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sexta-feira, 8 de fevereiro de 2013

A Avó da Verdade, A Mãe da Mentira: ouvir, ver e ler, mas não dizer.


A Avó da Verdade, A Mãe da Mentira: ouvir, ver e ler, mas não dizer.
                                                                                     
                                                                     Heitor Feitosa Macêdo


Certa feita, em casa de minha bisavó, que Deus a tenha, caí na besteira de comentar uma matéria que havia assistido no canal Discovery Channel. Tratava-se de abóboras transgênicas, que excediam a 100 quilogramas, verdadeiras aberrações de difícil aceitação para a sopesada crença dos mais sensatos. No entanto, vi e ouvi, mas foi uma pena eu não ter gravado em alguma mídia esse “incrível” documentário.
A minha dita bisavó, Marieta Solano, esperou compenetradamente que eu terminasse de narrar essa bizarrice fitogênica. Finda a minha boa nova, ao entremeio do silêncio, por poucos segundos, minha bisa replicou com grande pragmatismo sertanejo, dizendo: “Meu filho, agora imagine quando puserem esses jerimuns em cima do caçuá do pobre burro, ele vai pender e se escambichar no chão”. Depois disso, deu uma grande gargalhada que contagiou todos os circunstantes, inclusive a mim, a quem a pândega impingia engraçada descrença.
Hoje, recaí em semelhante esparrela, apesar de já ter aprendido a lição que nem tudo que se vê e se ouve deve ser dito. Assim, o comedimento parecia ser conveniente, até que, noutra prosa familiar, eu, reproduzindo as letras do médico Francisco Freire Alemão, disse que este esculápio, quando esteve no Ceará, em 1859, viu o bacamarte do Capitão-mor do Cariri José Pereira Filgueiras, assegurando que a arma pesava meia arroba, aproximadamente 7,5Kg.
Esse tiro saiu pela culatra, tonando-se outro motivo de troço. Mas, felizmente, tenho em mãos o diário desse cientista, que veio ao Ceará por determinação de Dom Pedro II, no afã de conhecer da botânica, além das estórias e história de nossa gente. Por pouco escapei à outra galhofa. E, sinceramente, se alguém me contasse causo semelhante, não me conteria de dúvidas, cheio de precatado ceticismo.
A mentira, sem dúvida, é uma instituição social, também tendo sua serventia, segundo a máxima “nada se perde, tudo se transforma”. Contudo, no presente momento, passo ao largo do retoricismo do Ministro da Propaganda de Hitler, que disse “uma mentira dita cem vezes, torna-se uma verdade”.
Igualmente não pretendo fazer uso da “mentirinha ética”, de La Fontaine, em “O Lobo e O Cordeiro”. Mas, simplesmente dar azo ao testemunho de Francisco Freire Alemão, que, através de seu diário, conta-nos um curioso fato dos nossos bons, burros e bravos avós, conforme anotou João Brígido.
Portanto vale dizer, veja, ouça e leia, mas não diga, deixe que outro o faça! Cumprindo este múnus deblaterou o Dr. Freire Alemão sobre um dos três bacamartes do Capitão-mor José Pereira Filgueiras (Boca da Noite, Meia-noite e Estrela-d’alva): “Hoje trouxeram ao Lagos o cano do bacamarte Boca da Noite, do Filgueiras: pesa seguramente meia arroba”.[1]
Além do mais, o povo também deu notícia de haver um dos bacamartes do Filgueiras feito de bronze, verbo ad verbum: “Disse-me o Duarte que um deles era de bronze e tão grosso o cano que se metia a mão dentro para se tirar a bucha (mas creio que isto é história da Carocha) (...)”.[2]
É curioso e incrível, também aparentemente engraçado, a depender das circunstâncias, mas não deixa de ser uma verdade, pelo menos nas palavras do douto cientista. Agora, sempre que ouço, leio e vejo, recordo do silêncio, no qual repousa a realidade. Mas isto só até que os sentidos de outrem alcancem a luz que divisa a verdade e a mentira.
  
                    



[1] Alemão, Francisco Freire, Diário de Viagem de Francisco Freire Alemão (1859 – 1861), Fortaleza, Fundação Waldemar Alcântara, 2011, p. 213.
[2] Ibidem, p. 228.

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