índios Jenipapos), porque, devendo eles trabalhar para acomodar e aquietar o Povo, não deram tempo suficiente para o envio da resposta ao requerimento deste último, respondendo com repetidas “cargas”, seguindo-o e matando-o com tirania. Na visão de João da Maia, a ação do magistrado e dos seus apaniguados foi de cegueira, imprudência, desacordo e maldades, o que findou desencadeando mais ruínas, feitas pelo Povo, que, até ali, não havia praticado excesso, nem dado mostra de que o faria.
Ainda, de acordo com o autor, os principais cabeças pelo levantamento do Povo foram o coronel ou tenente-coronel Antonio Gonçalves de Souza e Francisco Alves Feitosa (filho), o qual foi quem mais “obrigou e moveu o Povo” no levantamento.
Também relataram a João da Maia da Gama que os outros responsáveis pelas referidas desordens teriam sido o cunhado de Antonio Gonçalves de Souza (Teodósio Nogueira) e Domingos Ribeiro.
Quanto à suspeita de o coronel Francisco Alves Feitosa ter participado, indiretamente, para o levante do Povo, por meio da entrega de seu filho ao tetente-coronel Antonio Gonçalves de Souza, não soube João da Maia se isto se dera de forma voluntária, violenta, cautelosa, verdadeira, maligna ou política, havendo testemunhos discordantes sobre o assunto.

A Situação em que se encontrava a Capitania do Ceará

Na data em que João da Maia esteve no Ceará, no ano de 1729, informaram-lhe que, entre os líderes do conflito ocorrido em 1724, já havia falecido o filho do coronel Francisco Alves Feitosa e o filho do comissário-geral Lourenço Alves Feitosa, o primeiro havia sido morto pelo Povo, e, o segundo, saiu gravemente ferido nessas batalhas. Este último, para “segurar o vulto”, foi se ordenar na Bahia, por decisão de seu pai, mas terminou falecendo sem receber tais “ordens”.
Da parte dos Montes, já havia morrido Domingos Ribeiro, a quem o ouvidor mais temia. Mas, desta mesma parcialidade, estavam vivos Antonio Gonçalves de Souza e o seu cunhado Teodósio Nogueira, que foram os primeiros a manifestarem queixas contra os oficiais do ouvidor José Mendes Machado. Também eram vivos outros dos principais cabeças, como Antonio Mendes Lobato e Francisco de Montes.
João da Maia também registrou que, ao tempo desse relato (1728-1729), os líderes dessas duas parcialidades se achavam cansados, destruídos, quietos e receosos das penas que lhes poderiam ser aplicadas em decorrência dos crimes que haviam cometido.
Antes de deixar a capitania do Ceará, João da Maia aconselhou ao capitão-mor do Ceará João Batista Furtado que trabalhasse com cautela a fim de promover a paz entre os líderes das duas facções. Também recomendou, pessoalmente, aos parentes dos líderes do levante que vivessem em paz e quietação, sendo que estes, aparentemente, ficaram sossegados e prometeram ao autor contribuir para este fim.
Ao chegar à capitania da Paraíba, Maia foi informado que o novo ouvidor-geral havia partido de Portugal em direção ao Ceará. Assim, João da Maia escreveu correspondência a este novo ouvidor (Antônio Loureiro de Medeiros), através do comissário-geral Clemente de Azevedo, requerendo ao dito magistrado que, em nome do Rei, não se tornasse parcial de nenhum dos antagonistas (Montes ou Feitosa), como havia feito o seu antecessor, José Mendes Machado.
Entretanto, quando já estava em Pernambuco, João da Maia soube, por meio do governador desta capitania (Duarte Sodré Pereira), que o novo ouvidor, depois de chegar ao Ceará, tinha feito com que as duas parcialidades “fizessem termo de não se entenderem uns com os outros”.
Para tentar resolver a grave situação em que se encontrava o Ceará, João da Maia aconselhou que, em caso de haver necessidade de punir alguém, bastava castigar os primeiros que haviam reunido o Povo em levante, e, sobre o ouvidor José Mendes Machado, eximiu-se de apresentar solução, deixando isso a cargo do conselho do Rei.
Com base no que se dizia na capitania do Ceará, João da Maia asseverou que, para promover a total pacificação daqueles Povos, era suficiente retirar da referida capitania os dois Feitosa (Lourenço e Francisco) ou apenas um deles. Paralelamente, da parcialidade dos Montes, deveria ser afastado do Ceará Antonio Mendes Lobato, pois, assim, tudo ficaria quieto, porém, caso fosse necessário banir outros, que fosse retirado “o segundo com mais poder e séquito”, isto é, o coronel Francisco de Montes Silva.
Por fim, pareceu a João da Maia da Gama ser desnecessária a ida de um ministro (desembargador) da Bahia ao Ceará, para se evitar a total destruição daqueles miseráveis e arruinados, não só pelas guerras e destruições, como, também, pelas continuadas secas, “com que Deus” os castigava com a mortandade de “muitos milhares e milhares de gado”.

Conclusão

A partir dos escritos de João da Maia da Gama, é possível identificar um série de fatos, praticamente, inéditos em relação ao conflito que a historiografia aborda com bastante frequência, a chamada “Guerra entre Montes e Feitosas”.
Este documento escrito por João da Maia da Gama sistematiza a sucessão dos fatos ocorridos no início do século XVIII, sobre a ocupação “branca” do território do Cariri cearense. A partir de todas essas informações, o episódio histórico mencionado ganha ressignificação, possibilitando que o leitor, por meio de uma interpretação crítica, visualize como se deu a territoralização do referido espaço, como a política interferiu nisso, como as classes desfavorecidas foram aliciadas e como ocorreu a consolidação do cangaço, lato sensu, na região caririense e suas imediações.
Logo abaixo, apontaremos algumas das principais conclusões, levando em consideração o relato de João da Maia da Gama:   
• Manoel Rodrigues Ariosa não foi o primeiro “branco” a invadir as terras do sul do Ceará (o Cariri), posto que ele foi antecedido pelo baiano Antonio de Brito;
• Manoel Rodrigues Ariosa não se estabeleceu definitivamente no Cariri, o que é provado pelo arrendamento feito por seu procurador, o capitão Duarte Lopes, a Lourenço Alves Feitosa;
• O conflito entre os Montes e os Feitosa, que resultou na batalha da Caiçara, em 1724, surgiu pela disputa entre os antigos sócios: Antonio Mendes Lobato e Lourenço Alves Feitosa. Frise-se que Antonio Lobato era considerado mais poderoso do que o seu primo, o coronel Francisco de Montes Silva. Mesmo assim, por serem os Mendes Lobato parentes dos Montes, foram todos eles chamados, genericamente, por este derradeiro sobrenome, isto é “os Montes”;
• O coronel João da Fonseca Ferreira era tio do coronel Francisco de Montes Silva e do comissário-geral Antonio Mendes Lobato;
• O coronel Francisco Alves Feitosa teve um filho também chamado de Francisco Alves Feitosa;
• A principal causa do conflito entre os Montes e os Feitosa se deu por disputa de terras, mas não pela área da ribeira do Jucá, no sertão dos Inhamuns, mas pela posse dos territórios atualmente compreendidos pelos municípios de Missão Velha, Barbalha, Juazeiro do Norte e Crato, todos no sertão dos Cariris Novos ou Cariris de Dentro, hoje, Cariri Cearense;
• A motivação lastreada na honra, como afirmaram alguns escritores, ainda não foi confirmada, salvo a descompostura feita pelos oficiais do ouvidor à esposa de Teodósio Nogueira Lima;
• A primeira fase do conflito está entre o ano de 1716 (data em que Manoel Rodrigues Ariosa já é tido como morto) e o de 1719 (data em que o ouvidor da Paraíba aquietou os contendores, estipulando cláusulas de cessar-fogo);
• De acordo com a narrativa, a segunda fase pode ser alocada após o ano de 1719, pois nesse período surgem diversos fatores que contribuíram para o reinício dos combates. Segundo os testemunhos dados a João da Maia, os motivos foram: a) a intriga ocorrida por causa dos índios Jenipapos entre o coronel João da Fonseca Ferreira e os seus sobrinhos (o comissário-geral Antonio Mendes Lobato, o coronel Francisco de Montes Silva e o padre José Mendes Lobato), fato que teria feito com que João da Fonseca aderisse aos Feitosa; e b) os atos do ouvidor-geral José Mendes Machado, tanto os abusos cometidos por ele e seus oficiais quanto pela insatisfação dos réus acerca da atividade judicante do magistrado, tirando devassas e correições (equivalentes ao atual inquérito policial e processo judicial);
• A terceira fase se dá após os anos de 1724-1725, quando as autoridades, por ordem do Rei de Portugal, são acionadas com o objetivo de prender e punir os líderes do levante. Neste período, parte dos combatentes se evadiu do Ceará, porém, alguns destes permaneceram liderando grupos armados nas regiões limítrofes. Além dessa perseguição da justiça, a seca também contribuiu para arrefecer os grandes embates armados e as vinganças, possibilitando o apaziguamento na década de 1730;
• A guerra não se restringiu apenas às duas famílias em comento, havendo a participação de outros indivíduos que se ligavam a elas por algum grau de parentesco, por amizade, por interesse ou por coerção, como ocorrera com os índios do litoral, que, a contragosto, foram obrigados a participar das lutas. Destaque-se, ainda, que diversas pessoas foram integrar a Tropa do Povo pela simples conveniência de pôr fim aos processos em que eram parte e, assim, ficarem impunes pelos crimes praticados;
• João da Maia afirma que o ouvidor José Mendes Machado e os Feitosa obtiveram a vitória na batalha ocorrida na estacada em roda (na Caiçara, em Missão Velha/CE), em 1724. Mas, nos embates subsequentes, passaram a ficar em grande desvantagem, sendo necessário fugir para o Piauí.
