A PARTICIPAÇÃO DO
CORONEL JOÃO DE ARAÚJO CHAVES NA GUERRA DE INDEPENDÊNCIA
Heitor
Feitosa Macêdo
Coronel João de Araújo Chaves, da Fazenda Estreito |
A emancipação política do Brasil e o reconhecimento desse status foram episódios distintos, que
merecem ser claramente divisados, pois creditar que o Brasil tenha se
desvencilhado de Portugal unicamente pelo pagamento de cerca de 22 milhões de
libras esterlinas é um erro.
O território brasileiro até 1751[1]
estava dividido em dois “Estados”, ou melhor, em duas colônias, a do Maranhão
(iniciando da província do Piauí e estendendo-se por toda a região Norte, a
Amazônia) e a do Brasil (começando do Ceará até a porção Sul do país,
ressaltando-se que o atual litoral do Piauí, naquela data, pertencia à
província do Ceará).
Na época da independência pretendeu-se restabelecer o antigo
Estado do Maranhão, conforme a vontade da burguesia portuguesa[2] e
de D. João VI,[3]
que tencionavam continuar na sua administração. Assim, o Brasil ficaria
independente, porém, dividido.
O processo emancipatório fora iniciado em alguns pontos do
Brasil antes do suposto grito de D. Pedro I, e, curiosamente, mesmo depois de
proclamada a independência, algumas tropas militares mantiveram-se relutantes e
contrárias à causa.
Na Bahia travou-se intensa luta, mas como não havia um
exército organizado, foi necessário lançar mão de mercenários ingleses,
franceses e alemães, além de milícias e populares, sob o comando de Labatut e,
posteriormente, de Cochrane. Assim, os portugueses comandados por Madeira de
Melo foram derrotados em dois de julho de 1823.[4]
Porém, o território a partir do Piauí até a região Amazônica
estava sob o domínio português, postando-se à frente desse exército o
Sargento-mor José da Cunha Fidié, lusitano nomeado Comandante das armas da
província do Piauí em nove de dezembro de 1821, ocasião em que recebera
expressa ordem de manter a unidade das Províncias do Norte e a submissão destas
à Corte Lusitana.
Não se pode alegar ignorância por parte de Fidié em relação
ao movimento de independência, porque tinha ele ciência da posição de D. Pedro
I, mas, mesmo assim, preferiu seguir os propósitos da Coroa portuguesa,
realizando a vontade de D. João VI em não entregar o Norte do Brasil ao Príncipe
regente.[5]
Sem ter qualquer notícia desses movimentos pelo país, os
sertanejos do interior da província do Ceará proclamaram a independência,
havendo destaque para o Crato, onde sua população já havia experimentado
outrora, em 1817, a instituição da República. Nesta cidade, a informação sobre
a oficialização da Independência, feita por D. Pedro I, somente chegou no dia
26 de dezembro de 1822[6],
contudo, o povo cratense já o havia feito desde o dia 1º de setembro de 1822.[7]
Sob a alcunha de Exército
Independente seguiram os emancipacionistas do Crato em direção do Icó, onde
a população era predominantemente portuguesa, tomando este reduto e instituindo
um Governo Temporário, em 16 de outubro de 1822.
Do Icó, o Exército Independente, formado por cerca de dois
mil homens[8] e
comandado por José Pereira Filgueiras, marcha em direção à Fortaleza/CE, que
foi dominada pelos líderes caririenses. Então, no dia 23 de janeiro de 1823 os
emancipacionistas assumem formalmente o Governo da província do Ceará
elegendo-se uma Junta Governativa.[9]
Mas isso não bastou para os cearenses, os quais, tão logo,
cuidaram em expandir o movimento de libertação para o Piauí, constituindo a Força Expedicionária do Ceará, também
denominada de Delegação Expedicionária,
Exército Expedicionário ou Exército Libertador.[10]
Esse exército partira para o Piauí no dia 29 de março de
1823, no entanto, o Cel. João de Araújo se antecipou, pois, saindo dos
Inhamuns, chegou à Valença/PI no dia 1º de março de 1823, comandando uma tropa
integrada por 300 praças de cavalaria e uma companhia de infantaria[11].
