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domingo, 20 de dezembro de 2015

A Verdade sobre Um Bacamarte de Peso: O Boca da Noite

A Verdade sobre Um Bacamarte de Peso: O Boca da Noite
                                                     
                          
                                                        Heitor Feitosa Macêdo

   Certa feita, em casa de minha bisavó, que Deus a tenha, caí na besteira de comentar uma matéria que havia assistido no canal Discovery Channel. Tratava-se de abóboras transgênicas (nossos jerimuns), que excediam a 100 quilogramas, verdadeiras aberrações de difícil aceitação para a sopesada crença dos mais sensatos. No entanto, vi e ouvi, mas foi uma pena eu não ter gravado em alguma mídia esse “incrível” documentário.

 Bacamarte de grandes dimensões, de amurada, feito entre os séculos XVIII e XIX (Fonte: Cabral Moncada                              Leilões,disponível em: <http://www.cml.pt/cml.nsf/artigos/811F642661E512A880257633003ECC18>. Acesso em: 20/12/2015).
A minha dita bisavó, Marieta Solano, esperou compenetradamente que eu terminasse de narrar essa bizarrice fitogênica. Finda a minha boa nova, ao entremeio do silêncio, por poucos segundos, minha bisa replicou com grande pragmatismo sertanejo, dizendo: “Meu filho, agora imagine quando botarem esses jerimuns em cima do caçuá do pobre do burro, ele vai pender e se escambichar no chão”. Depois disso, deu uma grande gargalhada que contagiou todos os circunstantes, inclusive a mim, a quem a pândega impingia engraçada descrença.
Posteriormente, recaí em semelhante esparrela, apesar de ter aprendido a lição que nem tudo o que se vê e se ouve deve ser dito. Assim, o comedimento parecia ser conveniente, até que, noutra prosa familiar, eu, reproduzindo as letras do médico Francisco Freire Alemão, narrei que este esculápio, quando esteve no Ceará, em 1859, viu o bacamarte do capitão-mor do Cariri José Pereira Filgueiras (herói da Confederação do Equador, de 1824), assegurando que esta arma pesava meia arroba, aproximadamente, 7.5 quilogramas.
Esse tiro saiu pela culatra, tornando-se outro motivo de piada. Mas, felizmente, tenho em mãos o diário desse cientista, que veio ao Ceará por determinação do Imperador Dom Pedro II, no afã de descobrir novas espécies botânicas, além das estórias e história de nossa gente. Por pouco escapei a outra galhofa, e, sinceramente, se alguém me contasse causo semelhante, não me conteria de dúvidas, cheio de precatado ceticismo.
A mentira, sem dúvida, é uma instituição social, também tendo sua serventia, segundo a máxima de que “nada se perde, tudo se transforma”. Contudo, no presente momento, passo ao largo do retoricismo do ministro da propaganda de Hitler, que disse: “uma mentira dita cem vezes, torna-se uma verdade”.
Igualmente, não pretendo fazer uso da “mentirinha ética”, de La Fontaine, em “O Lobo e O Cordeiro”, mas, simplesmente, dar azo ao testemunho de Francisco Freire Alemão, através de seu diário, contando-nos um curioso fato dos nossos "bons, burros e bravos avós", nas sábias palavras de João Brígido.
Portanto, vale dizer, veja, ouça e leia, mas não diga, deixe que outro o faça! Dessa maneira, cumprindo tal função, deblaterou o dr. Freire Alemão sobre um dos três bacamartes do capitão-mor José Pereira Filgueiras (Boca da Noite, Meia-noite e Estrela-d’alva): “Hoje trouxeram ao Lagos o cano do bacamarte Boca da Noite, do Filgueiras: pesa seguramente meia arroba”.[1]
Além do mais, Alemão foi informado pelos caririenses que um dos bacamartes do Filgueiras era feito de bronze e com uma proporção tão exagerada que chegou a causar descrença no ouvinte: “Disse-me o Duarte que um deles era de bronze e tão grosso o cano que se metia a mão dentro para se tirar a bucha (mas creio que isto é história da Carocha)”.[2]
É curioso e incrível, sendo também, aparentemente, engraçado, a depender das circunstâncias, mas não deixa de ser uma verdade, pelo menos nas palavras do douto cientista. Agora, sempre que ouço, leio e vejo, recordo do silêncio no qual repousa a realidade, pois nem todos conseguem alcançar a luz que divisa a verdade da mentira.
Mas, pense num bacamarte pesado!

  
                    




[1] Alemão, Francisco Freire, Diário de Viagem de Francisco Freire Alemão (1859 – 1861), Fortaleza, Fundação Waldemar Alcântara, 2011, p. 213.
[2] Ibidem, p. 228.

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