O Brasão da Família Fernandes que
está sendo, indevidamente, utilizado pela família Feitosa
Heitor Feitosa Macêdo
Há quase dez anos, publiquei
um artigo sobre um brasão que estava sendo utilizado pela família Feitosa do
sertão dos Inhamuns, no estado do Ceará, e afirmei que o referido símbolo não
havia sido conferido à família Feitosa, via o Conde da Feitosa, mas à
família Fernandes de Portugal.
O referido artigo, quem o escrevia era
um bacharel recém-formado em ciências jurídicas, em linguagem afetada, mas estribado
em fontes, as quais já atestavam que à família Feitosa não pertencia o brasão
em comento. Para quem quiser conferir tal artigo é só clicar no seguinte link:
<http://estoriasehistoria-heitor.blogspot.com/2012/08/heraldica-sertanejafeitosa-nao-tem.html>.
Como costuma acontecer, algumas pessoas
se mantiveram incrédulas e decididas a levar o uso indevido do brasão em
fâmulas que, de tão vaidosas, também se tornaram cômicas, pelo menos para o
caso daqueles que o fazem por ato consciente, ressalte-se, do ponto de vista da
heráldica.
Mas
o que me move aqui não é desconstruir e criticar a crença ou contumácia de quem
sonha ou já sonhou ter um dos pés nos castelos de Além-mar, nos salões reais
luxuosos, nas veias azuis de nobres modorrentos e arrogantes. Aliás, essa
“estória” da Corte nos sertões já permeia a imaginação de sua população desde
prístinas eras. É mania de seu povo falar em passado de riqueza e glória.
O
ideal da pesquisa sempre está à frente, e a busca pela verdade ou daquilo que
mais possa se aproximar da realidade passada é quem me serve de guia. Não sei se
estou mais certo ou mais errado que outrem, todavia, procuro não falsear minha
atividade de pesquisador aboletado no simples desejo de massagear meu próprio
ego, envaidecendo meus costados, nobilitando eurocentricamente as cunhãs do
meu DNA mitocondrial ou a africanidade que tinge de melanina o epitélio de
muitos primos e parentes.
Porém,
aquele que adentra as profundezas da pesquisa deve saber
que a razão nem sempre é capaz de convencer o imaginário. Para diversos povos,
muitas vezes, o irreal possui mais significados que o real, e, quase sempre, eles
se entrelaçam numa relação tão estreita que se torna difícil identificar suas
fronteiras.
No
percurso, ao se deparar com novas versões e fatos, o pesquisador, no exercício
de sua atividade, tem a obrigação de transmitir a possibilidade de novas
narrativas, não podendo se calar diante da rejeição e estranhamento por parte do tradicional, principalmente quando este for encetado por mera ignorância
reflexa, coisa de terraplanista. Afinal, ciência não é simples crença, muito
menos religião.
Via
de regra, o tempo e a tecnologia se encarregam de oferecer mais fontes, sendo
que, no presente, é possível apresentar ao público um documento importante e
capaz de enterrar de uma vez por toda essa história mal contada acerca do
suposto brasão da família Feitosa.
O
documento que encontrei na Torre do Tombo, Portugal, datado de 6 de fevereiro
de 1890, consiste numa resposta dada pelo escrivão do Cartório da Nobreza ao
requerimento do Conde João Manoel Fernandes Feitosa, no qual, este último, solicita
carta de “brasão de armas” (Ver: <https://digitarq.arquivos.pt/details?id=7828539>)
Apesar
de o Conde possuir o sobrenome Feitosa, o documento deixa claro que o brasão a
ele conferido estava ligado à família Fernandes, representado por mais de um
conjunto de figuras, como, por exemplo, uma águia com uma cabeça ou com cabeça
dupla, com vieiras no escudo esquartelado, elmo, etc., variações de imagens
que, atualmente, aqui no Nordeste do Brasil, os Feitosa passaram a adotar por um
equívoco difícil de ser corrigido.
Destaque-se
que nenhum dos avós portugueses do referido Conde carrega o sobrenome Feitosa,
o que tende a afastar a possibilidade de parentesco com os Feitosa daqui do
Nordeste brasileiro.
Logo,
por força da pesquisa de caráter científico, fica esclarecido que o brasão
utilizado pela família Feitosa pertence à família Fernandes.
