Angico:
árvore sagrada dos índios do sertão nordestino!
Heitor Feitosa Macêdo
(advogado e pesquisador)
Na oralidade, bibliografia e
documentação manuscrita é possível encontrar referência a diversas árvores
consideradas sagradas pelos antigos povos habitantes dos sertões do Nordeste,
como, por exemplo, os umbuzeiros e juazeiros, pois, quem não já ouviu falar em
uma história de assombração envolvendo estas espécies, vultos e visagens que aparecem
debaixo das suas copas, pedras que são arremessadas, etc.
Outros
vegetais que também se relacionam aos cultos religiosos dos “índios” do
interior são o toré ou torem, que se tornou nome de uma dança específica; os
pequizeiros, que alimentavam esta gente na chapada do Araripe; o manacá e a
jurema, com as quais faziam uma bebida para se comunicar com o mundo invisível.
Sobre
isto não existe muito segredo, apesar da escassez das fontes!
E
o que tem a ver o angico com a religiosidade indígena?
Nos
sertões do Ceará, o angico que se conhece é uma árvore frondosa, com caule
repleto de acúleos, grossos na base e pontiagudos na extremidade, à feição de
espinhos. Suas folhas são usadas para encher a parte inferior das selas e
cangalhas, a fim de não causar “pisaduras” (hematomas) no lombo dos cavalos, burros
e jumentos. Sua casca é rica em tanino, sendo, por isso, utilizada para curtir couros.
Seu caule também libera uma resina, parecendo um cristal castanho, a qual
sinaliza a aproximação do inverno (Alemão, p. 189) bem como também é utilizada
para consumo, pelos menos foi o que vi e provei na fazenda Aguilhadas, no
sertão cearense dos Inhamuns, estando na casa dos Valadão, descendentes diretos
dos índios Jucá.
Câmara
Cascudo afirma que o angico também faz parte da flora medicinal do Catimbó (da
língua tupi, “catimbau” = cachimbo), espécie de religião sincrética com forte
influência indígena, principalmente da Pajelança. Este pesquisador aponta
diversas propriedades terapêuticas do referido vegetal, o qual entrava,
inclusive, na preparação do rapé, o mesmo paricá (Meleagro, p. 95).
Já
possuindo estas preciosas informações, tive a sorte de encontrar um documento
curioso, na Torre do Tombo, Portugal, datado de 7 de outubro de 1756, o qual
trata de uma denúncia feita diante do Tribunal da Inquisição por um padre capuchinho contra um índio feiticeiro, no Brasil.
O
padre se chamava frei Fidelis de Partana, missionário na Aldeia do Apodi, no
Rio Grande do Norte. Esta aldeia, reunindo índios Paiacu, havia sido criada
pelos jesuítas em 1700, durante a Guerra dos Bárbaros, porém, em 1735, passou
para a administração dos Capuchinhos, os mesmos Barbadinhos
(Em Nome da Liberdade, Lopes, p. 137).
O
índio denunciado tinha nome cristão, Gaudêncio, por já ser batizado, porém
pertencia à nação dos Paiacu, povo que mantinha relações estreitas de parentesco
com os Canindé, os Janduim, os Jenipapo e outros, todos incluídos,
genericamente, no grupo dos Tapuia, isto é, índios que não falavam a língua dita
Geral, o Tupi.
A
denúncia consistiu na apuração de uma confissão feita pelo índio Gaudêncio,
autor de feitiçarias, com as quais, supostamente, havia matado 49 pessoas,
deixando a sua quinquagésima vítima em estado grave. As causas que teriam
levado aos crimes de feitiçaria eram diversas, como ciúmes de sua esposa, por
vingança, por garapa de cana, por disputa de mulheres, por comida, por
desentendimento com os comparsas de furtos, etc.
Os
instrumentos para realizar o feitiço eram cinco, a exemplo de um pedaço de pau,
do tamanho de um prego caibral; um cordão de algodão em formato de cobra; e uma
pedra de corisco, isto é, uma machadinha.
