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domingo, 30 de dezembro de 2012

FAMÍLIA FEITOSA: ORIGEM


                    FAMÍLIA FEITOSA: ORIGEM
                                                                                             
                                                                                   Heitor Feitosa Macêdo

            Dentre as várias famílias do Brasil, algumas formam grandes aglomerados de interação, mantendo características bastante típicas de seus hábitos e costumes, por conseguinte, conservando em seu seio a tradição histórica ao longo dos séculos de ocupação, sendo isto também observado na família Feitosa, fato que implica diretamente no deslinde de sua origem.

1. Quadro Geral no Nordeste do Brasil
O povoamento e o desbravamento do território brasileiro fizeram-se a partir da empresa perpetrada pelos clãs familiares vindos da Europa, os quais, na companhia dos índios, abriram sendas pela imensidão continental brasílica.
         Esses grupos ao chegarem à América já eram mestiços[1], trazendo tanto o sangue europeu, dos lígures e nórdicos, quanto os genes mouriscos dos sarracenos[2]. E ao desembarcarem no Novo Mundo encontraram o substrato para produzir súditos suficientes à empreitada colonizadora, o ventre indígena.
As caboclas e cunhãs atraíam os olhos e cobiça dos descobridores, com suas “vergonhas” à mostra, ao passo que a hospitalidade libidinosa dos hábitos indígenas permitia aos visitantes a companhia das jovens que lhes aprouvesse.   
         A cor acobreada dos autóctones não era empecilho à procriação legal dos luso-brasileiros, pois os matizes brônzeos foram desde muito uma constante entre os povos do Velho Continente. Logo, nos primeiros anos de ocupação o governo português tratou de legalizar o casamento com os ameríndios através do alvará do ano 1755[3].
         Essa miscigenação deu origem às principais famílias brasileiras, inclusive às mais aristocráticas, desdobrando-se, no Nordeste, em quatrocentões como os Garcia D’Ávila, os Guedes de Brito, os Albuquerque Cavalcante, os Albuquerque Maranhão, os Holanda Cavalcante, os Correia Holanda dentre outros. Sendo que a cada clã atribuía-se o domínio sobre determinada região. Desta forma, o espaço geo-político-social estava dividido entre alguns grupos familiares.
         Durante os primeiros séculos de ocupação, grande parte do Nordeste brasileiro e uma porção de Minas Gerais estavam divididas praticamente entre duas famílias, de um lado os Guedes de Brito, senhores da Casa da Ponte, que dominavam desde a Capitania da Bahia até o curso superior do Rio São Francisco, nas Minas Gerais; do outro lado estavam os Garcia D’Ávila, donos do solar da Casa da Torre, estendendo seus domínios desde a Bahia a outras capitanias do Nordeste como a de Pernambuco, Piauí e Maranhão.[4]
         Essa legião de ricos e afidalgados mamelucos desempenhou o papel principal no povoamento brasileiro, sobrepondo-se aos outros biótipos mais trigueiros em que a cor da pele per si impunha automática segregação, inclusive a outros mamelucos que não fossem abrasonados. Aqueles desejavam conquistar e possuir a terra, igualmente galgando mão de obra acessível e barata, tanto para fomentar suas riquezas, quanto para fortalecer seus exércitos na defensa da propriedade ou mesmo para expandi-la. Desta forma a propriedade privada, a família numerosa e o militarismo foram a célula mater na formação das altas castas da sociedade brasileira propriamente dita.

Provável itinerário dos primeiros membros da família Feitosa.
Durante os dois primeiros séculos depois do descobrimento, o povoamento restringiu-se à costa brasileira por motivos substanciais, devendo-se ao entrave criado pela difícil transposição fitogeográfica, em conta dos acidentes morfológicos e das cheias nas bacias hídricas; no mais, outro estorvo a essa marcha centrípeta se deu pela aspereza dos animais nativos, e, principalmente, pela resistência dos índios mais selváticos, que embaraçavam a ocupação alienígena através das cruentas e imprevisíveis guerrilhas indígenas, como a Guerra dos Bárbaros e a Confederação dos Cariris.
         No entanto, em meados do fim do século XVII, a corrida pelos sertões ganhou corpo, porque com o aumento do contingente luso-brasileiro possibilitou-se a invectiva sobre os horizontes interioranos.
         As correntes migratórias no Nordeste brasileiro seguiram duas grandes vertentes, primeiro a oriunda de Pernambuco, sertão de fora, a segunda da Bahia, sertão de dentro.[5] Estas, divergindo para vários pontos, alcançaram o sertão do Icó, primeira parada dos Feitosa depois de migrarem da Capitania de Pernambuco, contudo, é necessário analisar a trajetória que antecedeu esse deslocamento.