• Houve perda para ambas as partes. Do lado do ouvidor e dos Feitosa foram mortos: Estevão Duro, Francisco Alves Feitosa (o filho), Lourenço Alves Penedo e Rocha, João Dantas, Gregório Martins e Francisco de Souza. Da parte dos Montes e da Tropa do Povo o número indicado é maior, pois, após a batalha da Caiçara, nove pessoas foram mortas, de uma só vez, no momento em que se banhavam. Há também menção a outras mortes, porém, os nomes dos indivíduos não foram citados;
• A primeira missão indígena (aldeamento artificial de cunho católico) nos Cariris Novos foi administrada pelo padre José Mendes Lobato, no território do atual município de Missão Velha, razão deste seu nome.  

Transcrição Paleográfica do Manuscrito de João da Maia da Gama:[71]

Senhor
Informaçảo sobre as couzas de Jaguaribe que dou em virtude da Real ordem de V.Mag.ᵈᵉ de 20 de Mayo de 1727 que fallando na Capitanîa do Ciarâ prosegue hum Cap.ᵒ do theor seguinte. E porq̉ nesta Capitanîa do Ciarâ houve de proximo húma grande alteraçảo devidindose toda ella, ou amayor parte em duas facçoens, de que erảo cabeças os Feytozas, eos Montes com tal furor, que sederảo batalha, em q̉ se diz morrerảo mais de trinta de huá, e outra parte, eo Ouvidor, que eu alŷ tinha mandado a fundar de novo huá Ouvidoria para que aquella gente viveSse com socego, debaixo da administraçaỏ da Justiça, evitandose as offensas, Roubos, e insultos, que se fariâỏ hunś aos outros, se auzentou, e recolheu ao Reyno, dizendo que o expulsarảo por nảo quererem aquelles homens ter entre si quem lhe reprimisse as suas desordens, e fizesse Justiça. Tomarei huá exacta informaçảo das couzas, e principios desta alteraçaỏ, quem foraỏ os autores: e mortes dellas, em q̉ estrado seacha ao prezente, e que meyos se devem aplicar p.ᵃ pôr esta gente em socego, e na devida obediencia, e Respeyto, que devem ter aos Ministros de Justiça, Capitaens mores, Cabos, eofficiaes Superiores. Para inteyra informaçảo do conteùdo no Cap.ᵒ acima me pareceo dar primr.ᵒ noticia do principio destas parcialid.ᵃˢ de Montes, e Feytozas, que foi a seguinte: Pedio Antonio de Britto homem pobre huá data deterras detres legoas, que comprehende em sî tres sitios, a saber, a Caxoeyra, o Arrayal do meyo, e alagóa do Arioza, e tendo este Arioza noticia fez partido com o Britto q̉ se lhe desse hum Sitio daquelles q̉ ajudaria a povoar os mais, e assim ajustarảo onegocio, eforaõ povoar, e na retirada ficou Ant.ᵗᵒ de Britto com os gados no Sitio da Caxoeira, e aly o matou hum negro da fazenda do Arioza, e desvaneceuse a povoação, ficando o gentio Callabaça culpado sem cometer ad.ᵃ morte. [fl. 14] Passados alguns annos pedio o d.ᵒ Arioza eo Cap.ᵃ ͫ  môr Manoel Carneyro as d.ᵃˢ terras povoadas jâ por devolutas, e dezaproveytadas, e pozerao por obra a povoalas, mandando o Cap.ᵃ ͫ  môr Manoel Carnr.ᵒ da Cunha, ao Cap.ᵃ ͫ  Duarte Lopes com poder de armas, e gente, e estando de posse dellas, e sabendo Antonio Mendes Lobato, q hê hum dos Montes, e Lourenço Alvres Feytoza, q̉ he o outro cabeça da sua parcialidade, fizeraỏ Liga entre si, p.ᵃ haverem ambos as d.as terras, com o fundam.ᵗᵒ deseterem dado por devolutas ao Arioza, e Carneyro, as d.as terras dizendo que nảo tinhaỏ dono, tendo-as pedido, epovoado o d.ᵒ An.ᵗᵒ de Britto, a quem se tinhaõ concedido, e que este Britto, ainda que morto, nảo perdia, nem seos herdr.ᵒˢ o dir.ᵗᵒ , eSenhorio, e posse, que tomou dellas com curral, caza, e gados, e sobre tudo ficar nella enterrado, pelo matar hum negro, como acima fica refferido. Juntos, e unidos na forma do ajuste quizerảo com effeyto o d.ᵒ Antonio Mendes Lobato, que se tem por cabeça dos Montes, e o Lourenço Alvres Feytoza povoar as d.ᵃˢ terras, lhe pôz impedim.to o Cap.am Duarte Lopes como Procurador do Cap.am môr Manoel Carneyro, e do Cap.am Manoel Roiz̉ Arioza, dizendo que as naỏ haviaỏ de povoar, salvo fosse debayxo de arrendam.ᵗᵒ seu, como Procurador dos d.ᵒˢ seus Constituintes, eCom effeyto, Lourenço Alvrez Feytoza passou od.ᵒ arrendamento. Morrendo os d.ᵒˢ Manoel Carneyro, e Manoel Roiz̉ Arioza, aq.ͫ o Feytoza tinha passado o arrendam.ᵗᵒ buscou com esta noticia Antonio Mendes Lobato aoSeo Companhr.ᵒ Lourenço Alvrez Feytoza p.ᵃ que partissem os Sitios na forma do seu ajuste, porem o Lourenço Alvres Feytoza se levantou com a d.ᵃ terra, e naõ quiz fazer a Repartiçaỏ, q tinha ajustado com o Socio, Antonio Mendes Lobato. Vendose o d.ᵒ Antonio Mendes Lobato enganado, procurou meyos de haver aSi as d.ᵃˢ terras, e parecendolhe Remedio prompto, e Seguro foi comprar a data das d.ᵃˢ terras a hum Irmaõ, e herdeyro do defunto Antonio de Britto, e competindo o d.ᵒ Antonio Mendes Lobato com o d.ᵒ Lourenço Alvres Feytoza, q lhe tinha faltado ao ajuste, querendo o Feytoza conservarse [fl. 15] nas terras, o Lobato querendo SenhoriaLas em virtude da d.ᵃ compra, eaSsim se pozeraõ em armas, Antonio Mendes Lobato seguido dos seus parentes os Montes, e o Lourenço Alvres Feytoza com os seus, e aqui tiveraõ principio as dezonioens, e parcialidades dos Montes, e Feytozas. Postos em armas veyo naquelle anno o Ouvidor da Par.ᵃ Fran.ᵒ Per.ᵃ que era no de 1719. e achando esta pertubaçaỏ, e enquietaçaỏ em Jaguaribe chamou aos Montes, e Feytozas perante Sy, eos obrigou a fazerem pazes huns com os outros, e fizeraõ hum termo, q assignaraõ, e em q se obrigavaỏ que entre elles naõ haveria mais duvidas, e se obrigavaõ mais que aquelle que pegasse primr.ᵒ em armas contra o outro pagaria de sua fazenda quatro mil cruzados, e perderia todo o dir.ᵗᵒ, e pertençaỏ, que tivesse às d.ᵃˢ terras. Por este termo ficarảo em paz, e quietos sem perturbaçaõ por annos athé que novam.ᵗᵉ se tornaraỏ a Ruinar, e quebrar a amizade por cauza dos Tapuyas Genipapos, q̉ fugiraỏ câ debaixo das Varges de Jaguaribe pelos quererem matar, e hindo os d.ᵒˢ Tapuyas valerse do Coronel Francisco de Montes Sylva, este os mandou aquarteliar nos Careris novos porhaver aLy terras sufficientes para plantas, e cassa com abundancia para sustento, e lhe pôz por Missionario o Pe. Jozeph Lobato; e posto assim em páz, e Socego o Tapuya se passaraỏ annos, equerendo o d.