Transcrição
Paleográfica:
Illmo
e Exmo Snr.or
Tenho
a honra de apresentar a V.Exa o/ requerimento do Conde de Feitosa
João/ Manoel Fernandes Feitosa, pedindo no-/ va Carta de Brazão d’Armas,
mencio-/ nando o Titulo, e diferentes condecoraço-/ e͂s com que foi agraciado
depois de tirar/ a primeira Carta, conforme a pratica/ estabelecida; cumpre-me
pois informar/ a V.Exa que esta pertenção é inteiramente/ regular
para ser aatendida com tudo/ V.Exa resolverá o que fôr mais
acertado./ Cartorio da Nobreza 5 de Fevereiro de 1890.
O Escrivão da Nobreza do Reino
(rubrica) [imagem 01]
[imagem 02 – em branco]
[imagem 03 – em branco]
Casa
Real/ Cartório da Nobreza/ secç 65 nº 16 [imagem
04]
Defferidos/
Paço 6 de feve/ reiro de 1890/ VM Mordomo/ mor
Senhor.
O
Conde de Feitosa João Manoel Fernandes/ Feitosa, tendo obtido Carta de Brazão
d’Armas/ antes de ser Titular, como prova pelo docu-/ mento junto; pertende que
se lhe passe no-/ va Carta egual á primeira, somente com/ a diferença do
Titulo, e d’algumas condeco-/ rações com que foi agraciado posterior-/ mente,
conforme a pratica estabelecida,/ e por isso:
Par Vossa Magestade/ Haja
por bem mandar pas-/ sar a referida Carta, como/ requer
E.R.Mes
Lisboa
5 de Fevereiro de 1890./ Como procurador/ João Capistrano dos Santos [imagem 05]
Passe
do que/ constar. Paço/ 5 de fevereiro/ de 1890/ VM Mordomo mor
Senhor.
Diz
o Conde de Feitosa João Manoel/ Fernandes Feitosa, que para fins conve/ nientes
percisa se lhe passe certidão da/ Carta de Brazão passado ao Suppte
em/ 19 de Março de 1870, e registado a fl 127 do/ Lo 9º do registro
geral dos Brazões, e por/ isso.
Par Vossa Magestade/ haja por bem
mandar pas/ sar a dita certidão
E.R.M.es
Lisboa
4 de Fevereiro de 1890./ Como procurador/ João Capistrano dos Santos
Carlos
Augusto da Silva Campos/ Escrivão da Nobreza do reino por Sua Ma-/ gestade
Fidelissima, que Deus guarde etec/ Certifico em virtude do despacho supra, que/
revendo o Livro 9º do registro geral dos Brazões/ que se acha n’este Cartorio,
n’elle encontrei/ registada a folhas 127 a Carta de Brazão de Ar- [imagem 07]
mas,
a que se refere o requerimento retro, e que/ é do theor seguinte “Dom Luiz por
graça/ de Deus, Rei de Portugal e Algarves etc. Faço sa/ ber, aos que esta
Minha Carta de Brazão de/ Armas de Nobreza e Fidalguia virem: que/ João Manuel
Fernandes Feitosa, Fidalgo Ca-/ valleiro de Minha Real Casa, Commendados da
Ordem de Nossa Senhora da Conceição/ de Villa Viçosa, e Negociante de grosso
trato/ e actualmente rezidente na Cidade do Rio/ de Janeiro, Me fez petição,
dizendo que documen-/ tos justificativos a ella juntos, se mostrava que / elle
é filho ligitimo de João Fernandes e de/ sua mulher, Dona Marianna das Dores
Fer/ nandes; neto por parte paterna de Francisco/ Fernandes e de sua mulher,
Dona Custodia/ Roza Fernandes; neto por parte materna/ de Luiz Barca, e de sua
mulher, Dona Lu-/ iza Maria Barca. E que os referidos, seus/ paes, avós e mais
ascendentes, são pessoas/ nobres da familia dos Fernandes e como/ taes, se
trataram [em face?] á Ley da
Nobreza/ com armas, creados e cavallos, sem que em tem/ po algum commetessem crime
de Leza Ma-/ gestade Divina ou Humana. Pelo que [imagem 08]
Me
pedia elle supplicante por Mercê que pa/ ra a memoria de seus progenitores se
não perdes, e/ para clareza de sua antiga nobreza, lhe Mandasse/ dár Minha
Carta de Brazão d’Armas das ditas/ famílias para d’ellas tambem usar, na forma
que/ as trouxeram e foram concedidas aos ditos seus pro/ genitores. E vista por
Mim a dita sua petição/ e documentos e constar de tudo o referido, que a elle,/
como descendente das mencionadas famílias lhe/ pertence usar e gozar de suas
