Monsenhor
Antonio Feitosa
Heitor Feitosa
Macêdo
Antonio Alves Feitosa
(Monsenhor) nasceu no sertão dos Inhamuns, no dia 28 de fevereiro de 1913,
mais precisamente na Fazenda Favelas, circunscrita pela cidade de Arneiros/CE.
No mesmo chão assenhoreado pelo seu mais remoto ancestral em terras cearenses,
o Coronel Francisco Alves Feitosa.
Mons. Antonio Feitosa. |
A endogamia era uma prática comum entre as famílias do
sertão, não se excetuando o clã de que fazia parte Monsenhor Antonio. Seguindo
esse antigo costume, os quatro avós deste eram parentes entre si, sendo ele
filho de Vicente Alves Feitosa (Centô[1]), por sua vez filho de José de Arimateia Araújo Feitosa com
uma prima, Mariana Alves Feitosa[2].
A
mãe do Monsenhor foi Ana Leontina de
Araújo Feitosa (Tinana), que também era filha de dois primos, Raimundo de Morais Rego e Maria Leontina de Araújo Feitosa[3].
A antiga Fazenda Favelas pertencia a Francisco Alves Morais
(Tico), mas foi vendida ao Capitão Pedro Alves Feitosa (do Olho d’água).
Posteriormente essa fazenda findou sendo transferida por testamento[4] ao
avô do Monsenhor Antonio, Raimundo de Morais Rego, que nela foi residir em 1863,
no mesmo ano de seu casamento.[5]
Antonio descendia de uma abastada cepa de pastores e
latifundiários, mas, por ironia do destino, a instituição da herança,
aquinhoando as gigantescas propriedades, minguou a riqueza material de muitos
ramos daquela família, consoante o brocardo: avós ricos, pais nobres, filhos
pobres.
No entanto, o pastoreio de Antonio não seria de gado, mas de
gente, enquanto sua riqueza transcenderia a matéria, tocando almas e intelectos,
consubstanciando o binômio: fé e ciência, à maneira escolástica.
Haveria ele de manter a secular tradição de seus ancestrais,
monoteístas, Católicos Apostólicos Romanos, nos mesmos moldes dos primeiros a
palmilharem o Ceará, sempre adjuntos de algum membro do clero, frequentemente
um integrante da própria família, para assegurar a domesticação dos índios e os
sacramentos “salvadores das almas”.
Mons. Antonio Feitosa. |
No início do século XVIII, o Coronel Francisco Alves Feitosa
(7º avô do Monsenhor)[6],
quando foi residir nos Inhamuns, construiu primeiramente uma capela de taipa,
na Barra do Jucá (na Fazenda Igreja Velha). Contudo, terminou indo fazer seu
derradeiro domicílio mais adjunto da Serra da Ibiapaba, na Fazenda Cococi, onde
erigiu outra Capela, em 1748[7],
sob a invocação de Nossa Senhora da Conceição.
Quase que nessa mesma data, o Coronel Eufrásio Alves Feitosa
(5º avô do Monsenhor), também edificou uma Igreja em sua fazenda, quase no centro
da Missão do Jucá[8],
hoje Arneiros, ficando por ela encarregado o Padre José Bezerra da Costa (ou do
Vale), irmão do 6º avô do Monsenhor Antônio.[9]
Esses primeiros homens eram criadores por profissão, e
militares por vocação, sendo que, ao passo que multiplicavam seus gados,
alcançavam cartas patentes das ordenanças daquelas longínquas ribeiras. Mas,
logo outro ofício juntar-se-ia ao de fazendeiro e militar, justamente o de
padre.
Bastou o primeiro se ordenar para que uma leva fosse
influenciada por esse nobre ofício de pastoreio humano. Dentre os parentes que
antecederam o futuro Monsenhor Antonio Feitosa, encontram-se os três irmãos: Padre
Antonio de Sousa Rego, Padre Benedito de Sousa Rego e o Padre José da Costa
Leitão.