ᵒ Pe. fazer a sua obrigação, advertir, e doutrinar os Tapuyos se inquietou este, e foi fogindo p.ᵃ caza de hum tio do d.ᵒ Pe. que era o Coronel Joaỏ da Fon.ca Ferr.a que consentia, eapoyava o d.ᵒ Tapuya, e requerendo o d.ᵒ Pe. ao d.ᵒ seu tio q̉ naỏ apoyasse aos d.ᵒˢ Tapuyas, e os deixasse Levar p.ᵃ aSua MisSảo, lhe respondia q̉ tinha serviço de V.Mag.ᵈᵉ que fazer com elles, e athé o naỏ fazer, os naỏ havia de mandar. Vendose o d.ᵒ Pe. com a mayor parte dos Tapuyas fora da sua obediencia, e MiSsảo, e agregados aordem do d.ᵒ Coronel seu tio, e pornaỏ contender com este deixou a MiSảo, e partio p.ᵃ Pernambuco a Reprezentar a sua justiça. Partido o d.ᵒ Pe. fogio todo o Tapuya Genipapo da MiSsaỏ, e Igreja, ese foy todo p.ᵃ caza do d.ᵒ Coronel Joaỏ de AFonceca, o qual he tio e parente dos [fl. 16] Montes, e do d.ᵒ Pe. Vendose o d.ᵒ Coronel com o d.ᵒ Tapuya, e dizem q̉ temendose deque o coronel Fran.ᵒ de Montes, eo ComiSsario g.al Antonio Mendes Lobato seus sobrinhos, ou parentes lhe fizessem guerra, deyxou a parcialid.ᵉ dos Montes seus parentes, ebuscou a dos Feytozas, eSevalleo dos cabeças daquela parcialidade, pedindo a Lourenço Alvres Feytoza, e Fran.ͦ Alvres Feytoza socorro de gente, e armas, ep.ᵃ o meter deposse das d.ᵃˢ terras da contenda, que havia entre o d.ͦ Lourenço Alvres Feytoza, e Antonio Mendes Lobato, ecom effeyto os d.ᵒˢ Feytozas mandaraỏ seus filhos, eo o Cap.ᵃ ͫ  Joáo Dantas com m.ᵗᵃ gente, e força de armas, esquécidos do termo refferido, q̉ tinhao feyto perante o d.o  Ouvidor g.al Fran.o Pereyra. Encorporados, aSsim os filhos do Feytoza, e o Cap.ᵃ ͫ  Joảo Dantas seo sobrinho e o d.ͦ  Coronel com os seus Tapuyas Genipapos, foraỏ a huá faz.ᵈᵃ do d.ͦ  cómissario g.al Antonio Mendes Lobato, e nella mataraỏ tres pessoas, sem cauza, damno, ou Rezistencia, e foraỏ por aly destrohindo tudo, e achando em huá fazenda o juiz ordinario daVilla dos Aquirâz, o cómissario g.al Clemente de Azevedo, lhe naỏ tiveraỏ Respeyto, nem temor, eo juiz seveyo retirando, ou fugindo pello naỏ matarem. Nesse estado estavảo as duas parcialid.ᵉˢ de Montes e Feytozas/ que tiveraỏ o principio, q̉ fica refferido/ quando chegou ao Cearâ o novo Ouvidor g.al Jozeph Mendes Machado, e dizem outros q̉ jâ elle estava no Ciarâ, q.ᵈᵒ sucedeo o refferido, eo buscaraỏ prim.ͬ ͦ os Feytozas que supposto que os d.ᵒˢ Irmáos, e cabeças naỏ se acharaỏ nas d.ᵃˢ mortes, e Roubos, mandaraỏ hum Sobr.ᵒ, e hum filho, como fica d.ᵒ. Agregados os Feytozas ao d.ᵒ Ouvidor, vieraỏ logo tambem Antonio Mendes Lobato, e os seus parentes os Montes dando obediencia ao Ministro, e tirando Cartas de Seguro p.ᵃ se Livrarem. Depoes da posse tomada, comeSsou o novo Ouvidor Jozeph Mendes [fl. 17] Machado a fazer justiça, a abrir correyçảo, e despachar, fallando com soberba, esem prudencia, e me dizem que dicera que Se aquelle, q̉ tinha cem mil reis q.ᵈᵒ elle acabaSse, desse graças a Deos se ficaSse com metade [ou] com vinte. Alem da sua imprudencia, inquietaçảo, e orgulho, trazia hús officiaes ambiciozos, malígnos, e dezatentos em palavras, e em obras, descomedidos, e mandando prender alguns homens, e fogindo o Coronel Theodozio Nogueyra para a Satisfação das custas, aSeveraỏ todos q̉ os taes officiaes, e Meyrinhos, descompozeraỏ a mulher do d.ͦ  Coronel, tirandolhe a abotuadura de ouro da camiza, e argolas das orelhas, e os botoins das maneyras, e que disto se deram por picados, e offendidos os homens e principalm.ᵗᵉ Antonio Gonçalves de Souza, que era irmaỏ da d.a m.er  descomposta pelas custas de seu marido Theodozio Nogueyra, que Sedeo: tambem por m.to  agravado, e offendido; e aSsentaõ que daquî teve principio a alteraçaỏ daqueles povos. Continuando o Ouvidor a Sua correyçảo por toda a Ribeyra do Caracû athé a Serra da Ibiapaba, e continuando os Seus officiaes com o mesmo procedim.to ; e vendo os homens que nad.ᵃ correyçaỏ, como elles dizem; sô o badallo do Sino ficava por Culpar, e que todos ficavaỏ descompostos ao menos de ladroens de gados huns dos outros, de que Sevaliaỏ, o que era m.to cỏmum na Ribeyra de Jaguaribe, dizem q̉ de huá, e outra parcialid.ᵈᵉ de Montes, e Feytozas se tratou o Levante do povo, e como o Ouvidor estava mais parcial dos Feytozas, se deyxava mais dominar delles, e se valia delles p.ᵃ alguás prizoens, e mandando o d.ͦ  Ouvidor prender hús homens: por Fran.co Alvres Feytoza, e levados p.ᵃ o Ciarâ: dizem huns que lhe Sahyra ao encontro o Tenente Coronel Antonio Glź de Souza com outros, e quizera tirar os prezos, e o quizera conduzir ao levante; e outros afirmaỏ q̉ encontrandose o d.o An.to  Glź de Souza, e seu cunhado Theodozio Nogueyra q̉ eraỏ os offendidos pela descompustura da mulher de hum, e irmaỏ de outro [fl. 18] Com o d.ᵒ Fran.ͨ ͦ  Alvres Feytoza ajustarảo o Levante, e o dito Francisco Alvres Feytoza lhe deo logo alŷ seu filho p.ᵃ hir com elles Levantar o povo, e com effeyto foy com os outros a Levantar o povo, e foy este filho do d.ͦ  Feytoza hum dos mais empenhados, e que mais trabalhou p.ᵃ Levantar o povo, como por sua confissaỏ mostrarey adiante em seu lugar. Partidos os d.os com outros companhr.os a Levantar o povo, continuou o Fran.co Alvres Feytoza a sua marcha, com os d.os prezos, e deo conta ao Irmaỏ Lourenço Alvres Feytoza q̉ acompanhava ao Ouvidor, o qual deo parte ao ouvidor, e o mesmo fez Domingos Ribeyro, que era da parcailid.ᵉ dos Montes, e parente, e se achava com os Montes tambem em comp.ᵃ do Ouvidor, aq.ͫ  seguiam com as suas Cartas de Seguro tratando do seu livram.ᵗᵒ. O Ouvidor se inquietava com estas noticias, tendo os Montes dezarmados, desconfiados destes, e armados os Feytozas. Os Montes se offereciảo a acompanhar, defender, e guardar a o ouvidor, e acomodar toda a pertubarçaỏ de Jaguaribe, e do Povo, e os Feytozas se offereciaỏ ao mesmo, e como o ouvidor, por conveniencia como dizem alguns, ou por affeyçaỏ, ou por confiar mais dos Feytozas seguia a estes, e se deixava dominar delles, e assim tomou a sua conta o dispôr Tropas e forsas, e Cabos de sua facçaỏ, e junto com o Coronel Joaỏ de Afon.ca Ferr.a com os seus Tapuyas Ginipapo, com quem tinha feyto as mortes, e destruiçoens, q̉ atras ficaỏ declaradas, marcaharaỏ todos com o d.