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domingo, 1 de junho de 2014

O CRATO NÃO TEM SOMENTE 250 ANOS

O CRATO NÃO TEM SOMENTE 250 ANOS
                                                                                           
                                                                        Heitor Feitosa Macêdo
        
        
     

           O Crato, cidade localizada ao Sul do Ceará, nas fraldas da Chapada do Araripe, está prestes a comemorar 250 anos de existência, no entanto, a antiguidade de sua constituição, como núcleo populacional, ultrapassa a referida data, como será demonstrado.
Comarca do Crato/CE, séc. XIX (BNRJ)

         Sem dúvida, o ato oficial que criou a Vila Real do Crato data de 21 de junho de 1764[1], elevando-a e reconhecendo-a como uma unidade administrativa. Mas, antes disso, já não existia uma povoação administrada por gente "branca"? Com certeza, sim, o que também é bastante conhecido pela história, porém, pouco divulgado.
         Sobre a origem populacional do Crato, a teoria mais aceita é a de que esta urbe teve início com a reunião de algumas tribos indígenas, sob a responsabilidade de um religioso da Ordem dos Capuchinhos italianos, o famoso Frei Carlos Maria de Ferrara.
         O Frei Carlos, com os seus índios, chamados genericamente de Cariús,[2] estabeleceu-se primeiramente no brejo do Miranda, exatamente no encontro do Rio Batateira com o Riacho do Miranda.[3] Aí foi inaugurada a Missão do Miranda, que, posteriormente, foi transferida para o outro lado do Rio da Ponte, no mesmo quadro que hoje se encontra instalada a Igreja da Sé, na cidade do Crato.[4]
         Então, quando teria sido a chegada de Frei Carlos a estas paragens? Informa o grande pesquisador padre Antonio Gomes que Frei Carlos, partindo de Bolonha/Itália, chegou ao Brasil no ano de 1736,[5] e entre os anos de 1738 e 1739 teria o Frei, juntamente com o Frei Próspero de Milão, reunido os índios na referida Missão, no Sul do Ceará. Portanto, o que se pode afiançar é uma data aproximada para o estabelecimento do religioso na dita área.
         O certo é que o registro mais antigo das atividades realizadas na Missão do Miranda possui a data de 30 de julho de 1741, tratando-se de um batizado.[6] Complementarmente, é assegurado que na data de 1742 já existia um templo dedicado a dois santos: Nossa Senhora da Penha e Frei Fidelis.[7]
         Nesse comenos, é necessário perquirir sobre a terra em que foi instalada a Missão do Miranda, pois a quem pertenceu? É sabido que a área de uma légua quadrada, conforme determinava a lei, foi doada, no dia três de dezembro de 1743, para a ereção da missão indígena do Miranda, sendo seus doadores o Capitão-mor Domingos Alves de Matos e sua esposa, Dona Maria Ferreira da Silva.[8]
         É necessário destacar que Maria Ferreira da Silva era filha do poderoso latifundiário Antonio Mendes Lobato (Capitão), parente dos Montes e do Capitão João Ferreira da Fonseca, todos senhores quase absolutos das terras entre os sertões do Icó e dos Cariris Novos. Inclusive, aponta a tradição que foi o Padre José Mendes Lobato (irmão de Maria Ferreira da Silva[9]) o responsável pela vinda do Frei Carlos Maria de Ferrara aos Cariris Novos.[10]
         Segundo Antonio Bezerra, o território da Missão do Miranda teria passado aos Mendes Lobato através de compra feita ao Capitão Manoel Rodrigues Ariosa, supostamente o primeiro povoador do Cariri.[11]
         Quando foi que Manoel Rodrigues Ariosa se tornou dono das terras que compreendiam o Brejo do Miranda, onde se formou a missão? Os velhos documentos sobre as doações de sesmarias registram que Manoel Rodrigues Ariosa e o seu sócio (o Capitão-mor Manoel Carneiro da Cunha), obtiveram as citadas terras no dia 10 de janeiro de 1703, num espaço medindo três léguas de comprimento por duas léguas de largura, para cada um.[12]
         Os dois pediram as terras nas cabeceiras do Rio Salgado, onde habitava uma nação de gentio (índios bravios) por nome de "Cariris". Mencionaram que a terra era capaz para criar gados e que pretendiam povoá-la com tais bichos. Na carta de sesmaria a dimensão da terra dava-se da seguinte forma:

...na dita parte dos Cariris comesando da Caxoeira dos Cariris da parte dedentro pelo Riacho asima athe entestar com ofim dalagoados Cairiris (...) tres legoas de terra de Comprido pelo Riacho Salgado asima para hu delles suplicantes comesando da Caxoeira dos Cariris daparte de dentro the comfinar com o fim da lagôa dos Cariris com duas legoas delargo hua para cada banda dodito Riacho tudo arumo direito para nelllas poderem criar seus gados emais criasois...[13]
            