2. Antes de Chegar ao Ceará    
As duas principais fontes da ciência histórica são a tradição oral, fonte secundária, e os documentos, fonte primária, sendo a tendência moderna considerá-los conjuntamente face à sua maior força probante, em que um complementa o outro, cimentados pela interpretação histórica.
         Desta maneira convém pormenorizar as principais afirmativas que pretendem levar ao deslinde da primeva origem da família Feitosa, não havendo a intenção de preterir versões já consolidadas, mas, apenas, aperfeiçoá-las quando possível através da (re)interpretação dedutiva dos documentos e fatos trazidos à lume até o presente momento.

2.1. Os Principais Escritores      
A primeira notícia escrita que atravessa o Atlântico com o nome dos Feitosa é carreada pelos informes oficiais da Coroa portuguesa, a dar notícia a este governo dos levantes e motins em que alguns membros da família Feitosa participavam como principais cabeças dessa sublevação. Esse evento tomou relevância no ano de 1724, quando a contenda alcançou o seu ápice, e daí por diante esse acontecimento ficaria vivo na memória popular, servindo de substrato ao folclore regional.  
Posteriormente, outro relato sobre a família Feitosa correria o mundo, a despeito de sua carga generalista e pejorativa, constante de uma publicação feita no ano de 1816 (no livro Travels in Brazil). Esta descrição coube ao viajante Henry Koster, que, vindo da Inglaterra tratar-se de tuberculose, desembarcou no Brasil no início do século XIX, e no ano de 1810 foi até o Ceará, mas restringindo-se ao litoral. Aí, certamente, colheu informações das mais diversas nuances sobre essa parte do Nordeste brasileiro, chegando a seguinte conclusão: “Os Feitozas são descendentes de europeus, mas, muitos dos ramos têm sangue mestiço e possivelmente raros são os que não teriam a coloração dos primitivos habitantes do Brasil”.[6]
Paralelamente, o inglês Robert Southey foi responsável por escrever a primeira história geral do Brasil, em três volumes (o primeiro em 1810, o segundo em 1817 e o terceiro em 1822), noticiando no último volume de sua obra o mesmo fato narrado por seu amigo, Koster, a respeito dos Feitosa, em nada variando.[7]
Depois disso, coube aos cronistas pátrios, ainda no século XIX, aprofundar as primeiras afirmações a respeito da família em comento, destacando-se João Brígido dos Santos, Pedro Théberge, Tristão Gonçalves de Alencar Araripe e Bernardino Gomes de Araújo. Estes escritores abeberaram-se, principalmente, nas fontes orais, pois ainda era viva a tradição sobre os percalços havidos, sobretudo, na célebre Guerra de Montes e Feitosa, ocorrida em meados de 1724.
Observa-se que toda a obra dos sobreditos escritores se restringe a escarafunchar apenas a fase em que os Feitosa, especificamente os dois irmãos (Lourenço e Francisco), já estavam estabelecidos na Capitania do Ceará Grande, oferecendo parcos subsídios sobre a estada destes nas outras Capitanias.
Diz João Brígido que os primeiros membros da família Feitosa que chegaram ao Ceará haviam migrado de Serinhaém/PE, e que “seguramente” chegaram os mesmos pela Estrada da Formiga, “velhíssima fazenda do Rio do Peixe” circunscrita pela Paraíba[8].
Isto é reforçado por Pedro Théberge, ao asseverar que os Feitosa teriam vindo do Engenho Currais de Serinhaém, depois de terem se envolvido na Guerra dos Mascates, por isso fugindo para o Ceará, fixando-se nas proximidades do Icó[9]. Ainda, no Sítio Currais de Serinhaém, no dia 26 de março de 1719, a mulher do Comissário Geral Lourenço Alves Feitosa (Antônia de Oliveira Leite) encontrava-se hospedada.[10] Além disso, Théberge salientou haver procuradores da esposa de Lourenço em Penedo/AL, os Capitães Manuel Ferreira Ferro e João Ferreira Ferro.[11]