ᵒ ouvidor p.ᵃ a vizinhança de Jaguaribe, mandando, e expedindo as ordens como Cabo-mandante-Lourenço Alvres Feytoza; e os Montes todos dezarmados, e dizem que pediaỏ ao ouvidor q̉ lhe-mandaSse dar as suas armas p.ᵃ o defenderem, e tambem para Se Segurarem a Sy de qualquer traiçaỏ dos seus inimigos Feytozas, ou que o d.ᵒ Ministro os segurasse, e a nada disto lhe deferio [fl. 19] o Ministro, e sem embargo disso o acompanharảo, e seguirảo dezarmados. Marchou o d.ᵒ Ministro com este corpo de cabos, e de Tropas da p.ᵗᵉ dos Feytozas; e com os Tapuyas Ginipapos, e com o Coronel Joaỏ de Afon.ca Ferr.a, que sendo tio dos Montes, se tinha apartado delles, e unido com os Feytozas, como atras fica escripto; e ultimam.ᵗᵉ se arrancharaỏ em hum Alto junto do Riacho em huás cazas fortificadas com huá grande estacada á roda, dentro da qual se achavaỏ toda a parcialid.ᵈᵉ dos Feytozas com o Ouvidor, o qual mandou por fora da estacada; mas junto della aos Montes dezarmados, e aquî fizeraỏ, ou repetiraỏ o requerim.ᵗᵒ. Estando nesta forma chegou o Povo a baixo dezarmado, e se aquartellou aly, tirando as sellas aos cavallos, e deytando-os a pastar, e armando as suas redes com pâz, e quietaçaỏ. Estando nesta forma convidou, e induzio, pelo que dizem o filho do Feytoza a outros, dos que vinhaỏ no Povo, p.ᵃ irem fazer huá escaramusa, e se vieraỏ chegando p.ᵃ a estacada. Aquî dizem q̉ o Ouvidor induzido de algús mais prudentes, ou neutraes, q̉ o acompanhavaỏ, ou por se lhe offerecer o Cap.am Joaỏ Nunes p.ᵃ hir saber o q̉ o Povo queria, e hindo este, dizem q̉ viera dizer q̉ o Povo sô queria q̉ nảo tirasse Correyçaỏ, e que se procedesse contra os culpados nas devaças, q̉ se tinhaỏ tirado e tinhaỏ p.ᵗᵉ; e outros acrescentaỏ q̉ pediraỏ mais, e dizem alguns q̉ o portador naỏ chegara com a resposta. Mas q̉ he certo, eSem contradiçaõ hê q̉ o corpo do Povo se achava aquartellado, quieto, e pacifico, e sô aquella Tropa de gente mais mossa com o filho do Feytoza veyo marchando p.ᵃ a estacada. O que vendo os da estacada o foraỏ dizer ao Ministro, e averiguando eu com todo cuydado, q.ͫ  paçara as ordens, ou q̉ ordens se [fl. 20] passarảo, o nảo pude averiguar com certeza, porem dizem q̉ o Minystro dicera q̉ se chegassem p.ᵃ a estacada, e atirassem, o q̉ he certo pelo ditto conforme de todos, que chegando a Tropa perto da estacada, metera pernas ao cavallo, o filho de Fran.ͨ ͦ  Alvres Feytoza, que o Pay tinha dado a Antonio Glz̉ de Souza p.ᵃ hir com elle, e com os mais a alevantar o Povo, e se passara p.ᵃ a estacada, e ou fosse hum Estevaỏ Duro que deu a ordem, ou que disparou primr.ͦ  se deo huma carga geral aos de fora, e sahiraỏ os Tapuyas Ginipapos, que estavaỏ em varias escoltas, e mais gente das Tropas, q̉ estavaỏ com o Ouvidor; e carregaraỏ sobre os do Povo, assim desmontados que vieraỏ com o filho do Feytoza, como sobre huns, que estavaỏ aquartellados, quietos, e despidos, e mataraỏ m.ᵗᵒˢ de huns, e outros, e fugindo os q̉ poderaỏ aSsim descalsos, e despidos, foraỏ seguidos, e mortos m.ᵗᵒˢ, e passado tempo, e estando jâ em distancia huns poucos de fogidos despindose, e levandose deraỏ sobre elles os Indios Ginipapos, e mataraỏ nove, na mesma agua, em que se estavaỏ Lavando, e os q fugiraỏ a q̉ poderaỏ chegar. Recolhidas estas tropas, e escoltas, se Recolheo tảobem apreza, e despojos da guerra, q̉ era tudo q.ᵗᵒ os homens tinhaỏ, q̉ tudo traziảo comSigo, poes estes homens o ornato, e grandeza, he o seu vestido, e algum dinhr.ᵒ que trazem com a sua Roupa em huá, ou duas canastras, e huás esporas de prata, huá caldeyrinha, ou hú coco de prata, e as suas armas chapiadas, e guarnecidas de prata, e isto hê oq.ᵗᵒ Levaỏ p.ᵃ toda a p.ᵗᵉ, e o dinhr.ᵒ; com q Se achaỏ; e nao sô se tomou toda a bagagem dos d.ᵒˢ homens do Povo, mas tambem a dos Montes, que estavaỏ com o Ouvidor, e senaỏ acharaỏ com o Povo, nem nas Consultas, q̉ se fizeraỏ p.ᵃ os Levantes, os quaes Montes vendose tambem acomettidos fogiraỏ aSsim como estavaỏ, e dizem q̉ todos traziam seu dinh.ro, e que sô Antonio Mendes [fl. 21] Lobato trazia mais de seis centos mil reis na sua canastra, e tudo isto se trouxe p.ᵃ a estacada, e caza, aonde estava o Ouvidor q̉ era huá torre na mesma caza, p.ᵃ onde sahio todo o despojo, exceto o mais que furtaraỏ, e esconderiaỏ os Indios, e mais gente das Tropas, e se tomaraỏ por lista outenta cavallos, fora os que se esconderaỏ e furtaraỏ. Preguntey a pessoas dezenteressadas, e dezapayxonadas, q̉ se achavaõ com o Ouvidor na d.ᵃ estacada, se se fez inventario desta preza e em q̉ mảo se depozitou, e dizem todos q̉ nem inventar.ͦ ; nem depozito viraõ, nem souberaõ q se fizeSse, nem q̉ caminho Levou, e q̉ naquella caza em que estava o Ministro, e seus officiaes e athe gados ficara tudo, e preguntando pelos cavallos se os entregaraỏ em depozito, dizem q̉ naỏ, e que por alý se repartiraỏ, deraỏ, ou tomarảo, e que no outro dia virảo a Lourenço Alvres Feytoza montado em hum fermozo cavallo fouveyro q̉ era de An.ᵗᵒ Mendes Lobato hum dos principaes cabessas dos Montes, como fica referido, q̉ tinha estado sempre com o Ouvidor athé ad.ᵃ ocaziaỏ, e que o mesmo Feytoza trazia à sinta tambem huá espada do d.ᵒ Lobato de guarniçoens de prata. Nao sey que desculpa, ou que descarga ha de dar este Ministro de naỏ mandar inventariar toda esta preza, e despojo, e mandala entregar, e depozitar, p.ᵃ se dispor della como fosse justiça, e naỏ sey como se possa livrar de semelhante culpa, pois lhe naỏ acho sahyda alguá, nem tambem de naỏ ouvir aquelle povo, e trabalhar pelo acómodar, e q.ᵈᵒ teymassem em que naỏ tirasse a devassa da correyçaỏ, retirarse p.ᵃ o Ciarâ, e naỏ dar huá batalha com tantas mortes, e prejuizo de tantas, sendo cauza de huá total destruiçaỏ como severâ adiante. Sostentandose o d.