No
mais, uniu-se a essa reverendíssima casta o Padre Ângelo Alves de Castro, Monsenhor
Pedro Leopoldo de Araújo Feitosa, o Padre Francisco Máximo Feitosa e Castro, o
Cônego Manuel de Araújo Feitosa e Monsenhor Francisco de Assis Feitosa.
Então,
sob o chamamento ou indicação de um padre mais velho, certo neófito era
indigitado para adentrar os misteres do ofício religioso, comumente não cabendo
ao jovem declinar dessa resolução, pois a vontade pertencia quase que
unicamente aos pais.
Cônego Manoel de A. Feitosa. |
Assim, o Cônego Manuel de Araújo Feitosa foi à casa de sua
tia Ana Leontina de Araújo Feitosa[10] no
fito de escolher um dos filhos desta para ingressar na vida clerical. O Cônego
preferiu a José de Arimateia Feitosa. Entretanto, os pais deste não concordaram
com a indicação, pelo fato de José apresentar outros pendores, sendo por isso substituído
por seu irmão, Antonio Alves Feitosa.[11]
A vida no campo exigia esforços desde tenra idade, aparentemente
cruel, mas necessário à sobrevivência num meio tão adverso. Logo, se a terra
fosse insuficiente ao criatório, recorria-se à lavra do minifúndio para garantir
a subsistência.
Empobrecida, a família do Monsenhor não dispunha de mão de
obra além dos braços que constavam na casa paterna. Então, a irmandade
indispensavelmente numerosa, meneava a terra sem distinção de idades, indo
Antonio trabalhar no roçado aos oito anos. Nessa época, já tendo lavrado uma
pequena gleba, com milho e feijão, não pode desfrutar dessas benesses, pois,
antes da colheita, teve que partir rumo ao Cariri/CE.[12]
Tendo sido alfabetizado por sua própria mãe[13],
tão logo, o pequeno Antonio adentra o Seminário São José, na cidade do Crato/CE,
no ano de 1922. Contudo, continuou seus estudos no Seminário Episcopal de
Fortaleza, no qual ingressara em 1933[14].
Posteriormente, no dia 13 de outubro de 1935 é ordenado pelo Bispo do Crato,
Dom Francisco de Assis Pires, na Sé Catedral da cidade onde havia iniciado os
seus primeiros estudos.[15]
Seminário São José, Crato/CE (DHDPG). |
Depois da ordenação, internou-se no magistério do Seminário
São José, simultaneamente assumindo a Capela do Ginásio Santa Tereza de Jesus.
No mais, foi professor do Colégio Diocesano e da Escola Técnica de Comércio,
lecionando matemática, inglês, química, física etc.
O seu nome não ficaria ileso às mudanças, pois, apesar de a
profissão ter-lhe acrescido o título de Padre, por outro lado, houve a
supressão do patronímico Alves, requerida em Cartório no ano de 1937.[16]
Destarte, o menino batizado por Antonio Alves Feitosa, aos 24 anos passou a se
chamar Padre Antonio Feitosa, ou simplesmente Padre Feitosinha.
No ano de 1954 recebe o título de Monsenhor, sendo nomeado
vigário da cidade de Missão Velha (no dia 05/02/1955), onde também desempenhou
o mister de professor, inicialmente no edifício do Colégio Marista[17].
Depois do fechamento desta instituição, adquiriu o antigo prédio onde o dito
colégio funcionava. A partir daí fundou, às suas próprias expensas, o Ginásio
Paroquial, em 1960, destinado aos jovens carentes.
Prédio que pertenceu aos Maristas, e fora comprado pelo Mons. Antonio Feitosa. |
Porém,
sua obra tonar-se-ia mais ampla, quando em 1963, cria a Escola Normal destinada
às jovens da mesma urbe, que antes eram obrigadas a se deslocarem para as
cidades vizinhas no fito de completarem os estudos ginasiais.
A
despesa com o salário dos professores era feita a grandes penas, já que essas
duas instituições, apesar de privadas, tinham caráter filantrópico, quase não
havendo contraprestação por parte dos alunos. Desta maneira, Monsenhor Antonio
não auferia qualquer lucro, mas, pelo contrário, tendo que usar do seu pequeno
salário para custear o quadro docente das ditas escolas.