Em nada varia a versão escrita por Tristão de Alencar Araripe, contemporâneo dos dois autores sobreditos, demonstrando haver um intercâmbio entre os mesmos[12]. Quanto a Bernardino Gomes de Araújo, coube a ele registrar importantes fatos relacionados à família Feitosa, na obra Crônica de Missão Velha, que infelizmente não resistiu ao tempo, sendo hoje completamente incógnita ou extinta.
No terceiro momento, os escritores do final do século XIX e início do século XX preocuparam-se em negar o que já havia sido registrado por seus predecessores, aproximando-se mais da exatidão documental, ao molde positivista. Esse período é encabeçado por Antônio Bezerra (o pai da história cearense) e pelo Barão de Studart.
O axiomático Antônio Bezerra diz que os Feitosa eram provenientes da Capitania de Pernambuco, tendo adentrado o interior desta “por ocasião da Guerra com os Holandeses”, e “parecendo” já terem vindo de Serinhaém.[13] Pelo menos nesse ponto não discordou dos outros escritores que lhe antecederam.
Assim, os autores mais abalizados e mais antigos são acordes em considerar Serinhaém/PE como o lugar de origem dos primeiros membros da família Feitosa emigrados para o Ceará.
Complementarmente, os escritores contemporâneos apontam outras estadas dessa família antes mesmo de se fixarem em Serinhaém, demonstrando outras Capitanias como o primeiro berço dessa gente. Esse quarto momento é representado principalmente por Pedro Tenente, José Alves de Figueiredo, J. de Figueiredo Filho e Leonardo Feitosa.
Pedro Tenente (Pedro Gonçalves de Morais, nascido em 1869) era descendente de um dos velhos troncos da família Feitosa que se alocou nas cercanias do Riacho do Machado, em Várzea Alegre, e, apesar de analfabeto, registrou graficamente a tradição que permeava nas mentes da época. Desta forma, segundo o autor, o ancestral mais remoto da família em pauta era o português João Alves de Lima da Feitosa, o que não parece ser impossível, porém pouco provável, já que a obra de Pedro Tenente é praticamente uma ficção romântica, longe da realidade documental.[14]  
O escritor José Alves de Figueiredo, também descendente da família Feitosa, ao falar sobre as origens de Santana do Cariri/CE, antigamente chamada de Brejo Grande, revela que foram João Alves Feitosa e José Alves Cavalcante, em fins do século XVII, quem “lançaram os fundamentos dessa localidade”.[15]
O filho deste escritor, o historiador J. de Figueiredo Filho, alinha-se com o pai, porém limita-se a fazer apenas a transcrição do conteúdo da Enciclopédia dos Municípios Brasileiros (XVI Volume, Rio, 1959), que diz:[16]
Segundo a tradição os primeiros povoadores do município foram os irmãos João Alves Feitosa e José Alves Cavalcante; cessionário da data de Tapera, que aqui aportaram no último quartel do século XVII, procedentes da Casa da Tôrre, Subindo o curso do rio Cariús, instalaram-se nas margens do riacho Brejo Grande, edificando uma capela sob a invocação de Nossa Senhora Santana, no mesmo local onde atualmente se ergue a igreja Matriz. Habitava a região a tribo guerreira dos Buxuxés, nos limites com Pernambuco.
Leonardo Feitosa também registrou a tradição que corria de boca em boca no seio daquela família, dizendo ele que, quando criança, uma das duas histórias mais disseminadas era a de que o português João Alves Feitosa teria vindo de uma ilha chamada Feitosa, versão refutada pelo próprio autor. A segunda versão afirmava que o mesmo português, João Alves Feitosa, era natural da Província do Minho, em Portugal, o que fora mais aceito depois de se saber da existência de uma Vila em Portugal também chamada Feitosa.[17]
Além disso, Leonardo acrescenta que João Alves Feitosa, emigrado para o Brasil na primeira metade do século XVII, teria se casado com uma das filhas do Coronel Manoel Martins Chaves, sendo este rico senhor da “capela do Buraco, depois Porto da Folha, lado Sergipe”, contudo, sem apontar a fonte de embasamento para essa sua afirmação.