ᵒ Ministro no campo de batalha [esperandose] q̉ o resto dos do Povo, e os Montes fogidos, menos alguns que [fl. 22] ficarảo mortos se ajuntaSsem, e o vieSsem acometter, esteve com grande cuydado, e temor, e estando preparandose Tropas p.ᵃ se lhe hirem oppôr à defensa, dice ao Ministro o filho de Fran.co Alvres Feytoza que tinha vindo por ordem de seu Pay com o Povo, e junto da estacada se apartou do Povo, e se recolheu a elles; dice ao Ministro publicam.ᵗᵉ: Vm.ce S.or D.or  naỏ tem q̉ temer, nem que recear que naỏ haỏ de vir câ, porq̉ se eu lâ naỏ fosse naỏ havia de vir câ nenhum: o que me seguraỏ pessoas fidedignas, e neutraes que alý se acharaỏ, e chamando eu o comissario g.al Clemente de Azevedo, q̉ naquella occaziảo era juiz, e se achava com o Ministro, e o escrivaõ dos orfaons que estava tambem com o cartorio, me seguraraỏ preguntandolhe eu em segredo, que elles aSsim o ouviraỏ, com que se confirma o q̉ aSsim a digo de que este filho do Feytoza foy hum principal cabeça, e motor do levante, do povo p.ᵃ vir fazer o d.ᵒ requerimento ao Ministro, e q.ᵈᵒ naỏ estivesse confirmado por todos q̉ elle induzio, e o acompanharaỏ, bastava a confissaỏ propria feyta publicam.ᵗᵉ  â vista de tantos. Estando ainda q̉ satisfeytos com a vitoria, o Ouvidor Jozeph Mendes e o Coronel Joaỏ de Afon.ca  Frr.a, e o ComiSsario Lourenço Alvres Feytoza com m.ᵗᵒ medo despediraỏ duas Tropas sobre os do Povo, que foraỏ ao Ciarâ a valerse do Cap.ᵃ ͫ  môr Manoel Francez, e despedindo huá das Tropas, de que era cabo hum Estevaỏ Duro, lhe dice o Ouvidor: vâ so Cap.am ; e eu sô quero q̉ me traga a Lingua de Domingos Ribr.ᵒ, que era hum dos Montes, que tinha estado e andado com o ouvidor, e os mais Montes athé a occaziaõ das Cargas, e mortand.ᵉ, e este ditto do Ouvidor foy publico, e mo certificaraỏ tambem as d.ᵃˢ test.ᵃˢ neutraes, e de fé. Partida a d.ᵃ tropa, seguindo aos do Povo, e Montes por perto de quarenta legoas tiveraỏ emcontro, e se mataraỏ alguns de parte [fl. 23] a parte entre os quaes foi o cabo Estevảo Duro, com cuja morte se retirou esta Tropa. A outra Tropa, q̉ tambem tinhảo despedido de que era Cabo Fran.co Lopes, e hum filho bastardo do Coronel Joaỏ de Afon.ca; que conduzia os Tapuyas Ginipapos principais executores de tanta morte, foraỏ pôr em cerco huá Caza forte do Pe. Fr. Luis Religiozo do Carmo, procurando nella os Montes, e dizem q̉ nella matarảo dous homens; e encorporado jâ o Povo, seguiraỏ os dous Cabos q̉ se retiraraỏ, e tiveraỏ encontro com a Tropa do Coronel Fran.co Alvres Feytoza e lhe mataraỏ o Cap.ᵃ ͫ  Joaỏ Dantas, seu sobrinho, e a Fran.co de Souza, e Gregorio Martins, e lhe feriraỏ o filho, e fugindo os mais seguiraỏ o Coronel Joaỏ de Afon.ca; q̉ ainda lhe tomaraỏ alguns despojos. Em.ᵗᵒ andavảo estas tropas em campanha, se retirou o Ouvidor, e o Coronel Lourenço Alvres Feytoza, e os seus parentes com os officiaes do Ouvidor com toda a Cavallaria, e se passaraỏ p.ᵃ o Piauhy destrito do Maranhaỏ, e naỏ sei se levaraỏ todos os despojos daquella grande guerra, que se avaliaraỏ em bastantes mil cruzados, e alguns o poem em 60, mas eu entendo que nem metade, mas fosse, oq̂ fosse elles o levaraỏ, e o que sey hê que os officiaes do Ouvidor jogavaỏ varios trastes de prata pelo destrito do Maranhaỏ, e traziaỏ esporas, e embraSsadeyras de prata, e guardamaỏ, e os mais adereSsos de espingardas, ou clavinas do d.ᵒ despojo. Esta hê em Súma a Rellaçảo q̉ com mais verd.ᵉ, e exacçaõ pude alcanssar de taỏ infausto, e lastimozo successo, tendose induzido ao pobre Povo p.ᵃ hir manço e pacifico fazer hum requerim.ᵗᵒ, q diziaỏ ser p.ᵃ bem comum de todo o Povo, e com este pretexto o ajuntaraỏ, sendo hum dos que mais obrou o ditto filho do Feytoza. [fl. 24] Por esta Rellaçaỏ parace que athé as Cargas naỏ eraỏ culpados os Montes, poes tinhaỏ estado sempre, e andando com o Ouvidor, e eu certam.ᵗᵉ os sentenciara Livres, senaỏ fora o ultimo sucesso, porq̉ fogidos os Montes, e vendo aly mortos os seus parentes, e entre elles hum Irmaỏ, e hum sobr.ᵒ, e vendose assaltados, e corridos, e o Povo, se armaraỏ entaỏ, e ajuntaraỏ com os do Povo, agregaraỏ a sy Indios os quaes foy buscar pelo que dizem o Coronel Manoel Glź Pimentel, e dizem q̉ Antonio Mendes Lobato, e outros, tendo recorrido ao Cap.ᵃ ͫ  môr Manoel Frances, e encorporados ja com poder procurarảo seguir ou ao Ouvidor, ou aos Feytozas seu inimigos, aos quaes tinhaỏ por principaes motôres, e agressores da sua ruina, e de tanta fatalid.ᵉ, e desgraça, e encontrando as d.ᵃˢ Tropas, tiveraỏ o encontro, e fizeraỏ as mortes q̉ ficảo referidas, morrendo outros tambem da sua parte, e assim feridos, magoados, e escandalizados das mortes, e destroiçoens, q̉ se lhe tinha feyto, e inrayvado jâ o Povo com dezesperaçảo contra os Feytozas lhe destroiraỏ cazas, e fazendas, e aos mais q̉ os tinhaỏ seguido, e de quem estavaỏ magoados, e esta ultima parte e despoziçaỏ do Povo, e Montes he o que considero Culpados da parte, se he que lhe nảo pode servir de descarga a mortes, damnos, e prejuizo que sem razaỏ, nem justiça, nem jurisdiçaỏ, nem authorid.ᵉ se lhe tinhaỏ feyto, induzidos m.ᵗᵒˢ com a trayçaỏ do d.ᵒ filho do Feytoza, e esta materia necessita de m.ᵗᵃ ponderaçaỏ, q eu me naỏ atrevo a julgar, nem me atrevera a determinar, se sảo mais culpados os Montes, e o Povo, se os Feytozas, e o Ministro, com q.ͫ  estavaỏ, o que á v.ᵗᵃ desta Rellaçaỏ julgaraỏ maduram.ᵗᵉ os grandes, rectos, e inteyros Ministros de V.Mag.ᵈᵉ. Pela d.ᵃ Rellaçao sevê primr.ᵒ os principios das suas parcialid.ᵉˢ, em segundo lugar sevê tambem as cauzas, e princi= [fl. 25] pio da alteraçảo do Povo q̉ forảo os excessos dos officiaes do Ouvidor e a sua condiçaỏ, e a queixa dos offendidos, ao que entendo eu tambem q̉ se ajuntou o Receyo dos criminozos, e culpados, dezejando livrar por este meyo de justiça, concorrendo de huá, e outra parciald.ᵉ  p.ᵃ o ajuntam.ᵗᵒ do Povo enganado, ou induzido com o aparente pretexto do Requerim.ᵗᵒ justo que p.ᵃ bem g.al do Povo hiaỏ fazer ao Ministro.
