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segunda-feira, 5 de agosto de 2013

DOCUMENTOS INÉDITOS: V - Confirmação da Patente do Sargento-mor Leandro Custódio de Oliveira Castro

DOCUMENTOS INÉDITOS: V - Confirmação da Patente do Sargento-mor Leandro Custódio de Oliveira Castro
                                                                                             

                                                                                               Heitor Feitosa Macêdo
        
        
             O Sargento-mor Leandro Custódio de Oliveira Castro migrou para o Ceará no final do século XVIII, onde se alocou definitivamente, constituindo numerosa família e adentrando na vida militar, servindo como oficial nas chamadas Ordenanças.
         A oralidade é sobeja de historietas no que tange ao Leandro Custódio de Oliveira Castro, inclusive quanto a sua chegada aos sertões do Ceará, mais precisamente, nos Inhamuns, onde deixou rico folclore ao seu respeito.
         Leonardo Feitosa foi o primeiro a registrar, em letras, os contos narrados pela tradição. Um desses, interessantíssimo, refere-se à origem de Leandro. Assim, disse o “velho contador de histórias” que Leandro Custódio de Oliveira Castro, o primeiro desse nome, viera do Rio Grande do Norte para o Ceará, porque lá teria maculado a honra de uma parenta.
         Conta-se que o pecado cometido pelo “potiguar” teria sido o fato de ter engravidado uma prima, em desconformidade com as leis eclesiásticas, recusando-se a reparar o dano. A ofendida, Ana Tereza da Anunciada,[1] entregara seu corpo sob a falsa promessa de casamento, o qual foi esperado por algum tempo. Frequentemente, Ana Tereza ia até a cadeia onde Leandro cumpria pena, e perguntava-lhe se já resolvera casar, ao que o contumaz “deflorador” respondia “não”.
         Depois do nascimento da criança, ante as negativas de Leandro em ceder àquela obrigação, Ana Tereza voltava à sua casa insatisfeita, momento em que mirava o seu inocente filho, cantando:

Quero-te bem,
Quero-te ódio,
Por seres filho
De Leandro Custódio.[2]
            
      Algum tempo depois, Leandro resolvera casar-se com a prima, mas ela já havia mudado de ideia, recusando-o como marido. Na verdade, Ana Tereza possuía um gênio forte, de uma índole inquebrantável.
         Depois disso, veio Leandro bater no sertão cearense dos Inhamuns. Certamente a amizade ou o parentesco determinaram essa escolha, sendo o verdadeiro motivo ainda hoje ignorado.
         No seu novo domicílio, arranjou um casamento rentável, com uma noiva rica e literalmente “bem aparentada” (no sentido do parentesco). A nubente chamava-se Eufrásia Alves Feitosa, filha do Capitão José Alves Feitosa, dono da Fazenda Várzea da Onça.
         Na época, o costume era de que as mulheres contraíssem matrimônio ainda muito jovens, e, não raramente, casavam-se durante a fase da puberdade. Assim, a esposa de Leandro possuía, na data do enlace, catorze anos.[3] Diz o assentamento eclesiástico:

Aos vinte dias do mês de novembro do ano de oitenta e nove (1789) na capela do Cococi [...] receberam-se em casamento Leandro Custódio de Oliveira (Castro), natural da Freguesia de Igarassu, com D. Eufrásia Alves Feitosa, natural da Freguesia de Arneiroz [...] Manuel da Costa Gadelha – Cura de Arneiroz.[4]
            
