APROVEITE
A LIQUIDAÇÃO! É DE DAR ÁGUA NA BOCA!
Heitor Feitosa Macêdo
Foto da Chapada do Araripe (Autor: Roberto de Matos Amorim) |
Preço imperdível! Corra agora e aproveite, pois essa oferta
é por tempo limitado! São os últimos números do estoque. Garanta já o seu!
São milhões de metros quadrados com vista para a Chapada do
Araripe, ou, se preferir, do alto, também poderá ter uma visão panorâmica das
principais cidades do Cariri. Comprando um terreno, você leva de graça um
jardim natural, com Mata Atlântica e tudo mais, cheia de palmeiras, pássaros
exóticos e, o mais importante, também terá, sem nenhum custo, água limpa e
cristalina, brotando direto da terra. E tudo isso com um super desconto e
preços baratinhos, em suaves parcelas. Mas corra agora, porque já está
acabando!
E está acabando mesmo, porque essa é a atual demanda da
região do Cariri: a especulação imobiliária e o avanço das casas sobre as
matas. É algo impressionante, pois pouca gente se preocupa com as consequências
que isso já está trazendo, e não precisa ser um biólogo para perceber.
Quem não quer ter uma casa? Esse é o sonho de qualquer um,
principalmente se for uma duplex que tenha visão privilegiada, de preferência,
para alguma área verde, pois, aparentemente, é saudável e, além de tudo,
chique.
Na cidade do Crato, os efeitos desastrosos dessa prática
saltam aos olhos. A torto e a direito veem-se ofertas de terrenos e casas
encravadas no seio da área de proteção ambiental, algumas são de muito bom
gosto, exceto pela pouca consciência dos donos e pela omissão das autoridades
públicas. Cadê o Ministério Público? E o plano Diretor?
Nascentes estão perdendo sua vazão, enquanto que outras já
secaram, como, por exemplo, algumas no Sítio Coqueiro e nas proximidades do
distrito de Santa Fé. Aproveitando o ensejo, não bastasse alguém ter desmatado
parte da densa floresta que cobria as imediações daquele pé de serra, alguns
proprietários estão vendendo o que restou, bem na encosta, onde as fontes
brotam. Parece piada, mas, no lugar onde houve esse desmate, foi feito um
condomínio com o nome Bosque dos Babaçus. Talvez seja alguma homenagem póstuma.
Primeiro foram os clubes recreativos, hoje são os
particulares que querem a todo custo usar, gozar e dispor do seu direito de
propriedade, em contato direto com a natureza, claro, sem respeitá-la.
Os números indicam a velocidade com que essa catástrofe se aproxima
da população cratense, bastando olhar ao redor e perguntar qual reservatório
abastece a cidade afora as pequeninas nascentes que outrora corriam
transparentes pelas levadas.
Em 1764, relatos indicam que dois aquíferos perenes banhavam
a então Vila do Crato, os rios Batateira e Miranda (Revista Itaytera:1973,
Nº17, p. 18). No século XIX, João Brígido dá notícia de, aproximadamente, cem
fontes jorrando constantemente das encostas do Araripe (Homens e Fatos:2001, p.
151). No início do século XX, Irineu Pinheiro enumerou 70 delas só no Crato (O
Cariri:2009, p. 21); porém, na década de 1980, esse número caiu para apenas 58 (Revista
Hyhyté:1980, Nº 07, p. 20).
Como se vê, este número ainda está diminuindo. Deus queira
que a próxima Guerra Mundial não seja por água, porque, se for, certamente o
Crato está a meio caminho.
Cabe lembrar que os poços e cacimbas não servem como solução
definitiva, pois o lençol freático também seca, e, pior, pode ser contaminado com as fossas das belas e escatológicas mansões.
As faldas do Araripe escaparam à secura das caatingas que as rodeiam, mas está agonizando com a predação da especulação imobiliária e com o
descaso do Poder Público.
Mas, atenção! Aproveite a oferta e faça parte dessa
liquidação!
(In Revista Acontece, Crato, julho de 2015)
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