Armas, segundo o/ Meu Regimento e Ordenação da Armaria, lhe/ Mandei passar,
esta Minha Carta de Brazão/ della na forma que aqui vão brazonadas, deviza-/
das e illuminadas com cores e metaes, segundo se/ acham registadas no Livro do
registo das Armas/ da Nobreza e Fidalguia d’estes Reinos, que tem o/ Meu Rei
d’Armas Portugal; a saber: Um escudo/
com as Armas dos Fernandes que são esquarteladas; no/ primeiro quartel em campo
de ouro, uma aguia negra/ de duas cabeças, armada de vermelho com um crescente/
de prata nos peitos, no segundo em campo sanguinho tres escudetes de prata,
carregado cada um, de sua/ cruz sanguinha, postas em roquete; no terceiro,
tambem/ em campo sanguinho, um castello de prata; e o quar/ to, no mesmo campo
vermelho, tres vieiras de prata [imagem
09]
postas
em roquete. Elmo de prata aberto guarneci/ do de ouro. Paquife, dos metaes e
cores das Armas./ Timbre, uma aguia negra, nascente, de uma só ca/ beça, com um
escudete das Armas no bico, pendu/ rado por um torçal sanguinho. E por
diferença/ uma brica azul, com um bezante de prata. O qual escudo e Armas
poderá trazer e usar tão somente/ o dito João Manuel Fernandes Feitosa, assim
como/ as trouxeram e usaram os ditos nobres e antigos/ fidalgos seus
antepassados, em tempo dos Senhores/ Reis Meus antecessores, e com ellas,
poderá/ exercitar todos os atos lícitos da guerra e da/ paz. E assim mesmo os
poderá mandar esculpir/ em seus firmaes, anneis, sinetes e divisas, põl-as em/
suas baixellas, reposteiros, telizes, casas, capelas e mais/ edifícios e
deixal-as gravadas sobre sua própria/ sepultura; e finalmente se poderá servir,
honrar, go/ zar e approveitar d’ellas em tudo e por tudo co-/ mo á sua nobreza
convém. Como que quero e/ Me Praz que haja elle todas as honras, privilegios,/
liberdades, graças, mercês, izençoens e franquezas, que/ hão e devem haver os
fidalgos e nobres de antiga/ linhagem e como sempre de tudo usaram e goza-/ ram
os ditos seus antepassados. Pelo que Mando/ a todos os juízes e mais justiças d’estes
Reinos [imagem 10]
e
em especial aos Meus Reis de Armas, Arautos e/ passavantes e a quaesquer outros
officiaes e pesso/ as a quem esta Minha Carta fâs mostrada e/ a conhecimento
d’ella pertencer, que em tudo lha/ cumpram e guardem e façam inteiramente cum-/
prir e guardar como n’ella se contem sem duvi-/ da nem embargo algum, que a
ella seja posto por/ que assim é Minha Mercê. El-Rei o Man-/ dou pelo Duque de
Saldanha, Seu Mordomo-/ mor. Pagou na Recebedoria da receita eventual/ do
Districto de Lisboa, a quantia de cento e oiten-/ ta mil reis de direitos de
Mercê, sendo-lhe a-/ bonados vinte mil reis em virtude do benefício/ concedidos
pelo artigo segundo da carta de Ley/ do primeiro de julho de mil oito centos sessenta/
e sete, e satifez mais quarenta mil reis, de im/ posto de viação, como mostrou
pelo recibo de talão/ numeros, oitocentos e dezenove, datado de dezesseis do/
corrente. Henrique Carlos de Campos, Escrivão/ da Nobreza d’estes Reinos, e seus
Dominios, a/ fez em Lisboa aos dezenove de Março de mil/ oito centos e setenta
= E eu Henrique Carlos de/ Campos a fiz escrever e subscrevi = Duque Mor-/
domo-mór, o Rei d’Armas, Portugal – Joaquim/ José Valentim = E eu Henrique
Carlos de [imagem 11]
Campos
a fiz registrar e assignei = Henri-/ que Carlos de Campos.//_ Nada mais/ se
continha, no dito registo, do qual extrahi/ a presente certidão, que vae
assignada, pelo/ Escrivão Ajudante, no meu impedimento/ Cartorio da Nobreza 6
de fevereiro de 1890,/ E eu Francisco de Paula da [Silva?] Campos, Escrivão aju/ dante, a subscreveu, e assinou.
Francisco
de Paula da [Silva?] Campos [imagem 12]