     Desse matrimônio nasceram dez filhos, aos quais se juntou o primogênito de Leandro, o pequeno Leandrinho (Leandro Custódio Bezerril) que ficara residindo com a mãe, Ana Tereza, nas terras do Rio Grande do Norte.
         Anos depois de alocar-se no Ceará, Leandro Custódio resolvera fazer uma visita aos parentes na sua terra natal, levando consigo a esposa Eufrásia, e, premeditadamente, pediu a esta que, chegando ao Rio Grande, solicitasse a guarda do filho de Ana Tereza.
         Atendendo ao pedido de Eufrásia, Ana Tereza entregou-lhe a criança, entretanto, destacou que dava o filho a Eufrásia e nunca o faria em favor de Leandro, por ser ele “muito ruim”.[5] Desta forma, retornara o casal ao Ceará trazendo o pequeno Leandro Custódio Bezerril.
         Os descendentes de Leandro Custódio de Oliveira Castro e Eufrásia Alves Feitosa foram:[6]
1 - Coronel Lourenço Alves de Castro c/c D. Lusia Alves Feitosa e Vale, filha do Major José do Vale Pedrosa;
2 - Capitão Francisco Alves de Castro c/c Bárbara Alves Feitosa, filha do Alferes Jacinto de Morais Rego;
3 - Bernardo Freire de Castro Jucá c/c D. Antonia Joana Cedrim, filha do português Francisco Pereira Maia Guimarães e Maria Isabel da Penha[7];
4 - D. Ana de Castro (Donana da Cajazeira) c/c José de Sousa Rego, dono da Fazenda Cajazeira, filho do Capitão Vicente Ferreira de Sousa;
5 - Leandro Custódio de Oliveira Castro (o segundo com este nome) c/c D. Maria, filha de José de Sousa Rego. Leandro fora assassinado por José do Vale Pedrosa (o Nô);
6 - Capitão José Alves de Castro (da Fazenda Cruz); em 1as núpcias c/c D. Benedita (filha do Major José do Vale Pedrosa); em 2as núpcias c/c Ana Pereira (neta de Teodósio, tronco da família Lô do Estreito);
7 - Leonarda Alves do Vale c/c José Alves de Araújo Feitosa, filho do Capitão Leonardo de Araújo Chaves;
8 - D. Joana c/c Coronel Pedro Alves Feitosa e Vale, da Fazenda Papagaio, filho do Major José do Vale Pedrosa;
9 - D. Maria Madalena de Castro c/c Capitão Pedro Alves Feitosa, da Fazenda Cococá, filho de Eufrásio Alves Feitosa, da Fazenda Estreito;
10 - D. Antonia Cândida de Castro c/c Felix Manoel de Morais Rego, filho de Alberto de Morais Rego, morador no Apodi/RN, e neto paterno do Capitão-mor Pedro de Sousa Rego.


1. Onde Nasceu Leandro Custódio de Oliveira Castro?
           
       A tradição oral e muitos documentos apontavam que Leandro Custódio de Oliveira Castro teria como naturalidade o Rio Grande do Norte. Todavia, com o aparecimento de outras fontes, descobriu-se que ele nascera em Pernambuco.
         Inquestionavelmente, Leandro, antes de chegar ao Ceará, estava domiciliado no Rio Grande do Norte, na Fazenda de Tamatanduba, que faz divisa com a Fazenda Cunhaú, antigas propriedades dos Albuquerque Maranhão.[8]
         Em 21 de julho de 1871, um dos netos de Leandro, o ex-deputado estadual Padre Francisco Máximo, declarou em seus Autos de Ordenação que seu avô era natural do Rio Grande do Norte, nos seguintes termos:

O clérigo Francisco Máximo Feitosa e Castro, seminarista desta diocese, natural e moradores na Freguesia do Cococy, filho legítimo de Lourenço Alves de Castro e de Lusia Alves Feitosa e Valle naturais da mesma Freguesia do Cococy; neto paterno de Leandro Custódio D’ Oliveira Castro Natural da Freguesia de Tamatanduba no Rio Grande do Norte (do Bispado de Pernambuco), e de Eufrásia Alves Feitosa natural da Freguesia de Arneirós deste Bispado, e ambos já falecidos; neto materno de José Do Valle Pedrosa, e Anna Gonçalves Vieira Mimosa, ambos da Freguesia do Cococy e já fallecidos; desejando ascender a ordens menores sacras até presbytero para o que deve previamente habilitar-se de vita et moribus vem rogar a Vossa Exelência  Reverendíssima se digne admitil-o a referida habilitação mandando proceder nas diligências do estylo até final sentença.[9]
            