Daí seguiu para Campo Maior/PI às nove horas do dia 07 de março[12],
tomando parte no embate do Barranco do Jenipapo no dia 13 do mesmo mês.
O Coronel João de Araújo Chaves não veio integrando o corpo da
Força Expedicionária do Ceará, mas outros contingentes, batizados genericamente
por Exército Auxiliar, Força Auxiliadora, Legião Imperial ou Exército
Popular Auxiliador,[13]
os quais se uniram à primeira ao longo dos meses que se seguiram, durante os
embates.
O Exército Popular Auxiliador era formado basicamente pela
força militar de primeira linha (o exército profissional) e de segunda linha
(as milícias), além dos chamados voluntários (vaqueiros, agricultores, índios e
escravos), constando de gente do Ceará, Piauí e Pernambuco. Tal exército não
dispunha de armas suficientes, mas veio a protagonizar a maior batalha pela causa da Independência do Brasil, a Batalha do
Jenipapo.[14]
Fidié havia se ausentado da Capital da Província do Piauí,
Oeiras, desde o dia 13 de novembro de 1822, com o propósito de retomar a
Parnaíba, que aderira ao movimento de independência no dia 19 de outubro de
1822.[15] A
retirada de Fidié com cerca de 2000 homens favoreceu a proclamação da
independência em Oeiras, realizada no dia 24 de janeiro de 1823.[16]
A logística da guerra demandava retomar o controle sobre a
capital da província, fato intentado por Fidié, que, saindo da Parnaíba, pôs-se
em marcha na direção de Oeiras, mas, antes de chegar ao seu destino, havia de
passar por Campo Maior, onde quedavam estacionadas as tropas do Exército
Popular Auxiliador, incluindo-se o Coronel João de Araújo Chaves.
Através de um espião[17],
Fidié foi informado da situação em Campo Maior, bem como do deplorável
armamento possuído pelos seus oponentes, duvidosamente estimados em 6000 homens[18],
em sua maioria munidos de facas, facões, machados e chuços de ferrões. Nisso,
Fidié enxergou a vitória, pois, na ocasião, comandava um exército profissional
formado por 1100 homens, bem treinado e armado.[19]
Às margens do Rio Jenipapo, no campo de mesmo nome, a nove
quilômetros da Cidade de Campo Maior (ao lado da BR 343), tiveram encontro as
tropas inimigas, momento pelo qual se deram combate, iniciado por volta das
nove horas do dia 13 de março de 1823, e levado a termo, aproximadamente, às 14
horas do mesmo dia.
O Exército auxiliar pretendia dar combate às tropas
portuguesas em um ambiente que lhes favorecesse, evitando os campos abertos,
pois suas armas (espingardas, foices, facões etc.) possuíam pequeno alcance,
por isso a melhor opção seria a luta corpo a corpo. Por outro lado, Fidié era
especialista em combates em campo aberto, pois essa era a regra na Europa.
Logo, as condições à beira do Jenipapo acabaram beneficiando o exército
português.
A tropa portuguesa dispunha de 11 peças de artilharia, afora
sobejo armamento e munição, o que não intimidou aos brasileiros, que, com
admirável bravura, avançaram sobre o inimigo, desejando espetá-los com suas
rudes quicés, lavados pelo heroico impulso do embate, instante em que eram
alvejados pela grossa artilharia, indo morrer ao pé dos canhões.
No entremeio dessa peleja, os patriotas, paulatinamente,
conseguiram encurtar a distância que os separava de seus antagonistas, o que
lhes conferiu certa vantagem sobre a tropa portuguesa. Mas, ao fim das cinco
horas de intensa luta, os brasileiros, sem possuir qualquer treinamento,
recuram desordenadamente.
Apesar de Fidié alegar ter sido o vencedor dessa batalha,
sendo essa a versão mais aceita pela história oficial, a verdade é outra, pois,
mesmo havendo a debandada dos brasileiros, o Comandante português não atingiu
seu objetivo: reconquistar Oeiras.