Frontispício do Prédio dos Maristas. |
Posteriormente,
a antiga construção neoclássica foi doada à Diocese, corroborando o voto de
pobreza feito pelo dito reverendo. E, ao fim, restou do Monsenhor neste prédio
apenas o seu nome, como forma de justa e devida homenagem.
Mensagem do Mons. Antonio. |
A
estada na cidade de Missão Velha fora em parte atribulada, em função das
desinteligências criadas pela rigorosa aplicabilidade dos dogmas católicos.
Havendo insatisfação de alguns moradores em acatar certas determinações, como a
censura às vestes femininas, que deveriam ter suas mangas à altura dos
antebraços, além do uso obrigatório do véu ao adentrar a Igreja.
Para
com aqueles que não atendessem a essas exigências, Monsenhor Antonio
gesticulava, geralmente com as mãos, em breves palmas, na intenção de que os
fregueses se compusessem de acordo com as Circulares de D. Francisco de Assis
Pires. Infelizmente, certos indivíduos incompatibilizaram-se a isto, resistindo
de maneira abrupta, ao ponto de ameaçarem o pertinaz pároco. Mas, tais
intimidações nunca chegaram a abalar o Monsenhor, que, desassombrado, ignorava
as cavilosas e maledicentes bravatas.
Em
que pese à pequenez desses casuais desdouros, o Monsenhor era bastante querido
pela população missãovelhense, e somente deixou essa cidade no ano de 1970,
quando do seu retorno ao Crato.
A modéstia era um predicado eminente daquele sacerdote, pois
é de comum conhecimento que, mesmo detendo a pompa de Monsenhor, não costumava
firmar suas correspondências sob esse qualificativo honorífico, humildemente
assinando suas missivas e outros documentos apenas com o axiônimo: “Padre”.[18]
Assinatura do Mons. Antonio. |
Dentre as suas virtudes, em par com a humildade,
destacava-se a do prodigioso intelecto, gerando admiradores em vários campos do
saber humano, incluindo-se nesse rol renomados historiadores, sociólogos, médicos
e intelectuais, inclusive da capital cearense.
O historiador Raimundo Girão assinalou que Monsenhor Antonio
Feitosa era “uma das mais brilhantes expressões da cultura do Vale do Cariri”,[19] e,
em outra ocasião, disse o mesmo historiador: “é um dos sacerdotes mais ilustres
do Ceará de nossos dias”.[20]
O notável advogado Dr. Raimundo de Oliveira Borges não mediu
elogios à pessoa do dito Monsenhor, ao dizer que este, além de “notável orador
sacro”, escrevia “bonito e certo”, e acrescentou: “Pequeno no físico – Padre
Feitosinha – assim o chamam os seus familiares, amigos e admiradores, é grande
na mentalidade, este o conceito que conquistou, pelos seus trabalhos, no mundo
científico e literário de todo o país”.[21]
Mons. Antonio é o primeiro da direita p/ esquerda. Mons. Manoel é o segundo da esquerda p/ direita (DHDPG). |
O ex-deputado estadual Antônio Gomes de Freitas asseverou
ter Monsenhor Antonio Feitosa pregado por muitos anos aos intelectuais de
Fortaleza/CE.[22]
Um dos reitores em exercício da Universidade Regional do Cariri,
José Nilton de Figueiredo, frisou que Monsenhor Antonio produzira vários
livros, “todos merecedores de elogios”, e que “seu exemplo de um fiel servo de
Deus, de amor às letras e correção de atitudes, servirá de paradigma para os
caririenses de boa vontade”.[23]
Mons. Antonio é o primeiro da esquerda p/ direita - sentado. (DHDPG). |
O Padre Neri Feitosa também registrou alguns traços característicos
a respeito do Monsenhor Antonio, evidenciando de forma singular a psicologia
desse célebre sacerdote. Exaltando a superior inteligência deste, em relação
aos demais padres da família que o antecederam, adjetivando-o de gênio, e dono de
uma “memória nunca vista”.
