O ABRAÃO
CRATENSE: CORONEL MAÍNHA
Heitor
Feitosa Macêdo
Coronel José Francisco Pereira Maia, coronel Maínha (Fonte: Álbum do Seminário do Crato). |
Assentamento de batismo do coronel José Francisco Pereira Maia (Fonte: Departamento Histórico Padre Antonio Gomes de Araújo, Crato/CE). |
O português Francisco Pereira Maia Guimarães, certamente,
recebeu como dote de sua esposa uma faixa de terra regada por nascentes no
Sítio Fábrica, cabeceiras do Rio Carás (no município do Crato), onde, em 1829,
possuía um engenho corrente e moente,
isto é, movido por água e por tração animal, respectivamente. Um pouco antes,
no ano de 1817, este patrício havia tomado parte na Revolução Pernambucana, porém, com a Guerra de Independência, em 1822, o ódio aos portugueses havia se
alastrado, passando os lusitanos a serem tratados com violência, fato que deve
ter contribuído para o seu retorno a Portugal.
Mesmo tendo seu pai regressado à Europa, José Francisco
Pereira Maia continuou no Brasil, residindo no Sítio Monte Alegre, na Região do Cariri cearense, onde era dono de muitos imóveis rurais, possuindo várias
propriedades no Crato, a maioria delas, praticamente, dentro da mesma área que
seu trisavô, José Pereira Aço, havia senhoreado no século XVIII, às margens da
ribeira do Carás. Estando entrelaçado à família Alencar e, consequentemente, à
causa republicana, o clã a que pertencia Maínha findou se envolvendo nas
tragédias político-familiares da era de 1800. Explica-se!
O coronel Joaquim Pinto Madeira, chefe político na Vila de
Jardim/CE, havia se colocado do lado oposto à família Alencar e à República,
inclusive tendo realizado a prisão de alguns de seus integrantes durante as
turbulências de 1817. Mas o que isso tem a ver com o coronel Maínha?
A Revolta do Pinto,
ou Revolta de Pinto Madeira, ou,
ainda, Revolta Restauradora Caririense,
frutificou de divergências políticas e pessoais. Na esfera política, ligava-se
ao ideário defendido por Pinto Madeira, em trazer D. Pedro I de volta ao trono
do Brasil (depois do episódio da abdicação), plano arquitetado pelos
Restauradores. Já na esfera pessoal, o antagonismo havia sido gerado por
intrigas particulares, que iam desde a vexação pelo cárcere às mortes praticadas
nos tempos das lutas de 1817 e 1824 (sendo esta última data marcada pela Confederação do Equador).
Joaquim Pinto Madeira, entre os anos de 1831 e 1832,
comandando milhares de cabras armados, principalmente de cacete, deflagrou a
dita revolta, dominando boa parte do Cariri, no entanto, terminou sendo preso e
remetido para os cárceres do Maranhão, donde fora, finalmente, reenviado ao
Ceará, para ser julgado pelos crimes políticos cometidos durante a rebelião. Quando
o coronel Pinto Madeira foi transferido para o Ceará, em 1834, José Martiniano
de Alencar já exercia o cargo de presidente desta província (governador), e não
hesitou em fazer remessa do dito preso para o Crato, onde foi imediatamente submetido
ao Tribunal do Júri.
Cabe salientar que, além do juiz que presidiu o dito júri,
muitos dos jurados que faziam parte do Conselho de Sentença possuíam
consanguinidade com a família Alencar, estando igualmente ligados por algum
vínculo de parentesco ao Coronel Maínha, sendo eles: Antonio Ferreira de Lima
Sucupira, o capitão Romão José Batista, Raimundo Pedroso Batista e José
Ferreira Castão.
Maínha atuou diretamente na execução da sentença, tendo
negociado a permuta de enforcamento por morte mais honrosa, o fuzilamento, sob
o argumento de Pinto Madeira ter sido coronel de milícias. Conta-se também que,
no alto do Barro Vermelho (no tope da atual ladeira Duque de Caxias, Bairro
Pinto Madeira, em Crato, nas imediações da Cruz do Século), onde estava erguida
a forca feita de aroeira, o Coronel Maínha aproximou-se do condenado para lhe oferecer
um lenço, a fim de que cobrisse o rosto no instante dos disparos, todavia, este
recusou a oferta, dizendo em tom de soberba: eu também tenho.
Ainda se discute de quem teria sido a culpa do Assassínio
Jurídico de Pinto Madeira. Alguns acusam José Martiniano de Alencar, outros
apontam José Vitoriano Maciel e uma parcela indica José Francisco Pereira Maia,
o qual, na opinião de Eusébio de Sousa, foi a
alma de toda essa tragédia. Todavia, o padre Antonio Gomes de Araújo,
acertadamente, pondera que o coronel Maínha era apenas um dos responsáveis pela comédia sinistra que liquidou o coronel
Joaquim Pinto Madeira.
Deve ser ressaltado que José Francisco Pereira Maia,
ombreando-se a boa parte de seus primos, exerceu vários cargos públicos, pois
era coronel da Guarda Nacional, foi delegado de polícia no Crato (demitido em
21 de julho de 1847); juiz ordinário; prefeito interino; vereador; 1º suplente
de juiz municipal; deputado provincial nos biênios: 1838 a 1839, 1850 a 1851 e
de 1864 a 1868; e, além disso, também recebeu a comenda de Cavaleiro da Ordem
da Rosa e do Cruzeiro. Saliente-se que, na vida política, nota-se que o Coronel
Maínha não fazia apenas o tipo vingativo e beligerante, mas também paternalista
e populista, deixando como sua marca o chavão: eu sou do povo e o povo me pertence.
A vida pessoal deste indivíduo foi um tanto conturbada, isso
porque depois de ter se casado com Clara Bezerra Monteiro, foi visitar o pai em
Portugal, levando sua filha Josefina Pereira Maia (que, mais tarde, veio a se
casar com José Romão de Norões). Ao retornar ao Cariri, Maínha soube da traição
conjugal da esposa, de quem se apartou definitivamente.
Daí terminou se amasiando com nove mulheres, dentre elas
cinco tias do padre Cícero Romão Batista, irmãs de dona Quinô (Raimunda,
Antonia, Donana, Terezinha e Ázia Ferreira Castão − primas do Coronel Maínha).
Com estas mulheres e outras mais gerou uma prole imensa, de 74 filhos, o que
lhe valeu a alcunha de Sábio Abraão
cratense (Ver: Padre Antonio Gomes de Araújo, Povoamento do Cariri, p.
118), em alusão ao personagem bíblico, cujo nome, de origem hebraica, significa
pai de muitos.
Por fim, o Coronel Maínha, chefe do partido liberal do Crato,
prolífero, polêmico e político, faleceu em sua cidade natal no dia 22 de
setembro de 1880, aos 76 anos de idade.
Nota do trigésimo dia do falecimento do coronel José Francisco Pereira Maia (Fonte: jornal Cearense, dia 09 de outubro de 1880). |