A marcha de Fidié fora abortada, sendo ele obrigado a mudar
sua rota, rumando para o Estanhado (hoje, cidade de União), de onde se dirigiu
para Caxias/MA, reduto de seus ricos patrícios.[20]
Além disso, boa parte da bagagem de guerra (munições, armas, dinheiro e o
produto de saques de Parnaíba) fora deixada para trás, da qual se apossaram os
patriotas.[21]
Nesse confronto esteve presente o Coronel João de Araújo
Chaves, que lutou ao lado dos dois comandantes do Exército Popular (João da
Costa Alecrim e Luiz Rodrigues Chaves), bem como na companhia de um de seus
parentes, o Capitão Manoel Martins Chaves, comandante interino de Piranhas
(Ribeira de Crateús/CE), que veio a tombar morto no campo do Jenipapo.[22]
A quantidade de mortos nesse evento é imprecisa, mas
estima-se 200 brasileiros entre mortos e feridos[23],
e mais de 500 aprisionados, enquanto que do lado português apenas 16 homens foram
abatidos[24],
o que enseja certa dúvida, pois são números dados pelo próprio Fidié, o qual
inadmitiu a derrota na batalha do Jenipapo. Afinal, a guerra também era pelo
discurso.
No mais, esse cômputo ficara obstado pelo fato de não se
saber onde foram enterrados os brasileiros abatidos no campo inimigo,
sepultados sem identificação pessoal e em lugar ermo.[25]
Desse momento em diante, a perseguição ao comandante Fidié
não cessou, sendo que no dia 20 de março de 1823 o Coronel João de Araújo
Chaves se reuniu com o Comandante Rodrigues Chaves, o Capitão Alecrim e o
Alferes Salvador Cardoso na Fazenda São Pedro (atual cidade José de
Freitas/PI).
O Comandante português chegou à Caxias/MA no dia 17 de abril
de 1823[26],
indo se alojar no Morro das Tabocas (posteriormente, Morro do Alecrim, em
homenagem a João da Costa Alecrim), para onde também se dirigiram os
combatentes do Jenipapo. Estes, chegando ao Maranhão, trataram de cercar o dito
morro, no intuito de enfraquecer os inimigos. Dessa forma, distribuíram alguns
destacamentos ao redor da área a ser isolada, cabendo ao Coronel João de Araújo
e ao Capitão José da Costa Nunes fazerem a guarda da Barra do Riacho Fundo.[27]
Durante o cerco, ordens foram expedidas para que os
brasileiros pusessem à cintura um cinto de palha de buriti e um ramo verde no
chapéu[28],
para que não fossem confundidos com os soldados de Fidié.
Nesse comenos, no dia 26 de julho de 1823, chega a São Luís
do Maranhão o Comandante da Esquadra Brasileira, Lord Cochrane, e no dia 28 do
mesmo mês foi proclamada oficialmente a adesão do Maranhão à Independência do
Brasil.[29]
Mesmo sem despender efetivos esforços para esse resultado, Cochrane recebera
injustamente as glórias pela Independência do Norte do Brasil, sendo
condecorado pelo Imperador com o título de Marquês do Maranhão.[30]
Em Caxias, o Exército Auxiliador Popular, vencedor da
batalha do Jenipapo, recebeu o reforço da Força Expedicionária do Ceará, que
chegou ao seu destino no dia 21 de julho de 1823, depois de 115 dias de marcha.[31] À
frente de mais de 2000 soldados, na maioria, cearenses, vinha José Pereira
Filgueiras, Tristão de Alencar Araripe e Luís Pedro de Melo Cezar.[32]
No percurso o contingente aumentou, perfazendo um número de mais de 6000
homens, e, ao chegar a Caxias, somavam-se 18000 combatentes.[33]
O Comandante José Pereira Filgueiras tratou de negociar os
termos da rendição com Fidié a partir do dia 23 de julho de 1823, mas este se
manteve renitente durante a negociata, em razão de que abriu mão do posto de
comandante das tropas portuguesas em favor do Tenente-coronel Luis Manuel de
Mesquita.