O
índio também confessou que para realizar os feitiços tomava jurema e angico. Aí
via o diabo, bem como figuras horrendas, com pés de patos, chifres de bode,
cabelos grossos, orelhas de cachorro. Igualmente, afirmou que, neste transe,
além de voar, enxergava mulheres, com as quais mantinha relações carnais.
Sobre
as informações trazidas por este documento, cabem várias análises, a depender
do ponto de vista do estudioso. Todavia, o que mais me chamou a atenção foi o
fato de estes índios usarem o angico em seus rituais religiosos para a elevação
da alma. Mais curioso ainda é saber que, no Cariri/CE, dizia-se haver no Exú/PE,
no pé da chapada do Araripe, nascentes tapadas com cera de abelha e troncos de
angico. Será mera coincidência? Acho que não.
Transcrição
Paleográfica feita por Heitor Feitosa Macêdo, no dia 05/04/2020:
Aos
Sete dias do mes de Outubro de1756, perante mim, foi per-/ guntado Pello R.do
P.e M.e Fr. Fidelis de Partanna MiSsionario Ca/ puxinho
da Aldeya do Apudi naçao̓ doPayacu, o Indio pornome/ Gaudencio, por seter
descuberto por feiticeiro, aq.tas peSsoas tinhamorto com/ feiticos,
nomeou as Seg.tes preSentes as testemunhas q serviraó de/
interprete, a Saber o Sarg.to Mor da Aldeya Bonifacio Teixr.a/
eo Cap.am Joze Barboza e tudo confeSsou sem ser constrangido, nem/
por medo nem por castigo.
o 1º a q.m matou foi
Antonio, q hua̓ briga teve comelle,/ equis experimenttar se era certo oq
lhetinha/ emsinado seo M.e por nome Joao̓ [palavra ilegível]
o 2º por nome Néculao por ciúmes
co̓ sua m.er
o 3º M.el por hu̓ q.to
decarne q lhenao̓ quis dar
o 4º Lourença por ter brigado com
sua m.er
o 5º Joanna por ter brigado cum
elle por hua pou-/ ca de garapa
o 6º Ant.o p ter brigado
co̓ elle por garapa
o 7º M.el pello ter
ameaçado
o 8º Marianna p ter brigado co̓
sua May elhedar nacabeça
o 9º João Ferr.a p ter
morto a seu Pay co feitiços
o 10 Anto Mayano p ter
dado em seo Pay
o 11 Amaro p dizer andava co̓ sua
m.er
o 12 Niculao p brigar co̓ elle
emtropas furtando
o 13 An.to [Mandanho?]
por mulheres
o 14 Mariana m.er de An.to
de Moraes p lhedar hum/ golpe em hua̓ maò
o 15 An.to p brigar co̓
elle p hu̓ porco do matto
o 16 M.el p brigar có
seu Pay
o 17 Anastacia m.er deP.o
p matar asuaMay có feitiSsos
o 18 Catharina
por estumar hu̓ cachorro aseo Pay q/ hia furtar garapa [fl. 01]
19 – Mariana
soltr.a p naò querer ter acto carnal comelle
20 – Mauricia p
brigar có sua m.er
21 – Perpetua
soltr.a p brigar có sua m.er
22 – Leonor
soltr.a p brigar com elle
23 – Carrillo
por matar có feitiços a a 2 f.os seos
24 – Alberto p
peditorio de outro, q p lhe botar huns pôs/ como salitre emgarapa morreo de
Rep.te
25 – D.os
de Frois p matar ahu̓ seo neto co̓ feitiços
26 – An.to
Pr.a eSua m.er p matar a a sua Neta có feitiços
28 – Serafina
Viuva p dizer q elle contava alguas/ couzas ao P.e p cuja cauza lhe
deu alguás pancadas
29 – Bento Nunes
p matar aSeo Irmaó có feitiços
30 – P.o