Em 3º Lugar sevê q̉ a cauza das mortes forảo o Ouvidor, e os Feytozas, q̉ com elle estavaỏ, e os seus parentes, e aliados, e o Coronel Joaỏ de Afon.ca Ferr.a com os seus Indios Ginipapos, poes devendo o d.ᵒ Ministro com os q̉ com elle estavaỏ trabalhar por acomodar e aquietar o Povo, nem deraỏ tempo a se lhe hir resposta, respondendo se lhes com tảo repetidas cargas, seguindo os, e matando os com tanta tyrania, seguindose desta Cegueyra, imprudencia, dezacordo, e maldades as ultimas ruinas feytas pelo Povo, q athé aly nảo tinha obrado excesso algum nem dado mostra de o fazer. Tambem sevê que os principaes cabessas que Levantarảo o Povo foy o Coronel ou Tenente Coronel An.ᵗᵒ Glź de Souza, e o filho de Fran.co Alvres Feytoza, q o d.ᵒ seu Pay deu ao d.ᵒ Antonio Gonsalves, e assentaỏ q̉ o d.ᵒ filho foy o que mais obrigou, e moveo o Povo, e dizem tambem q̉ foy motor o cunhado do d.ᵒ Antonio Glz΄ de Souza Theodozio Nogueyra, e dos Montes hum Domingos Ribr.ᵒ, q̉ supposto estava com o Ouvidor, se temeo sempre delle de que fomentava os levantes, p.ᵃ o qual concorreo com engano, ou com verdade tambem o Fran.co Alvres Feytoza com a data do filho, ou voluntariamente ou violenta, como dizem os da sua p.ᵗᵉ; mas ou fosse cauteloza, ou verdadeyra, ou maligna, e politica, [fl. 26]  como querem m.ᵗᵒˢ, he sem duvida q̉ obrigou m.ᵗᵒ a induçaỏ, e delig.ᵃ do d.ᵒ seo f.ᵒ, como fica provado pela sua propria confissaỏ. Destes cabeças sảo mortos o d.ᵒ filho de Fran.co Alvres Feytoza, e outro seu primo filho de Lourenço Alvres Feytoza, hum morto pelo Povo, e outro ferido, q̉ p.ᵃ segurar o vulto, se foy ordenar á B.ᵃ por ordem do Pay, mas morreo sem tomar as ordens, e tambem morreo da p.ᵗᵉ dos Montes o d.ᵒ cabeça Domingos Ribr.ᵒ; de q.ͫ  mais se temia o Ouvidor, e morreraỏ m.ᵗᵒˢ culpados, assim da p.ᵗᵉ dos Montes, como dos Feytozas. Hê vivo o d.ᵒ An.ᵗᵒ Glz de Souza, e o d.ᵒ seu cunhado, que foraỏ os primr.ᵒˢ queixozos dos officiaes do Ouvidor. Sáo vivos da parcialid.ᵉ dos Feytozas os seus cabeças de toda ella q̉ he o d.ᵒ Lourenço Alvres Feytoza, e seu Irmao Fran.co Alvres Feytoza; dos Montes saỏ vivos os seus principaes cabessas, Antonio Mendes Lobato, e Fran.co de Montes. Estes cabeças de huá, e outra p.ᵗᵉ; assim Montes, como Feytozas com o q o seguiảo se achaỏ como cansados, e destruidos, quietos temendo cada hum o castigo do que tem obrado e eu deixey recomendado ao Cap.ᵃ ͫ  môr do Ciarâ Joaỏ Bau.ᵗᵃ Furtado que trabalhasse com todo o cuydado pelo pôr em pâz, e fazer amigos com algum termo, e recomendey aos parentes de huá, e outra parcialid.ᵉ a pâs, e quietaçaỏ de todos, e com isto ficaraỏ socegados, e me prometeraỏ concorreré todos p.ᵃ a pâz. Depois de chegar á Par.ᵃ e ter noticia de ter partido novo [fl. 27] Ouvidor provido por V.Mag.ᵈᵉ p.ᵃ o Ciarâ lhe escrevi pelo Comissário g.al Clemente de Azevedo pedindo o mesmo ao d.ᵒ Ministro, e requerendolhe da p.ᵗᵉ de V.Mag.ᵈᵉ senaỏ fizesse parcial, nem de huá, nem de outra p.ᵗᵉ, como o tinha feyto o seu antecessor, o qual requerim.ᵗᵒ lhe fazia como particular, Supp.ᵗᵉ vinha ainda ocupado no serv.ᵒ de V.Mag.ᵈᵉ, e me obrigava o Zello da quietaçaỏ publica, e serv.ᵒ de V.Mag.ᵈᵉ, a q.ͫ  havia de dar contas. Depois de estar em Pernambuco com a minha arribada dois mezes me dice o governador de Pernambuco Duarte Sodre Pr.ᵃ que tivera avizo de que o novo ouvidor depois de chegar ao Ciarâ tinha feyto com as duas parcialid.ᵉˢ com q̉ fizessem termo de naỏ entenderem huns com os outros. Náo interponho o meu parecer sobre perdaỏ, ou castigo, por naỏ exceder o que V.Mag.ᵈᵉ manda, e recomenda na sua Real ordem, e sô digo que havendo de castigar, parece basta castigar os primr.ᵒˢ, q juntaraỏ o Povo; e sobre o Ministro disporaỏ os do Cons.ᵒ de V.Mag.ᵈᵉ, e para total quietaçaỏ daquelles Povos, sediz lâ que tirando daquella Capitania os dous Feytozas, ou algum delles, q̉ saỏ, Lourenço Alvres Feytoza, e Fran.co Alvres Feytoza cabeças desta parcialidade, e da dos Montes, An.ᵗᵒ Mendes Lobato que tudo ficaria quieto, e se for necesr.ᵒ mais desta parcialid.ᵉ he o segundo que mais poder, e sequito tem o Coronel Fran.co de Montes Domingos Ribr.ᵒ que dizem era o mais culpado. Conformandome taỏ bem com o parecer do Governador de Pernambuco me parece escuzado a hyda de Ministro da B.ᵃ por evitar a total destruiçaỏ daquelles mi= [fl. 28] mizeraveis, e destruidos, nảo sô pelas d.ᵃˢ guerras, e destruiçoens, q̉ com elles fizeraỏ, mas tambem pelas continuadas secas, com q̉ Deos os tem castigado com mortandade de m.ᵗᵒˢ milhares, e milhares de gado. O Referido he o com que achey, e procurey saber com todo o zello, e verdade por pessoas neutraes, e dezenteressadas, e hê tambem o que chrystanm.ᵗᵉ entendi, e me parece, e melhor ponderado pelos grandes Ministros de V.Mag.ᵈᵉ mandarâ o q̉ m.ᵗᵒ for Servido. Lx.ᵃ occidental 15 de Abril de 1730. João da Maya da Gama [fl. 29]

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:
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DOCUMENTOS:
Datas de Sesmarias. Volume 2. nº 79. Fortaleza – CE: Eugenio Gadelha & Filhos, 1921.
Datas de Sesmarias. Volume 5. nº 262. Fortaleza – CE: Tipografia Gadelha, 1925.
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Arquivo Histórico Ultramarino, Conselho Ultramarino, Brasil - Ceará (1730, agosto, 30, Lisboa).
Arquivo Histórico Ultramarino, Brasil - Paraíba, 25 de janeiro de 1714: AUTO (treslado) do escrivão da Ouvidoria-geral da Paraíba, Manuel Rodrigues da Fonseca, sobre a residência de Francisco Pereira Alves, ouvidor-geral que serviu na Paraíba. AHU-Paraíba, cx. 6, doc. AHU_ACL_CU_014, Cx. 5, D. 340.
Arquivo Histórico Ultramarino, Conselho Ultramarino, Brasil – Ceará. 1738, abril, 20, Fortaleza: CARTA do desembargador Antonio Marques Cardozo, ao rei [D. Joaõ V], dando conta das sindicâncias feitas no Ceará e recomendando a prisão dos culpados das famílias dos Feitosas e dos Montes, apontados como causadores das inquietações surgidas e que causara danos aos moradores. Caixa 03, Doc. nº 190.

(Artigo publicado na Revista Itaytera nº 48, de 2019, da página 63 à 112). Por favor, citem a fonte ao utilizar este material, conforme determinação da lei de Direitos Autorais, nº 9.610/98!