Desconhecendo a vitória ocorrida em São Luiz,[34]
as negociações em Caxias continuavam, até que em 30 de julho os portugueses
aprovaram os termos da capitulação (rendição),[35]
documento que também foi assinado pelos integrantes da Força Brasileira, sobre
o qual igualmente apôs sua rubrica o Coronel João de Araújo Chaves.[36]
Esses sertanejos foram os verdadeiros responsáveis pela
manutenção da unidade territorial do país, pois não fosse sua intervenção,
ficaria o Brasil separado da sua Região Norte. Mas, o envolvimento de alguns
desses heróis da independência nas guerras civis de 1817 e 1824 resultou num
processo de desmoralização de seus feitos e, consequentemente, na proposital
negação de seus méritos.
Os mercenários estrangeiros levaram a fama e o soldo,
enquanto a memória acerca da participação dos brasileiros do sertão nordestino
foi suprimida pela história oficial até o presente momento.
Predomina a versão de que a Independência fora comprada. Talvez!
Mas só no cenário internacional, no sentido de que Portugal reconhecesse o
Estado Brasileiro Independente. Quiçá, mais uma farsa, ou mesmo um presente de
22 milhões de libras esterlinas de um filho a um pai.
Todavia, algumas centenas de nordestinos verteram sangue
sobre o solo pátrio, rubro licor tão rapidamente absorvido pelos torrões quanto
o foi a memória da participação desses matutos pela Independência do país.
Fato lastimável que envolve o Coronel João de Araújo Chaves,
nascido e criado na caatinga do sertão dos Inhamuns, vencedor da Batalha do
Jenipapo, protagonista da Guerra de Independência, um dos heróis brasileiros,
e, como tantos outros, esquecido intencionalmente pela versão oficial da
história.
BIBLIOGRAFIA:
Freitas, Antônio Gomes de, Inhamuns (Terra e Homens), Fortaleza-CE,
Editora Henriqueta Galeno, 1972.
Prudêncio, Antônio Ivo Cavalcante, Heróis da Solidão: Províncias do Norte (1817
a 1824), 1ª Ed., Fortaleza-CE, 2011.
Vicentino, Cláudio, História
do Brasil, São Paulo, Editora Scip
[1] Prudêncio, Antônio Ivo
Cavalcante, Heróis da Solidão: Províncias do Norte (1817 a 1824), 1ª Ed.,
Fortaleza-CE, 2011, p. 27.
[2] Ibidem, op. cit., p. 29
[3] Ibidem, op. cit., p. 24.
[4] Vicentino, Cláudio, História do
Brasil, São Paulo, Editora Scipione, 1997, p. 166.
[5] Prudêncio, op. cit., p. 35.
[6] Ibidem, op. cit., p. 82.
[7] Ibidem, op. cit., p. 80.
[8] Ibidem, op. cit., p. 81.
[9] Ibidem, op. cit., p. 83.
[10] Ibidem, op. cit., p. 191.
[11] Freitas, Ibidem, op. cit., p.
104.
[12] Prudêncio, op. cit.,, p. 128.
[13] Ibidem, op. cit., p. 121.
[14] Ibidem, op. cit., p. 113.
[15] Ibidem, op. cit., p. 88.
[16] Ibidem, op. cit., p. 103.
[17] Ibidem, op. cit., p. 116.
[18] Ibidem, op. cit., p. 130.
[19] Idem.
[20] Ibidem, op. cit., p. 136.
[21] Ibidem, op. cit., p. 139.
[22] Freitas, op. cit., p. 105.
[23] Prudêncio, op. cit., p. 157.
[24] Ibidem, op. cit., p 138.
[25] Ibidem, op. cit., p. 161.
[26] Ibidem, op. cit., p. 169.
[27] Ibidem, op. cit., p. 179.
[28] Ibidem, op. cit., p. 178.
[29] Ibidem, op. cit., p. 181.
[30] Ibidem, op. cit., p. 184.
[31] Ibidem, op. cit., p. 192.
[32] Ibidem, op. cit., p. 191.
[33] Ibidem, op. cit., p. 197.
[34] Ibidem, op. cit., p. 209.
[35] Ibidem, op. cit., p. 198.
[36] Ibidem, op. cit., p. 200.
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