por lhe matar co̓ feitiços a outro Seo Irmão
31 – Joze Gomes
p.das com sua m.er
32 – CaSsiano p
mulheres
33 – Niculao p
pro fia aq.l era mayor feiticeiro
34 – An.to
Pr.a por lhe botar feitiço, ecomo naò morreo/ lhebotou outro mais
forte eomatou logo
35 – o Cap.am
Mor Aleixo Teixr.a p ter castigado aseo sobr.o
36 – Joze p ter
morto com feitiços asua Madrasta
37 – Joào Nunes
tambem Cap.am mor desta Aldeya/ p dizer q o havia de matar p
feiticeiro
38 – Luis Mendes
Irmão do Cap.am Mor p ter dado/ emsua sobr.a com hú pao
39 – Antonica
soltr.a vinda da Aldeya de N. Sr.a/ da Palma do Canindê,
p experimentar seos seos (sic)/
feitiços erão mais fortes
40 – An.to
Pr.a p matar aSua Irmáa̓
41 – Serafina Viuva
p publicar q era feiticeiro
42 – M.a
deMattos Viuva p brigar com sua m.er
43 – M.el
velho p ter jurado deo mattar [fl. 02]
44 – Fran.ca
viuva pello descompor depalavras
45 – Fran.ca
m.er do Cap.m Mor Joao̓ Nunes por ter dito tinha morto/
aseo [murido?]
46 – Lourenço p
ter brigado co seo f.o
47 – Jacinto p
duvidas de Roças
48 – o Cap.am
Miguel p lhequerer dar por bebado
49 – Thomazia
por lhe pedir o dito Jacinto
50 – Izabel m.er
deFloriano p lhe negar f.a Esta ainda naò mor-/ reo, mas esta p.a
iSso.
E diSse mais q´ todas as vezes q queria botar feitiços lhe
parecia o diabo./ DiSse tambem q todas as vezes q bebia jurema, ou angico
lheapareciào/ m.tas evarias figuras horrendas, alguás com cabellos
groseiros, e/ barbas como bode, outras com xifres debode, epe depato, eorelhas/
comode caxorro, alguás emformade mulheres, com q.m tinha acto/
carnal, elhe prometeo deo servir sempre, eq q.do quizeSse morrer/ se
valeSse delle.
As couzas q selhe acharaò comq matava saò as seguintes/
a 1ª he hu̓ pedaço de
pao do tamanho de hu̓ prego caibrar, q fa/ zendo pontaria com elle sem olugar
da mao̓ matava âquella/ peSsoa aq.m o indireitava.
a 2ª huá pedra
decorisco, com q fazia o mesmo efeito
a 3ª huá pedra branca
do feitio de Salitre có o mesmo efeito
a 4ª hú pedaco debreu q
fazia o mesmo
a 5ª hú cordaò comprido
defio dealgodao̓ trocido docomprim.to/ de tres braças pouco mais ou
menos, húa ponta fina, e/ na outra tinha huá boca comodecobra, e q se estendia/
meya Legoa p.r fazer mal aq.m elle queria
DiSse mais q voava q.do queria untando opeito com
emgoento preto/ elogo emcolhia os pes, elhe sahia penas, evoava, e sequeria
carregar/ outro untava as costas. Isto he odeq selembra athe hoje, edaqui/
pordiante setiver mais q confeSsar opoderâ escrever q.m o souber
[fl. 03]
q eu por hir deviagem,
em naò poder deter Lâ certifico, oq/ lhe ouvi, eo juro in verbo sacerdotis aos
7b.o Sobredito/ mes, e anno.
Fr. Graciano de S. D.os
Frey Fidelis de Partanna Mis.o:Ap:Cap.
Boa tarde !! Sou filho de nordestinos da cidade de Ouricuri. Gostaria de obter informações dos nossos parentes ( gerações pasadas) . Será que vocês teria informações e livros ?
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