No entanto, não se esquivou de apresentar outras facetas
peculiares ao comportamento do Monsenhor, quais sejam, àquelas esconsas dos
registros literários, sabidas apenas por aqueles que o conheceram pessoalmente.
Nesse sentido, ressaltou o Pe. Neri ser o dito Monsenhor “esquisito em extremo
e desumano”.[24]
Atualmente, a população do Cariri recorda não só da admirável
faculdade intelectiva do Monsenhor, como também do ríspido trato que dava aos que
fugiam dos padrões sócio-religiosos apreciados pelo dito reverendo. Em seu
férreo conservadorismo, inadmitia falhas, reprovando infalivelmente, por
exemplo, as vestimentas diminutas, sobremaneira, das mulheres.
O rigor lhe acompanhava em todas as direções, sempre
irredutível, fazendo admoestação ao que entendesse ser inoportuno. Mas essa
inflexibilidade findou esmaecendo ante a modernização dos costumes. Ademais,
essa rigidez também tinha suas vantagens, dentre elas a sua pontualidade.
É inegável que o Monsenhor possuía um gênio forte. De pouca
conversa. Entretanto, ponderava essa reticência com aqueles que caíam em sua graça.
Nesses casos, permitia-se fazer comedidas brincadeiras, sem deixar faltar com o
respeito.
Mons. Vicente, irmão do Mons. Antonio. |
Apesar dessa sisudez, laconismo e severidade, carregava
consigo a virtude da compaixão, externando grande solidariedade à sua maneira,
consoante à pregação cristã. Sua assistência ia além do convencional, não
abrangendo numerus clausus, mas a
coletividade, no que ficou exemplificado pela criação das escolas em Missão
Velha, e por outras ações que praticou ao longo de sua vida.
Costumava ir anualmente aos Inhamuns, mais especificamente a
Arneiros, rezar na capelinha construída por seu irmão mais novo, Monsenhor Vicente
Alves Feitosa, sobre os alicerces da antiga morada de seus pais. Nessas viagens
preocupava-se em levar víveres suficientes a alguns parentes que mais
necessitavam, não deixando de fora as crianças, às quais distribuía presentes e
doces.
Mãe do Mons. Antonio Feitosa. |
O seu desvelo também valia os familiares mais próximos, pois
teve o cuidado de trazer sua mãe, D. Leontina, ao Crato, para que ela fosse
melhor assistida na velhice. Para tanto, comprou uma casa na Rua Araripe,
onde conviveu ao lado de sua progenitora por alguns anos. Depois da morte
desta, fielmente ao voto de pobreza, também doou esta casa à Diocese cratense.
O Monsenhor abrigou-se no Seminário São José, para onde transferiu toda a sua bagagem,
maiormente composta de livros, que foram acomodados no mesmo espaço em que
dormia. Talvez já soubesse que aquele chão o abrigaria pela eternidade, aos pés
da santa de que era devoto, S. Terezinha, a quem dedicara especialmente o seu
primeiro livro.
A leitura lhe acompanhava a qualquer lugar, inclusive nas
suas andanças, quando habitualmente segurava um breviário, e sobre o qual
firmava compenetradamente os olhos. Consequentemente, por essa paixão aos
livros houve por bem arrematar em leilão a biblioteca de seu primo e preceptor,
o Cônego Manoel de Araújo Feitosa.
Monsenhor Antonio detinha rica cultura humanística. Era grande
conhecedor dos assuntos que remetiam ao seu ofício, como o direito canônico,
história da Igreja, filosofia e teologia. Todavia, sua sapiência ultrapassava as
raias do convencional, pois dominava assuntos que naturalmente deveriam ser-lhe
estranhos, como medicina, radioatividade, recessão das galáxias, expansão do
universo, degradação da energia etc. Ademais, além da língua portuguesa, ele
igualmente dominava com maestria o idioma inglês, francês, grego, latim e
alemão.