2.2. A Redescoberta de um Antigo Livro de Genealogia
A publicação “completa” da obra de Borges da Fonseca (*Recife: 25/02/1718 - + Olinda: 09/04/1786), Nobiliarquia Pernambucana, trouxe à tona uma série exaustiva de parentescos das gentes de Pernambuco. Este estudo genealógico foi resultado de 29 anos de pesquisa (de 1748 a 1777), porém sua primeira publicação só fora feita em 1883, de forma incompleta. Já a segunda publicação deu-se no ano de 1935, mas, infelizmente, o conteúdo original já não mais existia em sua integralidade.
Mesmo assim, esse compêndio de Borges da Fonseca foi suficiente para esclarecer as afirmativas em pauta, merecendo crédito de verdadeiro pelo fato de o autor ter se esmerado por anos a realizar entrevistas com pessoas da época e consultas a antigos documentos.
Sobre a origem dos Feitosa, essa mesma obra é repetitiva em dizer que tal família é oriunda do Rio São Francisco, pois tanto o Capitão Mor dos Cariris Novos Pedro Alves Feitosa[18], quanto o Coronel de Cavalaria dos Inhamuns Manoel Ferreira Ferro[19], e os seus pais, o Coronel de Infantaria Francisco Alves Feitosa e sua “primeira esposa”[20], Catarina da Rocha, teriam todos estes nascido no Rio São Francisco.

