A Avó da Verdade, A Mãe
da Mentira: ouvir, ver e ler, mas não dizer.
Heitor Feitosa
Macêdo
Certa
feita, em casa de minha bisavó, que Deus a tenha, caí na besteira de comentar
uma matéria que havia assistido no canal Discovery Channel. Tratava-se de
abóboras transgênicas, que excediam a 100 quilogramas, verdadeiras aberrações
de difícil aceitação para a sopesada crença dos mais sensatos. No entanto, vi e
ouvi, mas foi uma pena eu não ter gravado em alguma mídia esse “incrível”
documentário.
A
minha dita bisavó, Marieta Solano, esperou compenetradamente que eu terminasse
de narrar essa bizarrice fitogênica. Finda a minha boa nova, ao entremeio do
silêncio, por poucos segundos, minha bisa replicou com grande pragmatismo
sertanejo, dizendo: “Meu filho, agora imagine quando puserem esses jerimuns em
cima do caçuá do pobre burro, ele vai pender e se escambichar no chão”. Depois
disso, deu uma grande gargalhada que contagiou todos os circunstantes,
inclusive a mim, a quem a pândega impingia engraçada descrença.
Hoje,
recaí em semelhante esparrela, apesar de já ter aprendido a lição que nem tudo
que se vê e se ouve deve ser dito. Assim, o comedimento parecia ser conveniente,
até que, noutra prosa familiar, eu, reproduzindo as letras do médico Francisco
Freire Alemão, disse que este esculápio, quando esteve no Ceará, em 1859, viu o
bacamarte do Capitão-mor do Cariri José Pereira Filgueiras, assegurando que a
arma pesava meia arroba, aproximadamente 7,5Kg.
Esse
tiro saiu pela culatra, tonando-se outro motivo de troço. Mas, felizmente,
tenho em mãos o diário desse cientista, que veio ao Ceará por determinação de
Dom Pedro II, no afã de conhecer da botânica, além das estórias e história de
nossa gente. Por pouco escapei à outra galhofa. E, sinceramente, se alguém me
contasse causo semelhante, não me conteria de dúvidas, cheio de precatado
ceticismo.
A
mentira, sem dúvida, é uma instituição social, também tendo sua serventia,
segundo a máxima “nada se perde, tudo se transforma”. Contudo, no presente
momento, passo ao largo do retoricismo do Ministro da Propaganda de Hitler, que disse “uma
mentira dita cem vezes, torna-se uma verdade”.
Igualmente não pretendo
fazer uso da “mentirinha ética”, de La Fontaine, em “O Lobo e O Cordeiro”. Mas, simplesmente dar azo ao testemunho de Francisco Freire Alemão, que, através de seu
diário, conta-nos um curioso fato dos nossos bons, burros e bravos avós,
conforme anotou João Brígido.
Portanto vale dizer, veja,
ouça e leia, mas não diga, deixe que outro o faça! Cumprindo este múnus
deblaterou o Dr. Freire Alemão sobre um dos três bacamartes do Capitão-mor José
Pereira Filgueiras (Boca da Noite, Meia-noite e Estrela-d’alva): “Hoje
trouxeram ao Lagos o cano do bacamarte Boca da Noite, do Filgueiras: pesa
seguramente meia arroba”.[1]
Além do mais, o povo também
deu notícia de haver um dos bacamartes do Filgueiras feito de bronze, verbo ad verbum: “Disse-me o Duarte que
um deles era de bronze e tão grosso o cano que se metia a mão dentro para se
tirar a bucha (mas creio que isto é história da Carocha) (...)”.[2]
É curioso e incrível, também
aparentemente engraçado, a depender das circunstâncias, mas não deixa de ser
uma verdade, pelo menos nas palavras do douto cientista. Agora, sempre que
ouço, leio e vejo, recordo do silêncio, no qual repousa a realidade. Mas isto só até
que os sentidos de outrem alcancem a luz que divisa a verdade e a mentira.