Suas publicações são inúmeras, algumas polêmicas, como o
livro intitulado “Falta um Defensor para o Padre Cícero”, no qual confronta as
afirmativas de diversos autores concernentes ao tema, demonstrando dialeticamente
que esses discursos apontam ser o Padre Cícero megalômano, afora outros
distúrbios.
Deixando as condenações unicamente a cargo dos
hagiologistas, com brilhantismo, Monsenhor Antonio abstém-se de julgar o
taumaturgo “de Juazeiro”, fato que é resumido pela seguinte frase: “Não defendo
porque não posso, não acuso porque não quero”[25].
Esse intrigante tema representava na verdade o embate entre
o catolicismo popular e o tradicional. Pondo-se Monsenhor Antonio ao lado deste
último, na tentativa de romanização do culto, conforme os preceitos
determinados pelo Vaticano.
O Monsenhor Antonio presenciou grande parte dos distúrbios
protagonizados por essa questão religiosa, e, em sendo bastante sagaz, o atributo
da crítica falou-lhe mais alto, cônscio do prejuízo que o fanatismo, naquela
época, trazia para a população do Cariri, que em sua maioria era manipulada
segundo interesses políticos e econômicos dos coronéis da época.
Nesse campo entrincheirou-se com os advogados da causa
ciceroniana, dentre eles um primo, igualmente sacerdote, o Padre Neri Feitosa,
que declarou ser o defensor do demiurgo Cícero Romão Batista[26],
nas palavras de Frei Damião “fanatizador rebelde”.[27] Porém,
essa questão bizantina ainda posterga, aparentemente sem fim.
Monsenhor Antonio foi sócio-fundador do Instituto Cultural
do Cariri (patrono da cadeira nº 28, seção de letras), e correspondente do
Instituto do Ceará, também colaborando com os jornais “A Ação”, no Crato, e “O
Nordeste”, em Fortaleza. Tendo todo esse rico cabedal lhe valido a função de
Consultor Diocesano de Dom Francisco de Assis Pires, razão pela qual foi
residir por alguns anos no Palácio Episcopal.
Afora as animosidades geradas pelas convicções intelectuais
e religiosas, estabeleceu estreitos laços de amizade, a começar com os colegas
do ofício religioso, tendo sido Monsenhor Montenegro seu grande amigo, desde a
infância, quando estudaram juntos no Seminário São José, até a data das
respectivas ordenações. Ambos sempre preservaram a amizade, mantendo contato
com regulares visitas. Talvez por coincidência, tanto o natalício quanto o
passamento dos ditos monsenhores, deram-se em datas muito próximas.
Dom Helder Câmara, o único brasileiro indicado quatro vezes
ao Prêmio Nobel da Paz, frequentemente se comunicava com Monsenhor Antonio, ao
telefone, quando conversavam por horas, algumas vezes com certa reserva, para
tratarem de assuntos relacionados à Igreja. Dom Helder prezava Monsenhor
Antonio por sua indispensável função de sábia consultoria.
Um de seus alunos, o ex-governador do Ceará, Adauto Bezerra, lhe dispensava grande amizade, atendendo prontamente aos pedidos do Monsenhor,
inclusive à época em que o primeiro exercia o cargo de chefe do executivo, no
governo estadual.
O seu círculo de amizade também englobava boa
parte dos parentes, alguns dentro do próprio clero, como a Madre Feitosa, o Padre
Neri, e Monsenhor Manoel Feitosa[28],
havendo os dois últimos adentrado a vida religiosa pelas mãos do Monsenhor
Antonio. E a esses se somavam outros, principalmente os que moravam no Crato na
época em que Monsenhor era vigário na Igreja de Nossa Senhora de Fátima.
Já octogenário, residindo em um quartinho no Seminário São
José, dividia o pequeno espaço com os seus inúmeros alfarrábios, os quais
haviam lhe propiciado singular cultura, mas, por outro lado, esses velhos
livros, atolados em poeira e ácaros, serviram-lhe também como causa de um
problema pulmonar (asma).