2.3. Os Documentos
Considerando o sobredito, o Rio São Francisco fora o domicílio dos Feitosa antes de chegarem a Serinhaém. Entretanto, falta saber em que parte do Rio eles se estabeleceram. Nesse sentido os documentos são esclarecedores, indicando Penedo como o lugar do nascimento de Ana Gonçalves Vieira, filha do Coronel Francisco Alves Feitosa:[21]
“Aos vinte e seis de julho de mil setecentos e sessenta e três, pelas onze horas da manhã, na capela de Nossa Senhora da Conceição do Cococi, filial desta Freguesia de Nossa Senhora do Monte Carmo dos Inhamuns, feita as denunciações na forma do Sagrado Concílio Tridentino na Capela de São Mateus que as vezes faz de matriz, na capela do Cococi onde os contraentes  são naturais e moradores sem se descobrir impedimento algum sendo dispensados no segundo grau de consanguinidade pelo Exm.º e Revm.º (Visitador) como consta do mandado de casamento e certidão de banhos que em meu poder ficam, de licença minha, na presença do Reverendo Marcelino Soares da Veiga, sendo presentes por testemunhas o Coronel Francisco Alves Feitosa e José Alves (Feitosa, 1º), pessoas conhecidas e outras muitas, se casaram solenemente por palavras de presente Eufrásio Alves Feitosa, natural desta Freguesia, filho do Sargento-mor João Bezerra (do Vale), já defunto, natural de Tracunhém e de Ana Gonçalves Vieira, natural de Penedo, neto materno do Alferes Antônio Bezerra, natural de Tracunhém, ignora os avós maternos, com Josefa Vieira (Ferreira) de Barros, natural desta Freguesia, filha legítima de Antônio Pereira (do Canto), já defunto, natural de Penedo e de Antônia de Barros, natural da Mocha (fazenda Mocha, Piauí), ignora os avós e logo se lhes deram as bênçãos conforme os ritos e cerimônias da Santa Madre Igreja de que eu Cura Sebastião da Costa Machado fiz este assento quando se me foi entregue aos dezesseis de setembro do dito ano que por verdade me assinei. Sebastião da Costa Machado – José Alves Feitosa – Francisco Alves Feitosa”
            Além disso, outras pessoas ligadas à mesma família haviam migrado de Penedo, como, por exemplo, o Antônio Pereira do Canto, filho da primeira esposa do Coronel Francisco (Catarina Cardosa da Rocha Rezende Macrina). De Penedo também veio a família Montes, os Mendes Lobato, os Martins Chaves etc. Não restando dúvida de que a Família Feitosa esteve em Penedo/AL antes mesmo de chegar a Serinhaém/PE.
         Outro documento gritante acerca da trajetória desse clã diz respeito a duas porções de terras dadas aos “primeiros” membros dessa família no final do século XVII, no interior da Capitania de Pernambuco. Na primeira concessão, localizada nas proximidades de Serra Talhada[22], ocorrida no ano de 1680, constam os nomes de Lourenço Álvares Feitosa e do Capitão João Álvares Feitosa[23]. A segunda é datada de 1682, registrando também os nomes desses dois indivíduos.[24] Esta última, possivelmente localizada na “Cachoeira de Paulo Afonso para baixo”, conforme o testamento de Francisco Alves Feitosa.[25]
         Outro documento que explicita a naturalidade dos Feitosa é do punho do Desembargador Antônio Marques Cardoso, que, ao dar conta ao Rei Dom João V, em 20 de abril de 1738, sobre a “guerra civil de 1724” no Ceará, assinala:[26]
E para se evitarem as inquietaçỏes, que pella experiencia do passado, se pòdem recear, me parece representar, que se mandem privar de quaisquer postos da Ordenança maiores; ou menores todos os parentes das dittas famílias de Montes, e Feytozas, porque estes em qualquer tempo, tem tambem a experiencia mostrado, hảo de tomar vingança de q.ᵐ presumirem culpou aos seos das mesmas famílias, e assim o chegarảo a fazer estes todos, que de pres.ᵗᵉ se achảo culpados, lembrados das competências; que seos ascendentes entre sy tiverảo no Rio de Sam Fr.ᶜᵒ; donde os dittos vierảo para esta Capitania, e que da devassa, que tirey das sublevaçỏes da ditta Ribr.ᵃ do Jaguaribe, assim consta, e a seu tempo se farà pres.ᵗᵉ 
            Quanto à permanência dos Feitosa em Porto da Folha/SE, como é apontado por alguns escritores, não é improvável, em vista da pequena distância que separa essas duas localidades, e, para complementar, há a evidência de atualmente ainda ser numerosa a família com o mesmo sobrenome, domiciliada nesses dois lugares. Todavia, para assegurar essa “hipótese” é necessário recorrer aos documentos que possam definitivamente comprovar essa conjectura.

