O
REINO SANGRENTO DA PEDRA BONITA
Heitor Feitosa
Macêdo
Uma das mais famosas obras de Ariano
Suassuna traz o título de A Pedra do
Reino, romance que teve como inspiração um fato verídico ocorrido no sertão
pernambucano do Pajeú, o qual, apesar de ter virado folclore, constituiu uma
verdadeira tragédia sertaneja.
Contado em minúcias em 1875, por seu principal historiador, Antonio
Ático de Sousa Leite, sob o título de Memória
sobre o Reino Encantado na Comarca de Villa Bella, o ocorrido nesta localidade
ganhou exatidão e contornos verossímeis, consignando uma crueza que anda longe
de ser mera literatura.
Esta história sangrenta teve início entre os anos de 1836 e
1838, quando um grupo composto por, aproximadamente, trezentas pessoas
reuniu-se no alto sertão do Pajeú, sob a liderança de um mameluco eloquente,
João Antonio dos Santos, que pregava com singular ardor a volta do rei
português D. Sebastião, desaparecido na África desde 1578.
Nas fervorosas prédicas, João Antonio, na qualidade de rei
dos fanáticos (o primeiro da tosca dinastia), garantia que D. Sebastião
voltaria do lugar em que estava, isto é, no reino encantado, mas, antes, seria
necessário que duas enormes pedras, uma delas impregnada de reluzente
malacaxeta, fossem totalmente banhadas de sangue, pois, quando o reino fosse desencantado, o monarca desaparecido
voltaria com seu exército e aquela gente gozaria de muitas benesses.
Mas, para alcançar esta graça, o sangue deveria ser obtido
com o sacrifício de pessoas e cães, porque, uma vez atingido o desencantamento,
todos os mortos ressuscitariam, os pobres voltariam nobres, imortais, ricos e
poderosos, amais, quem fosse preto tornaria à vida branco como a lua. Eram
estas promessas irresistíveis, ao considerar a marginalização em que vivia
aquela miserável gente, formada por pobres e não brancos.
E qual a razão de também sacrificarem os cães? Os pregadores
deblateravam que estes animais também ressuscitariam, contudo, em forma de
dragões, com a finalidade de engolir os proprietários da época.
Deturpando a religião católica, os sebastianistas
acrescentaram características aparentemente índias ao culto romano, dando-lhe
caráter sincrético, pois, para poder enxergar o reino, os seguidores sorviam
uma beberagem feita de jurema e manacá, conhecida como vinho encantado, além de fumarem em cachimbos, havendo proibição de
adquirir roupas e tecidos. Acrescente-se que os súditos da Pedra do Reino
utilizavam cacetes como armas, também sendo usual o casamento de um só homem com
mais de uma mulher.
Acerca dos casamentos, existia uma peculiaridade digna de
citação, pois, aos reis da Pedra Bonita, era reservado o direito da prima nocte, ou seja, os líderes deste
movimento dormiam a primeira noite com as mulheres recém-casadas, ato que os
sebastianistas denominavam de dispensa
do rei.
O certo é que entre os dias 14 e 15 de maio de 1838 os
sacrifícios tiveram início, matando-se mais de 50 pessoas, além de 14 cães. As
crianças eram entregues ao algoz pelos próprios pais, isto quando estes não
cuidavam de realizar pessoalmente o serviço, como ocorreu a um filho de José
Vieira, que foi colocado sobre a pedra dos sacrifícios pelo próprio genitor,
vindo este, com o primeiro golpe, a decepar o braço do inocente com um facão, não
atendendo às súplicas da criança, ditas em vão: meu pai, você não dizia que me queria tanto bem?!.
Ao tomar notícia deste acontecimento, através de um vaqueiro
de sua fazenda que havia se evadido durante o início das matanças, o comissário
major Manoel Pereira da Silva organizou uma tropa e tão logo rumou de sua
fazenda Caiçara até à Serra Formosa, onde teve encontro com o grupo dos sebastianistas,
homens, meninos e mulheres semi-nús, armados de facões e cacetes, tendo à
frente o terceiro rei, Pedro Antonio, na ocasião, adornado com uma coroa de
cipó, pois roubara o trono no dia 17, ao matar seu predecessor João Ferreira, o
Jóca (o segundo rei de Pedra Bonita), a quem quebrou a cabeça e arrancou as
vísceras.
O morticínio só teve trégua no dia 18 de maio de 1838,
quando alguns membros de uma família de proprietários da região, conhecida como
os Pereira do Pajeú, puseram cobro a esta hecatombe, mas não sem sofrer danos,
pois dos quatro irmãos que travaram intenso combate com o grupo sebastianista,
dois foram mortos, Cipriano e Alexandre Pereira, um ficou ferido, o comissário
major Manoel Pereira da Silva, e apenas o terceiro saiu ileso, o coronel
Simplício Pereira da Silva, o qual, nobremente, evitou que os sobreviventes da
Pedra Bonita fossem linchados por parte da população.
Mais que folclore e mera literatura, a pedra do reino
representa os efeitos de uma colonização excludente e do choque de culturas,
reverberando em pobreza e fanatismo, matéria prima para a história dos sertões
nordestinos.
Texto mui interessante! Vale sim a leitura e o compartilhamento.
ResponderExcluirHeitor, esses PEREIRA DO PAJEÚ, são os mesmos que anos mais tarde rumaram aos sertões do inhamuns ?
ResponderExcluirAbraços.
Porfírio Neto
Sim, Porfírio, eles são os mesmos. São parentes muito próximos de Seu Edmundo. Um forte abraço!
ResponderExcluirMeu caro Heitor, onde eu consigo a obra original "Memória sobre o Reino Encantado na Comarca de Villa Bella"? Se possível posta o link ou a obra para download.
ResponderExcluirCaro Heitor, gostaria se possível que postasse o link para acesso a obra original "Memória sobre o Reino Encantado na Comarca de Villa Bella". Ou o texto original baixar.
ResponderExcluirAmigo, existe link para o livro original?
ResponderExcluirProcure no sita da Biblioteca Nacional que tem lá
ExcluirOlá, meus caros! Mesmo com a ferramenta da internet, este livro é uma raridade, e o exemplar que tenho, a segunda edição, de 1898, está perto de se deteriorar completamente. Porém, tenho boas notícias, pois esta obra, em breve, será reeditada. Quem tiver interesse, é só entrar em contato comigo Abraço!.
ResponderExcluirOlá, Heitor. Adorei o teu texto, muito rico e esclarecedor. Gostaria de poder acessar a obra original "Memória sobre o Reino Encantado na Comarca de Villa Bella". Você teria como me ajudar com o link ou pdf? Desde já, agradeço!!
ExcluirOlá, Heitor!
ExcluirEstou no 8º período do curso de História e meu TCC será sobre o Sebastianismo, com foco na Tragédia da Pedra Bonita. Gostaria de saber se é possível disponibilizar esse livro?
Desde já agradeço
Oi Wesley. Encontrei o livro neste link: http://objdigital.bn.br/objdigital2/acervo_digital/div_obrasraras/or274013/or274013.pdf Sou de São José do Belmonte, onde aconteceram os eventos, e estou fazendo pesquisas para produzir um podcast contando a história do massacre. qualquer coisa estou a disposição
ExcluirBarabens pela pesquisa. Excelente texto.
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