Merecendo maiores cuidados, providenciou a administração
eclesiástica uma acolhida mais apropriada para o velho padre. Então, depois de muita
insistência, ele foi convencido a residir na casa da religiosa Irmã Maria da
Paz, onde viveu os últimos treze anos.
Nessa última morada continuou sua atividade espiritual,
celebrando todas as tardes para um numeroso rebanho. Daí viajava para os Inhamuns
em seu modesto automóvel, único bem que possuía, mas logo o vendeu, e emprestou
caridosamente parte da quantia a um amigo. O restante do dinheiro também não
lhe teria sido útil se Maria do Carmo Feitosa não houvesse depositado o
remanescente valor em uma conta bancária.
Mesmo no fim da vida seu comportamento mantinha-se
peculiarmente rígido, econômico nas palavras, quase não usava da voz para fazer
qualquer pedido na casa em que residia. Quando um assunto o aborrecia, evitava
as palavras de desapreço, manifestando silêncio, quando não, batia com os pés
ou usava outros gestos pacíficos, mas eloquentes.
Monsenhor Antonio costumava ver as notícias, inclusive na
televisão, porém, certa feita, viu uma matéria sobre o favorável posicionamento
de um superior diocesano em relação à reabilitação e beatificação do padre
Cícero. De pronto ficara contrariado, retirando-se naquele momento para o seu
quarto, e não mais assistiu a qualquer programa televisivo, até o dia de seu
falecimento.
Sua fé era exercida na exata etimologia da palavra, com
fidelidade às suas convicções e à causa que tinha abraçado. Em razão disso, já
no final da vida, recusava-se a tirar a batina, mesmo durante o repouso
noturno, mas, com grande esforço, finalmente fora convencido a despir-se da
sotaina, pelo menos durante o descanso.
Pouco a pouco a doença evoluía, quebrando as forças daquele soldado
do bem, desgastando sua compleição física, ao passo que também lhe retirava a
energia para combater a favor de sua santa causa. A voz havia sido seu
principal instrumento para arrebanhar os fregueses, contudo, também foi
suprimida pelo comprometimento dos pulmões, arrebatados por uma pneumonia.
No fim, quedava-se silente, a sós com seus pensamentos,
ciente do dever cumprido, tendo repetido a saga dos seus ancestrais, como
militar dedicado a Deus, foi um verdadeiro cavaleiro cruzado; além disso, também
fora um dedicado pastor, tangendo seus numerosos rebanhos de gente. Juntando-se
a isso a nobre função de professor, na qual transferia conhecimento, à medida
que aprendia o que ensinava.
Mons. Antonio é o segundo, sentado, da direita p/ esquerda (DHDPG). |
Nos últimos dias do velho padre, o estoicismo perdurava como
consequência do voto de pobreza, pois não possuía recursos suficientes para
custear as despesas hospitalares que lhe eram urgentes. Felizmente o sentimento
de gratidão e respeito que ele havia cultivado, possibilitou-lhe a devida
assistência.
No interior do Hospital São Francisco, em Crato, viveu seus
últimos dias, amparado pelo Estado (com a assistência do SUS), pela Diocese,
por alguns amigos médicos e pelo despretensioso auxílio da Irmã Maria da Paz. Assim
abandonou definitivamente a matéria no dia 29 de março de 2005.
Seu corpo foi sepultado no final da tarde do dia do seu
falecimento, na capela do Seminário São José, sob o altar de Santa Teresinha.
Estavam presentes na ocasião cerca de 20 padres, além de parentes e amigos.
Sepultura do Mons. Antonio Feitosa. |
Sisudo, solidário, rigoroso, pontual, lacônico, orador,
poliglota, religioso, polêmico, discreto, escritor, esquisito, intelectual,
humilde, fiel, pobre, lavrador, professor, admoestador, gênio, benfeitor, é apenas uma parcela dos adjetivos hábeis a qualificá-lo pela míope visão humana,
pois outro tanto de qualidades e pequeníssimos defeitos passaram despercebidos.