3. A Trajetória na Capitania do Ceará
            Até agora só há comprovação de terem vindo para o Ceará os dois filhos de João Álvares Feitosa, chamados Lourenço Alves Feitosa e Francisco Alves Feitosa, os quais adentraram a Capitania do Ceará no primeiro decênio do século XVIII.
         O Sul do Ceará fora a primeira parada, conforme a prática e a disponibilidade das estradas da época para quem vinha dos estados circunvizinhos como a Paraíba e Pernambuco.
         O Icó polarizava toda a emigração que se dirigia a esses rincões, constituindo-se no primeiro e mais importante povoamento abaixo do litoral, circunscrevendo o alto e o médio Jaguaribe. Devendo-se essa proeminência grandemente a proximidade com Cabrobó, no Rio São Francisco, sertão que já havia sido dominado pela Casa da Torre, donde se estendiam os tentáculos dos sertanistas.
         No final do século XVII, nos Sertões dos Icós, uma leva de curraleiros se estabelecera, sendo conhecida como a Data dos Homens do Rio São Francisco e a Data dos Homens do Rio Grande do Norte, requeridas no ano 1682. Nesta, estão presentes os Ferreira da Fonseca, os Ferreira Nogueira, os Nogueira Lima e os Montes, todos ligados aos Feitosa, na paz e na guerra.
         Frise-se que o Coronel Francisco Alves Feitosa se casou com uma viúva pertencente à família Montes, por nome Isabel de Montes Silva, sendo sua “segunda esposa”[27], com quem teve duas filhas. Por isso, há presunção de que os dois irmãos Feitosa tenham primeiramente apeado no Icó.
         Corroborando essa hipótese, Francisco e Lourenço requerem a sua primeira sesmaria no dia 26 de janeiro de 1707[28], nas proximidades do Icó, mais precisamente no Riacho Vocorô ou Vocoró, depois chamado de São João (hoje, formando por seu represamento, o açude Lima Campos[29]), junto a Serra dos Boqueirões, onde habitava os índios Joquoyû (jucá). Esse local corresponde atualmente ao distrito de Alencar, na cidade do Iguatu.[30]
         Posteriormente, Lourenço se dirige ao extremo Sul da Capitania, e no sopé da Serra do Araripe ganha outra sesmaria (em 20 de julho de 1710), no Riacho dos Porcos que nasce na dita “Serra”. Não satisfeito faz outras petições, frequentemente entre o Icó e os Cariris Novos até 1719, daí em diante, assenhoreando-se das terras hoje compreendidas pela cidade do Iguatu descamba para os Inhamuns, tomando posse de direito neste último lugar no ano de 1720.
         Em 1722 vai ao Norte da Capitania, até às nascentes do Acaraú, reivindicar mais terra. Depois retorna à porção meridional do Ceará, fazendo suas duas últimas petições no dia 13 de março de 1724, uma no Inhamuns e outra novamente na falda da Serra do Araripe, região atual e parcialmente compreendida entre Barbalha, Crato e Santana do Cariri.
         Lourenço cumulara 22 datas de sesmarias, enquanto a modéstia de seu irmão mais moço, Francisco, se satisfizera com apenas cinco[31]. Em vista disso, excetuando-se o Acaraú, o latifúndio dos Feitosa fora consolidado entre a secura dos torrões dos Inhamuns e o vicinal oásis caririense.
         No entanto, apesar das circunstâncias naturais mais favoráveis no Cariri, os dois irmãos passam a residir definitivamente a Oeste da Capitania, após a Guerra Civil protagonizada por eles em decorrência, principalmente, de limites fundiários.
         Assim, para manter distância das autoridades coatoras e de seus contendores, residentes no Cariri, dirigem-se aos Inhamuns com animus de residir naquelas vastidões semiáridas, longe das perturbações vingativas de seus antagonistas que já lhes tinham tirado as vidas de seus primogênitos.[32]
         Desta forma, no sertão dos Inhamuns, Francisco Alves Feitosa inicialmente se alocara à margem direita do Rio Jaguaribe, na Fazenda Barra do Jucá (posteriormente, Fazenda Igreja Velha). Esta fazenda ficava aproximadamente a uma légua (de sesmaria) de distância da atual cidade de Arneiroz. Contudo, Francisco rumou para o Oeste, deslocando seu domicílio para a Fazenda Cococi, onde edificou uma capela mais elaborada, diferentemente da primeira feita na Barra do Jucá, em taipa.[33]
         Quanto a Lourenço, pretendem alguns[34] ter ele estabelecido sua residência na Fazenda da Serra (foz do Rio Jucá), nas proximidades da morada de seu irmão, sendo uma probabilidade ávida de certificação, pois esse rico latifundiário possuía fazendas espalhadas por duas Capitanias.  

4. O Primeiro Feitosa do Nordeste e sua Naturalidade
            Atualmente é aceito que o primeiro foi o Capitão João Álvares Feitosa, que seria natural da Vila da Feitosa, em Portugal. Contudo essa afirmativa é sustentada em simples presunção, carecendo de fontes que melhormente elucidem essa hipótese.