[1] BRÍGIDO, João. Apontamentos para a História do Cariri. Fortaleza: Expressão Gráfica, 2007, p. 37.
[2] Este sítio mantem o mesmo nome, no município de Missão Velha. A origem deste topônimo foi registrada ainda no século XIX pelo médico carioca Francisco Freire Alemão: “Este sítio que tem um engenho (moendas de pau) do tamanho dos nossos e cujas terras são propriedade do Sr. Bernardino trazidas em dote por sua mulher, que é da família antiga dos Arnauts, tem o nome de Ossos, porque diz o Sr. Bernardino [que] aqui se deu uma peleja entre os Feitosas e Montes, permanecendo por tempo sobre a terra os ossos dos mortos” (ALEMÃO, Francisco Freire. Diário de Viagem de Francisco Freire Alemão. Fortaleza ‒ CE: Fundação Waldemar Alcântara, 2011, p. 158).
[3] THÉBERGE, Dr. Pedro. Esboço Histórico sobre A Província do Ceará. 2ª Ed. Fortaleza/CE: Editora Henriqueta Galeno, 1973, p. 144.
[4] O Sítio Emboscadas, já no século XIX, foi utilizado para fazer ciladas. No ano de 1824, por exemplo, durante a Confederação do Equador, houve confronto entre imperialistas e republicanos (THÉBERGE, Pedro. Esboço Histórico sobre a Província do Ceará. Fac-símile da ed. de 1869. Tomo II. Fortaleza: Fundação Waldemar Alcântara, 2001, p. 139). Na mesma localidade, no ano de 1832, em decorrência da chamada Revolta de Joaquim Pinto Madeira, este tentou emboscar seus adversários (THÉBERGE, Pedro. Esboço Histórico sobre a Província do Ceará. Fac-símile da ed. de 1869. Tomo III. Fortaleza: Fundação Waldemar Alcântara, 2001, p. 93). Isto tem levado alguns pesquisadores a afirmarem que o nome “Emboscadas” se deu em razão destes conflitos dos idos de 1800, no entanto, o topônimo está relacionado, na verdade, aos embates ocorridos no ano de 1724.
[5] BENEVIDES, Fernando Vasconcelos. “Abril Despedaçado” confirma a maturidade de Walter Salles. Disponível em: <http://www.clubecinema.com.br/abril-despedacado-confirma-a-maturidade-de-walter-salles/>. Acesso em 14 de maio de 2019, às 09h09min.
[6] BRÍGIDO, João. Apontamentos para a História do Cariri. Op. cit., p. 35 e 36.
[7] THÉBERGE, Pedro. Esboço Histórico sobre a Província do Ceará. Fac-símile da ed. de 1869. Tomo I. Fortaleza: Fundação Waldemar Alcântara, 2001, p. 129.
[8] FREITAS, Antonio Gomes de. Inhamuns: Terra e Homens. Fortaleza: Editora Henriqueta Galeno, 1972, p. 161 e 162.
[9] FEITOSA, Eufrásio Moreira. Histórias e Memórias, Porto da Folha e sua Gente. Porto da Folha: [s.n.], 2009, p. 63 e 64.
[10] Idem.
[11] ARQUIVO HISTÓRICO ULTRAMARINO, CONSELHO ULTRAMARINO, BRASIL – CEARÁ. 1738, abril, 20, Fortaleza: CARTA do desembargador Antonio Marques Cardozo, ao rei [D. Joaõ V], dando conta das sindicâncias feitas no Ceará e recomendando a prisão dos culpados das famílias dos Feitosas e dos Montes, apontados como causadores das inquietações surgidas e que causara danos aos moradores. Caixa 03, Doc. nº 190.  fls. 04 e 05.
[12] FILHO, Cruz. História do Ceará: Resumo Didactico. 2ª Ed. Fortaleza: Secretaria de Cultura e Desporto, 1987, p. 64.
[13] FEITOSA, Padre Neri. Feitosas e Montes: Arquivo da Família Feitosa. Canindé: Gráfica Canindé, [1998], p. 07.
[14] MACÊDO, Heitor Feitosa. Sertões do Nordeste: Inhamuns e Cariris Novos, Volume I. Crato – CE: A Província, 2015, p. 149 a 151.
[15] Idem.
[16] MARTINS, F. A. Oliveira. Um Herói Esquecido: João da Maia da Gama. Volume I. Lisboa: Coleção pelo Império, 1944, p. 11.
[17] Ibidem, p. 12 e 87.
[18] Ib., p.13.
[19] Caitoca é um mosquete raiado, comprido e com vareta de ferro, usados pelos maratas (povo da Índia meridional) das novas conquistas. Possui anéis no cano indicando o número de homens ou animais ferozes mortos, patenteando a bravura de seu portador (DALGADO, Sebastião Rodolfo. Glossário Luso-Asiático. Hamburg: Reimpressão da Ed. Original de Coimbra, 1919 - 1982, p. 174).  
[20] Martins. Volume I. Op. cit., p. 26 e 36.
[21] Ib., p. 40.
[22] Ib., p. 31.
[23] Ib., p. 43.
[24] Ib., p. 47.
[25] Ib., p. 50.
[26] Ib., p. 54.
[27] Ib., p. 59.
[28] Ib., p. 75.
[29] Ib., p. 83.
[30] Ib., p. 07.
[31] O Padre Martinho de Nantes esteve às margens do Rio de São Francisco, dirigindo missões indígenas, no final do século XVII, testemunhando muitos fatos da época. O referido padre teve contato direto com o senhor da Casa da Torre, Francisco Dias d’Ávila (o segundo deste nome), o qual julgou ser “o homem mais rico do Brasil e o melhor aparentado” (NANTES, Pe. Martinho. Relação de uma Missão no Rio São Francisco. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1979, p. 61).
[32] Há tempo, os pesquisadores se dividem sobre o fato de a família d’Ávila, titulares do Morgado da Casa da Torre, localizada na Bahia, ter sido a primeira entre os vassalos “brancos” a pedir em data de sesmaria a Chapada do Araripe e toda a área do seu entorno, incluindo as porções dos atuais estados do PE, PB, PI e, também, CE. Com base em nove documentos inéditos, chegamos à conclusão de que essa petição é verídica, contudo, tal família não conseguiu se estabelecer em toda a área do Cariri cearense, tanto por conta da resistência dos índios, no primeiro momento, como pela invasão de outros “brancos” ao local, em momento posterior (MACÊDO, Heitor Feitosa. A participação dos d’Ávila e da Casa da Torre na Invasão a Capitania do Ceará. Revista Itaytera, Nº 47. Crato/CE: Instituto Cultural do Cariri/BSG, 2018, p. 132).
[33] MARTINS, F. A. Oliveira. Um Herói Esquecido: João da Maia da Gama. Volume II. Lisboa: Coleção pelo Império, 1944, p. 27.
[34] Ibidem, p. 103 e 104.
[35] Ib., p. 10.
[36] Ib., p. 36, 37 e 53.
[37] Ib., p. 33.
[38] Ib., p. 49.
[39] Ib., p. 52 e 53.
[40] Ib., p. 68.
[41] Ib., p. 49.
[42] Aparentemente, Simão Regis é o mesmo Simão Roiz, talvez tenha havido um engano, ou do autor ou de quem transcreveu os manuscritos.
[43] MARTINS. Volume II. Op. cit., p. 17.
[44] Ib., p. 18.
[45] Ib., p. 20 e 22.
[46] João da Maia disse que o “rancho” citado ficava a duas léguas do Arraial do mestre-de-campo Bernardo Carvalho de Aguiar e que lá estava “resto dos que ficou dos Ginipapos” (Ib., p. 39).
[47] Ib., p. 41 e 42.
[48] Ib., p. 91.
[49] Ib., p. 92.
[50] Ib., p. 89.
[51] Ib., p. 94.
[52] BEZERRA, Antonio. Algumas Origens do Ceará. Fortaleza – CE: Fundação Waldemar Alcântara, 2009, p. 149 e 180.
[53] Ib., p. 164 e 165.
[54] Ib., p. 109 e 126.