Assim foi a vida do Monsenhor Antonio Feitosa, antes de tudo um homem como
qualquer outro, porém extremamente sábio e intrigantemente complexo.
As obras produzidas pelo Monsenhor Antonio Feitosa são as
seguintes:
1- A Violeta de Liseux
– Santa Terezinha, sua Vida e sua Doutrina: Vozes, Petrópolis, RJ, 1942;
2- Desafio aos
Protestantes, Lembranças das Missões de Frei Damião: Crato, 1951;
3- Pio XI: Editora
Mensageiro da Fé: Salvador, Bahia, 1952;
4- Honras e Cruzes do
Episcopado: Revista Eclesiástica, 1953;
5- O Comunismo e a
Maçonaria: 1948;
6- Falta um Defensor
para o Padre Cícero: Loyola, 1984;
7- Elementos da
Legislação Canônica: Loyola, 1984;
8- Concordo com São
Paulo e discordo com Padre Vieira: Crato, 1987;
9- Via Sacra do Amor,
da Fraternidade e da Justiça: Crato, 1988;
10- Trovas Líricas e
Satíricas: Crato, 1990;
11- A Religião e a
Ciência: Crato, 1992;
12- O Cristianismo, a
Seicho-no-Ie e o Espiritismo;
13- O Papel da Igreja
Católica no Desenvolvimento Religioso e Cultural do Crato;
14- A Velha Estória da
Eternidade da Matéria: 1978.
BIBLIOGRAFIA:
Borges, Raimundo de Oliveira, O Crato Intelectual: Dados
Bio-Bibliográficos, Crato – Ceará, Coleção Itaytera, 1995.
Feitosa, Pe. Antonio, Falta um Defensor para o Padre Cícero,
São Paulo, Edições Loyola, 1983.
Feitosa, Aécio, Dicionário Bio-Scriptográfico da Família Feitosa, Vol. II: Arquivo da
Família Feitosa, Fortaleza-Ceará, Editora Canindé, 2000.
Feitosa, Leonardo, Tratado Genealógico da Família Feitosa, Fortaleza/CE, Imprensa
Oficial, 1985, p. 157.
Feitosa, Padre Neri, História da Família Feitosa: Arquivo da
Família Feitosa, Canindé, Editora Canindé, 1999.
_________________,
Eu defendo o padre Cícero, São Paulo,
Escolas Profissionais Salesianas, 1982.
Freitas, Antônio Gomes de, Inhamuns: Terra e Homens, Fortaleza –
Ceará, Editora Henriqueta Galeno, 1972.
Diário do Nordeste, 30/03/2005.
ENTREVISTADOS:
• Na Cidade do
Crato/CE:
Irmã
Maria da Paz
Ione
Esmeraldo Norões
Idilva
Esmeraldo Norões
Madre Feitosa
Maria da Conceição de Araújo Feitosa
Maria da Conceição de Araújo Feitosa
Monsenhor
Manoel Feitosa (sobrinho do Mons. Antonio)
Padre
Roserlândio de Sousa (Diretor do DHDPG)
Teodósio
Nunes (ex-padre)
• Na
Cidade de Missão Velha/CE:
Professora
Rivaneide Carvalho Silva
Professora
Maria de Lurdes Gonçalves
Professora
Maria Célia Santos
[1]
Feitosa, Padre Neri, História
da Família Feitosa: Arquivo da Família Feitosa, Canindé, Editora Canindé, 1999,
p. 32.
[2]
Feitosa, Leonardo, Tratado
Genealógico da Família Feitosa, Fortaleza/CE, Imprensa Oficial, 1985, p. 157.
[3] Ibidem, op. cit., p. 116.
[4] “O Capitão Pedro Alves Feitosa
do Olho d’Água e sua mulher não tiveram filhos e fizeram testamento em favor
dos sobrinhos Raimundo de Morais Rego, filho de criação e afilhado de Clara, e
Mariana Alves Feitosa, casada com Eufrásio Alves Feitosa e Chaves.” (in Feitosa, Leonardo, op. cit., p. 61).