5. O Primeiro Patriarca dos Feitosa no Ceará
            Decerto, o primeiro pater familias dos Feitosa no Ceará foi o Coronel Francisco Alves Feitosa, pois o seu irmão, Lourenço, apesar de ter se estabelecido na Capitania do Ceará Grande não prosperou em sua descendência, pois o único filho que teve com Dona Antônia de Oliveira Leite, o Coronel Lourenço Alves Penedo e Rocha, morrera no ano de 1724, durante a guerra.[35]
         Dessa forma, os Feitosa do Ceará provêm dos dois primeiros casamentos de Francisco, com as viúvas: Catarina da Rocha e Isabel de Montes Silva, pois, do terceiro casamento, também com uma viúva, Isabel Maria de Melo, não houve filhos.

6. O Coronel Francisco Alves Feitosa é Ancestral de Todos os Feitosa do Brasil?
            Essa questão não é pacífica, pois, em que pese só haver notícia de dois filhos do Capitão João Álvares Feitosa (Francisco e Lourenço), é sabido que a praxe da época era possuir uma extensa prole. Por isso, a despeito de não ser conhecido outro filho do Capitão João, é sensato aguardar a realização das pesquisas in loco, buscando subsídios nas regiões de onde vieram os primeiros membros dessa família.
         Acrescente-se que nos estados circunvizinhos, inclusive aqueles de onde saíram os primeiros Feitosa para o Ceará (Pernambuco e Alagoas), há um antigo e significante contingente de indivíduos com tal sobrenome, arraigados desde prístinas eras, não se sabendo ao certo sua origem e, muito menos, se há ligação com o primeiro grupo que migrou para o Ceará.
         Finalmente, a origem da família Feitosa desfruta de uma dúplice explicação, sendo farta tanto na oralidade quanto na antiga documentação oficial. Todavia, permanecem alguns hiatos em sua história, não cabendo supri-los unicamente a partir de suposições, mas devendo-se proceder à pesquisa, de forma aprofundada e ampla.
         Assim, persistem algumas perguntas chaves para destrinchar várias outras perquirições sobre a verdadeira origem dessa família, consistindo exemplificativamente nas seguintes indagações do ponto de vista documental:
O Capitão João Álvares Feitosa era de Portugal?
Quem eram os pais do Capitão João Álvares Feitosa?
O sogro do Capitão João Álvares Feitosa se chamava Manoel Martins Chaves?
O Capitão João Álvares Feitosa teve outros filhos além de Francisco e Lourenço?
O Capitão João Álvares Feitosa esteve no Ceará?
O Capitão João Álvares Feitosa tinha alguma ligação com a Casa da Torre?
Os primeiros Feitosa estiveram em Porto da Folha?
Os Feitosa estiveram envolvidos na Guerra dos Mascates e na Guerra Holandesa?
Onde Lourenço morreu? Em que data?
Quem herdou as terras peticionadas em Pernambuco?
Existiram outras propriedades além das de Pernambuco e as do Ceará?


Bibliografia:

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Documentos:
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Documentação Histórica Pernambucana: Sesmarias, Vol. IV, Secretaria de Educação e Cultura: Biblioteca Pública, Recife, 1959.
Documentação Histórica Ultramarina, Brasil – Ceará (Fortaleza, 20 de abril de 1738), Projeto Barão do Rio Branco.