        Apesar de tudo isso, os documentos paroquiais evidenciam que a naturalidade de Leandro era mesmo Pernambuco, mais especificamente, Igarassu. Essa afirmação é repetida em vários assentamentos, como o foi no de seu casamento (supracitado) e no de batismo de seu filho, Francisco:

Aos dois dias do mês de novembro do ano de noventa e hum (1791) na capela do Cococi filial a esta matriz de Arneiroz, batizei e pus os santos óleos em Francisco, filho legítimo de Leandro Custódio de Oliveira (Castro), natural da Freguesia de Igarassu e de D. Eufrásia Alves Feitosa, natural da Freguesia de Arneiroz; neto paterno de Bernardo de Castro Pereira, natural de Goianinha Freguesia de Nossa Senhora dos Prazeres e de Dona Joana da Conceição natural de Igarassu; neto paterno de José Alves Feitosa e de Dona Maria Madalena, já defunta, naturais de Arneiroz, nasceu em quinze de setembro do mesmo ano, foram padrinhos o Sargento-mor Francisco Alves Feitosa e D. Maria Alves Feitosa mulher do Alferes Francisco Alves Feitosa de que fiz este assento em que me assino – Manuel da Costa Gadelha, Cura de Arneiroz.[10]
            
      Portanto, não resta dúvida quanto ao lugar de origem do Sargento-mor Leandro Custódio de Oliveira Castro, no caso, Igarassu/PE. No entanto, presume-se que Leandro tenha transferido seu domicílio para o Rio Grande do Norte (Tamatanduba), por motivos ainda desconhecidos.

2. Um dos Legados de Leandro: Sobrenomes
            
      A família a qual Leandro se unira através do casamento era numerosa, com uma parentela quase infinda. A maioria dessa gente tinha o hábito de casar-se dentro do mesmo clã, ou seja, praticavam a endogamia. Uma dessas consequências, além dos defeitos genéticos, era a repetição dos nomes e sobrenomes, sendo comum os Francisco, os Lourenço, “Manuéis” etc., seguidos  dos patronímicos “Alves Feitosa”, invariavelmente.
         Essa homonímia resultava em confusões, dificultando a identificação dos membros desta grei, sendo isso remediado pela técnica de remeter o nome do indivíduo ao lugar de sua residência, uma fazenda, por exemplo, dizendo-se: José Alves Feitosa da Várzea da Onça[11] para distingui-lo de seu primo José Alves Feitosa de Santana.[12]
          Outro método era o uso do substantivo militar de alferes, sargento-mor, major, capitão, capitão-mor. Mas isso só funcionava até que alguém, homônimo, alcançasse a mesma patente, quando se recorria novamente à distinção toponímica, ligada ao domicílio.
         As famílias ricas e afidalgadas do sertão casavam-se, nas palavras de João Brígido, “como os gados, quase os pais com as filhas, tudo por amor dos haveres”.[13] Entre os Feitosa não era diferente, unia-se o primo com prima e tio com a sobrinha. Contudo, excepcionalmente, realizaram-se nos dois primeiros séculos poucos casamentos fora da parentela.
         O casamento de Eufrásia com Leandro Custódio de Oliveira Castro constou entre essas exceções. Tal enlace ampliou o número possível de combinações dos nomes de família, que passaram a adotar, com maior frequência, os sobrenomes “Oliveira” e “Castro”.