[5] Feitosa, Aécio, Dicionário
Bio-Scriptográfico da Família Feitosa, Vol. II: Arquivo da Família Feitosa,
Fortaleza-Ceará, Editora Canindé, 2000, p. 17.
[6] Por ser Feitosa “dos quatro
costados”, ou seja, pela parte dos quatro avós, será apresentada
simplificadamente apenas uma das linhas, até entestar no Cel. Francisco. Número
de gerações pela linha materna: Cel.
Francisco Alves Feitosa (1ª), Ana
Gonçalves Vieira (2ª), Coronel
Eufrásio Alves Feitosa (3ª), Maria
Alves Feitosa (4ª), João Alves
Bezerra (5ª), Raimundo de Morais
Rego (6ª), Ana Leontina de Araújo
Feitosa (7ª), Monsenhor Antonio
Feitosa (8ª).
[7] Feitosa, Leonardo, op. cit., p.
18.
[8] Ibidem, op. cit., p. 31-32.
[9]
Esse 6º avô do Mons.
Antonio era o sargento-mor João Bezerra do Vale, casado com uma filha do Cel.
Francisco Alves Feitosa (Ana Gonçalves Vieira).
[10] A mãe do Cônego Manuel, Maria
Jardilina Feitosa, era irmã de Ana Leontina de Araújo Feitosa (in Feitosa, Leonardo, op. cit., p. 116).
[11]O Padre Neri disse que José de Arimateia teria sido preterido por apresentar “acentuado retardamento” (Feitosa,
Neri, op. cit., p. 33). No entanto, assegurou a irmã Maria da Paz que José era
muito inteligente, e a escolha dele para a carreira sacerdotal só fora impedida
pelos pais porque estes sabiam que o filho possuía outras afinidades,
pretendendo constituir família (entrevista cedida no dia 11/02/2013).
[12]
Esta informação foi dada
pela Irmã Maria da Paz.
[13]
Isso foi dito pelas
professas da EEFM Monsenhor Antonio Feitosa, que com o Monsenhor conviveram por
anos.
[14]
Aécio Feitosa diz que Monsenhor Antonio foi para o Seminário Episcopal de Fortaleza no ano de 1929 (in Feitosa, Aécio,
op. cit., p. 18). No entanto, a da ta mais exata é a de 1933.
[15]
Idem.
[16]
Feitosa, Neri, op. cit., p.
32.
[17]
A Congregação dos Maristas
chegou a Missão Velha no dia 15 de agosto de 1943.
[18] Borges, Raimundo de Oliveira, O
Crato Intelectual: Dados Bio-Bibliográficos, Crato – Ceará, Coleção Itaytera,
1995, p. 69.
[19] Ibidem, op. cit., p. 68.
[20]
Freitas, Antônio Gomes de,
Inhamuns: Terra e Homens, Fortaleza – Ceará, Editora Henriqueta Galeno, 1972,
p. 154.
[23] Diário do Nordeste, Secção
Regional, 30/03/2005.
[24] Feitosa, Padre Neri, op. cit., p.
32.
[25] Feitosa, Pe. Antonio, Falta um
Defensor para o Padre Cícero, São Paulo, Edições Loyola, 1983, p. 17.
[26]
O livro do Padre Neri, “Eu
defendo o padre Cícero” antecipou, em um ano, a obra do Monsenhor Antonio
Feitosa (in Feitosa, Padre Neri, Eu
defendo o padre Cícero, São Paulo, Escolas Profissionais Salesianas, 1982).
[27]
Feitosa, Pe. Antonio, op.
cit., p. 15.
[28] Monsenhor Manoel Feitosa é sobrinho do Monsenhor Antonio.
Texto muito bom ,para um homem de DEUS que servio a DEUS todosa os momentos de sua vida.
ResponderExcluirMuito bom o seu trabalho sobre o padre Antônio Feitosa. Gostaria trocar idéias.
ResponderExcluirSoares Feitosa 85.98225.5061 zap