[1] Freyre, Gilberto, Casa – Grande & Senzala, 18ª Ed., Editora José Olímpio, Rio de Janeiro, 1977, p. 9.
[2] Vicentino, Cláudio, História do Brasil, Editora Scipione, São Paulo, 2001, p. 44.
[3] Holanda, Sérgio Buarque de, Raízes do Brasil, Companhia das Letras, 26ª Ed., São Paulo, 2006, p. 56.
[4] Calmon, Pedro, História da Casa da Torre: Uma Dinastia de Pioneiros, 3ª Ed., Bahia, 1983, p. 80.
[5] Sousa, Simone de (organizadora), Uma Nova História do Ceará, 2ª Ed., Edições Demócrito Rocha, Fortaleza, 2002, p. 29.
[6] Koster, Henry, Viagens ao Interior do Brasil, Volume 1, 12ª Ed., ABC Editora, Rio – São Paulo – Fortaleza, 2003, p. 184.
[7] Southey, Robert, História do Brasil, Volume III, Edições do Senado Federal, Brasília, 2010, p. 1785.
[8] Brígido, João, Ceará (Homens e Fatos), Editora Demócrito Rocha, Fortaleza, 2001, p. 163.
[9] Théberge, Dr. Pedro, Esboço Histórico sobre a Província do Ceará, 2ª Ed., Editora Henriqueta Galeno, Fortaleza – Ceará, 1973, p. 140.
[10] Ibidem, op. cit., p. 154.
[11] Idem.
[12] Araripe, Tristão de Alencar, História da Província do Ceará: Desde os Tempos primitivos até 1850, 2ª Ed., Tipografia Minerva, Fortaleza – Ceará, 1958, p. 161.
[13] Bezerra, Antônio, Algumas Origens do Ceará, Fundação Waldemar Alcântara, Fortaleza, 2009, p. 155.
[14] A obra de Pedro Tenente é intitulada “O Passado no Presente”, escrita aproximadamente no ano de 1933.
[15] Figueiredo, José Alves de, Ana Mulata: Contos e Crônicas, Coleção Itaytera (I) – Instituto Cultural do Cariri, Crato – Ceará, 1958, p. 102.
[16] Figueiredo Filho, J. de, História do Cariri, Volume 3º, Faculdade de Filosofia do Crato, Crato – Ceará, 1966, p. 75.
[17] Feitosa, Leonardo, Tratado Genealógico da Família Feitosa, Imprensa Oficial, Fortaleza – Ceará, 1985, p. 9.
[18] Fonseca, Antônio José Vitoriano Borges da, Nobiliarquia Pernambucana, Volume I, Anais da Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 1935, p. 242 e 455.
[19] Ibidem, Volume II, op. cit., p. 468.
[20] Ibidem, op. cit., p. 427.
[21] Feitosa, Aécio, Casamentos Celebrados nas Capelas, Igrejas e Fazendas dos Inhamuns (1756 – 1801) – História da Família Feitosa, Fortaleza, 2009, p 154.
[22] Barbalho, Nelson, Cronologia Pernambucana: Subsídios para a História do Agreste e do Sertão, 5º Volume (1679 a 1697), Centro de Estudos de História Municipal/FIAM, Recife, 1982, p. 23.
[23] Documentação Histórica Pernambucana: Sesmarias, Vol. IV,  Secretaria de Educação e Cultura: Biblioteca Pública, Recife, 1959, p. 96.
[24] Ibidem, op. cit., p. 103 e 104.
[25] Feitosa, Leonardo, op. cit., p. 18.
[26] Documentação Histórica Ultramarina, Brasil – Ceará (Fortaleza, 20 de abril de 1738), Projeto Barão do Rio Branco.
[27] Apesar de Leonardo Feitosa (op. cit., p. 13) afirmar que Isabel teria sido a primeira esposa de Francisco, Borges da Fonseca (Vol. II, op. cit., p. 427) diz ter sido Catarina, sendo esta segunda afirmativa mais acreditável, pois este autor foi contemporâneo desses personagens, residindo na mesma Capitania por longos anos.
[28] Datas de Sesmarias, Arquivo Público do Estado do Ceará, 4º VOLUME, nº 202, Tipografia Gadelha, Fortaleza, 1925, p. 30.
[29] Couto, Mons. Francisco de Assis, Monografias, Editora A. Batista Fontenele, Fortaleza – Ceará, 1999, p. 81 e p.182.
[30] Ibidem, op. cit., p. 97.
[31] Macêdo, Heitor Feitosa, O Maior Sesmeiro do Ceará por Acaso, disponível em: <http://estoriasehistoria-heitor.blogspot.com.br/2010/08/o-maior-sesmeiro-do-ceara-por-acaso.html>
[32] Documentos inéditos compilados pelo autor do presente texto.
[33] Feitosa, Leonardo, op. cit., p. 18.
[34] Feitosa, Aécio, Feitosas: Genealogia – História – Biografias, Casa de José de Alencar/Programa Editorial - UFC, Fortaleza, 1999, p. 35.
[35] Isso é dito com base no conjunto de documentos inéditos identificados e compilados pelo autor desta resenha, que serão publicados em momento oportuno.