[55] Manoel Rodrigues Ariosa aparece nos documentos sesmariais sendo tratado pela patente de “capitão” (Ver: Datas de Sesmarias. Volume 2. nº 79. Fortaleza – CE: Eugenio Gadelha & Filhos, 1921, p. 13 e 14). Antonio Bezerra (Op. cit., p. 108 e 126) trata-o por “capitão-mor”, o que é repetido por Irineu Pinheiro, porém, não há fundamentação sobre essa afirmativa (PINHEIRO, Irineu. O Cariri: seu descobrimento, povoamento, costumes. Fortaleza – CE: Fundação Waldemar Alcântara, 2009, p. 12).
[56] Antonio Bezerra registra o nome “Manuel Rodrigues Ariosa do Vale” (BEZERRA. Op. cit., p. 64). Com base numa carta de concessão de sesmaria feita ao capitão Manoel Rodrigues “Arioso”, no dia 11 de outubro de 1707, presumem alguns pesquisadores que este seja natural do Rio Grande do Norte, pois, segundo o documento: “... se for da prova que deu oSuplicante [Ariosa] naCapitania do Rio grande perante o desembargador...eporq pera elle suplicante retifiCar asua prova lhe he empoSivel por ter as mais destes testemunhas naCapitania do Rio grande destansia que Se Conta epor mais de sinCoenta Legoas pera adita Ribeira de Jaguaribe...” (Datas de Sesmarias. Volume 5. nº 262. Fortaleza – CE: Tipografia Gadelha, 1925, p. 43).
[57] A data do falecimento de Manuel Rodrigues Ariosa é evidenciada numa concessão de sesmaria feita em favor de José Gomes de Moura, Baltazar da Silva Vieira e Germano da Silva Saraiva, no dia 30 de setembro de 1716, na Ribeira dos Carás, nos seguintes termos: “... confrontando com o brejo seco entestadas de terras do ‘defunto’ Manoel Roiz Arioza...” (Datas de Sesmaria. Volume 10. nº 41, Fortaleza – CE: Tipografia Gadelha, 1926, p. 75 e 76).
[58] Os pesquisadores, por desconhecerem esses eventos, acreditavam que Pascoal de Brito Siqueira havia adquirido as terras da Cachoeira – Missão Velha/CE ‒ através de compra ao capitão-mor Manoel Carneiro da Cunha e aos seus herdeiros. No entanto, fica claro que Pascoal de Brito Siqueira era irmão Antonio do Brito, e, por isso, seu herdeiro (BEZERRA. Op. cit., p. 150 e 156). Ver também: BRÍGIDO, João. Ceará: Terra e Homens. Fortaleza ‒ CE: Edições Demócrito Rocha, 2001, p. 418.
[59] O nome completo do ouvidor-geral da Paraíba era Francisco Pereira Alves. Sobre este assunto, ver: Arquivo Histórico Ultramarino, Brasil - Paraíba, 25 de janeiro de 1714: AUTO (treslado) do escrivão da Ouvidoria-geral da Paraíba, Manuel Rodrigues da Fonseca, sobre a residência de Francisco Pereira Alves, ouvidor-geral que serviu na Paraíba. AHU-Paraíba, cx. 6, doc. AHU_ACL_CU_014, Cx. 5, D. 340.
[60] Um dos membros da Comissão Científica de Exploração, Francisco Freire Alemão, esteve no Cariri/CE no ano de 1859, onde conversou com o professor Bernardino Gomes de Araújo, sendo informado por este último sobre alguns episódios envolvendo os Montes e Feitosa. Segundo Francisco Freire Alemão, Bernardino disse que: “Sabe coisas de sua terra, contando certas coisas de Feitosas e Montes; disse-me que há, creio que perto de Missão Velha, um lugar chamado Tabuleiro dos Pares, porque aí estando eles, por intervenção não sabe de quem, se acomodaram” (ALEMÃO, Francisco Freire. Diário de Viagem de Francisco Freire Alemão. Fortaleza ‒ CE: Fundação Waldemar Alcântara, 2011, p. 167). Esse registro parece complementar a narrativa de João da Maia da Gama, indicando o lugar onde o acordo fora celebrado por imposição do ouvidor-geral da Paraíba.   
[61] A palavra “pertençaõ” ou “pretenção” é a forma arcaica de “pretensão”, cujo significado, no século XVIII, era “direito bem, ou mal fundado, que alguém imagina ter sobre alguma coisa” (BLUTEAU, Padre D. Raphael. Vocabulario Portuguez & Latino, O-PYT. Lisboa – Portugal: Officina de Pascoal da Sylva, MDCCXX, p. 724). 
[62] O texto original fala em “varges”, sendo equivalente a “várzea” (BLUTEAU, Padre D. Raphael. Vocabulario Portuguez & Latino, T-ZO. Lisboa Occidental: Officina de Pascoal da Sylva, MDCCXXI, p. 364).
[63] Em uma carta dirigida ao governador da capitania de Pernambuco D. Manuel Rolim de Moura, datada de 16 de outubro de 1722, o Rei de Portugal, D. João V, trata da “guerra injusta” feita aos “Tapuias Genipapos-açus”, na vila de Jaguaribe, no ano de 1720 e 1721. A perseguição aos Jenipapos teria partido do capitão-mor do Ceará, Salvador Alves da Silva, o qual havia nomeado como condutores da dita guerra o capitão Luís Pereiro, o comissário Clemente de Azevedo e o coronel Manuel de Castro Caldas. Esses índios foram atacados no lugar chamado Boqueirão, onde foram capturadas algumas mulheres e, os que conseguiram fugir, foram para a Igreja de São João, onde estava o seu missionário, o padre Antonio de Caldas Loubato, do hábito de São Pedro (THÉBERGE, Dr. Pedro. Esboço Histórico sobre A Província do Ceará. 2ª Ed. Fortaleza/CE: Editora Henriqueta Galeno, 1973, p. 130).
[64] A “carta de seguro” era uma espécie de habeas corpus e não se confundia com a “fiança”. O instituto da carta de seguro tratava da liberdade de locomoção dos indivíduos, sendo admitida, no século XVIII, por qualquer pessoa e para quase todos os crimes. As cartas de seguro eram divididas em três tipos: afirmativas ou confessativas, negativas e coartadas (AZEVEDO, Luiz Carlos de. Introdução à História do Direito. 2ª Ed. São Paulo – SP: Editora Revista dos Tribunais, 2007, p. 151 e 154).
[65] Diz o Padre Bluteau que “maneira” é a abertura da saia, loba, e outras semelhantes vestiduras, por onde se mete a mão na algibeira (BLUTEAU, Padre D. Raphael. Vocabulario Portuguez e Latino. K-NYS. Lisboa: Officina de Pascoal da Sylva, MDCCXVI, p. 288).
[66] Registra o Padre Bluteau que “segurar alguém” é o mesmo que “livrar de todo o gênero de medo” (Op. cit., p. 554). Em nossa oponião, o termo “assegurar” possui o sentido de conceder a referida carta de seguro.
[67] João da Maia da Gama usa a palavra “ultimamente”, que, no dicionário do Padre Bluteau, significa “em último lugar” (BLUTEAU, Padre D. Raphael. Vocabulario Portuguez & Latino, Q-SYS. Lisboa – Portugal: Officina de Pascoal da Sylva, MDCCXX, p. 543).
[68] Os documentos apontam que este lugar era a Fazenda Caiçara (no atual município de Missão Velha/CE) e que o citado riacho é o mesmo Rio Salgado.
[69] O antigo dicionário de Antonio Moraes Silva, publicado no ano de 1789, registra que canastra é “Especie de caixa tecida de varetas, e apáras de um pau flexivel com tampa do mesmo chata. Destas algumas são encoiradas de pelle de cabrito” (SILVA, Antonio de Moraes. Diccionario da Lingua Portugueza. Tomo Primeiro A=K. Lisboa: Officina de Simão Thaddeo Ferreira, 1789, p. 224). 
[70] BLUTEAU, Padre D. Raphael. Vocabulario Portuguez e Latino. T-ZO. Lisboa Occidental: Officina de Pascoal da Sylva, MDCCXXI, p. 215.
[71] Arquivo Histórico Ultramarino, Conselho Ultramarino, Brasil - Ceará (1730, agosto, 30, Lisboa): Consulta do Conselho Ultramarino ao rei [D. João V], sobre as ordens para que o desembargador Pedro de Freitas Tavares Pinto a ir ao Ceará executar as diligências referentes às devassas das sublevações e mortes que ali aconteceram. Anexo: parecer, informação, certidão e cartas. AHU-CEARÁ, cx. 2, doc. 46 e 47.CT: AHU_ACL_CU_017, Cx. 2, D. 117.