      A Lagoa dos Cariris, depois denominada de Lagoa do Ariosa, citada no documento, localizava-se exatamente onde hoje está o Sítio São José, na estrada entre o Crato e o Juazeiro do Norte.[14] Ao lado disso, ressalta o douto Antonio Bezerra que as terras de Ariosa açambarcavam Juazeiro do Norte e Crato.[15]      
         Hoje, é plenamente aceito pela história oficial que o Capitão Manoel Rodrigues Ariosa foi o primeiro povoador do Cariri, pelo que se pode deduzir que tenha habitado a região pessoalmente ou por meio de prepostos, fato que comprova ser o ano de 1703 a origem do povoamento do Crato, antecipando em seis décadas a criação da Vila Real do Crato.
         Desta forma, percebe-se que o núcleo populacional do Crato não surgiu apenas a partir da missão indígena do Frei Carlos, pois esta foi precedida pela antiga fazenda de criar gado, pertencente a Manoel Rodrigues Ariosa. Assim, no próximo dia 21 de Junho de 2014 serão comemorados os 250 anos do município do Crato, o que não passa da mera formalidade da criação da Vila, cuja população “branca” já havia se estabelecido há algumas décadas.    
        

REFERÊNCIAS BIBLIGRÁFICAS:

Araújo, Padre Antonio Gomes de, A Cidade de Frei Carlos, Crato/CE, Faculdade de Filosofia do Crato, 1971.

Bezerra, Antonio, Algumas Origens do Ceará, Ed, fac-sim., Fortaleza/CE, Fundação Waldemar Alcântara, 2009.

Brígido, João, Apontamentos para A História do Cariri, fac-símile da Edição de 1861 (Reproduzida do Diário de Pernambuco), Fortaleza, Expressão Gráfica e Editora Ltda., 2007.

Pinheiro, Irineu, Efemérides do Cariri, Fortaleza, Imprensa Universitária do Ceará, 1963.


DOCUMENTOS:

Datas de Sesmarias, 2º VOLUME, nº 79, Fortaleza, Eugenio Gadelha & Filho, 1921.





[1] Bezerra, Antonio, Algumas Origens do Ceará, Ed. fac-sim., Fortaleza/CE, Fundação Waldemar Alcântara, 2009, p. 183. Ver também: Pinheiro, Irineu, Efemérides do Cariri, Fortaleza, Imprensa Universitária do Ceará, 1963, p. 43.
[2] O Padre Antonio Gomes de Araújo observou que, apesar de existirem diferentes tribos reunidas na Missão do Miranda (Quixereréu, Curianense, Calabaça, Icó, Jucá e Cariú), todos esses índios “receberam a denominação global de Cariú” (In Araújo, Padre Antonio Gomes de, A Cidade de Frei Carlos, Crato/CE, Faculdade de Filosofia do Crato, 1971, p.125). 
[3] A localização é descrita por João Brígido, nos seguintes termos: “Alguns frades capuchos enviados de Pernambuco, logo depois do descobrimento, foram servindo de chefes a estas nascentes populações e catechisaram os índios, primeiro em Missão-Velha, depois no Miranda, sitio, onde o riacho deste nome faz barra na corrente Batateira" (In Brígido, João, Apontamentos para A História do Cariri, fac-símile da Edição de 1861 (Reproduzida do Diário de Pernambuco), Fortaleza, Expressão Gráfica e Editora Ltda., 2007, p. 23).
[4] Essa informação, sobre a transferência da Missão do Miranda, foi dada por João Brígido, ainda no século XIX (In Brígido, João, Apontamentos para A História do Cariri, op. cit., p. 25).  
[5] Araújo, op. cit., p. 80.
[6] Ibidem, op. cit., p. 69.                                                                                                                           
[7] Ibidem, op. cit., p. 41, 51 e 70. Sobre o padroeiro de Frei Fidelis no Crato ver Antonio Bezerra (op. cit., p. 116).
[8] O documento desta doação pode ser visto na íntegra na obra de Antonio Bezerra (op. cit., p. 224, 225, 226, 227 e 228). 
[9] Bezerra, op. cit., p. 120 e 121.
[10] Foi João Brígido que registrou essa tradição, ainda não confirmada por documentos (op. cit., p. 10).
[11] Diz Antonio Bezerra: “Ariosa foi, de facto, o primeiro povoador do Cariri, cujas terras por sua morte, que se realizou no ano de 1716, como se vê da sesmaria do riacho dos Carás, obtida em 30 de setembro do mesmo ano por José Gomes de Moura, e seus companheiros, passáram aos seus herdeiros, e êsses dela fizeram venda ao capitão António Mendes Lobato” (op. cit., p. 111).
[12] Datas de Sesmarias, 2º VOLUME, nº 79, Fortaleza, Eugenio Gadelha & Filho, 1921, p. 13 e 14.
[13] Idem.
[14] Bezerra, op. cit., p. 109.
[15] Idem.

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