2.1. O Sobrenome “Jucá”
            
     Leandro Custódio batizou um de seus filhos com um sobrenome inédito, “Jucá”. Homenageando seu pai, chamou a criança de Bernardo Freire de Castro Jucá. E a razão que o levou a usar esta denominação (Jucá) é explicada, por alguns, como uma forma de Leandro também prestar cortesia aos índios habitantes dos Inhamuns.
         Não parece ser uma assertiva sensata, pois, naqueles tempos, o índio era tratado como coisa, e não na categoria de gente. Havendo verdadeira aversão às práticas indígenas, desde as danças e cânticos até o hábito de pilhagem, principalmente dos gados. Afinal, os moradores dos Inhamuns eram criadores, e os índios eram uma ameaça, exceto aqueles que estavam abrigados nas Missões ou absorvidos pela civilidade.
         Outra versão para explicar o motivo que levou Leandro a batizar seu filho com o inusitado sobrenome, “Jucá”, encontra embasamento no fato de ele residir na Fazenda Cruz, à margem do Rio Jucá.
         Paralelamente, é comum na vegetação da caatinga inhamunsense haver uma pequena árvore denominada de jucá (ou pau ferro, por sua rija natureza). Essa palavra, de origem indígena (Jucá), significa “matar”, sendo bastante comum observá-la, alhures e algures, funcionado como nome próprio, “Juca”, com acento tônico na primeira sílaba, “jú”.
         Talvez, a verdadeira razão que levara Leandro a batizar seu filho com o dito sobrenome nunca seja respondida, porém, o que importa é que esse patronímico vingou, espalhando-se ao longo das gerações, hoje, existindo em todo o país.

2.2. Os Sobrenomes “Bezerril” e “Bizarria”
            
     Como ficou dito, o filho primogênito de Leandro chamava-se Leandro Custódio Bezerril, e veio morar com o pai no Ceará, onde também findou casando dentro da família Feitosa, com Josefa, filha de Francisco de Holanda Cavalcante.[14]
        Não havia uma regra muito rígida para o uso dos sobrenomes, consequentemente, existindo variações para se escrever um mesmo patronímico. Assim, Bezerril corrompeu-se em Bizarria,[15] sendo este segundo nome o mais usado e propagado pelos descendentes de Leandro Custódio Bezerril, que também se assinava como Bezarril.[16]

3. A Carta Patente
            
     O posto de Sargento-mor das Ordenanças fora requerido por Leandro Custódio, havendo necessidade de o pedido ser confirmado no prazo fixado em lei, no caso, dois anos. O documento trás a carta patente e o pedido de confirmação da mesma.
        

      
                     Sem dúvida, a oportunidade de obter o dito posto fora obra do cunhado de Leandro, o Capitão-mor José Alves Feitosa, que havia sido nomeado para esta função depois da criação da Vila de São João do Príncipe (hoje, cidade de Tauá/CE).
         Existia uma estreita relação entre esses dois cunhados, inclusive no que respeitava aos negócios. Nesse sentido disse Leonardo Feitosa:

O sargento-mor Leandro Custódio tornou-se muito rico. Em certo ano fez ele um empréstimo interessante ao cunhado: tinha ele uma boiada pegada para marchar para a feira, quando o Capitão-mor José Alves Feitosa, que, às vezes, acarretara com grandes despesas de natureza urgente, se apresentou e pediu-lhe a boiada toda por empréstimo, e sendo atendido, mais tarde pagou-a na mesma moeda – uma boiada com igual número de bois.[17]
            
     Desta feita, faz-se oportuno apresentar a carta patente com o seu respectivo requerimento de confirmação, para o posto de sargento-mor das Ordenanças da Vila de São João do Príncipe. Cargo que não era pago com o soldo, mas com privilégios, isenções, graças e honras, conforme se ler, abaixo, no documento e em sua respectiva transcrição paleográfica.


Informe com o seu parecer o Governador Interino do Ceará juntando Copia da Ordens, que o authorizaỏ a creaçaỏ deste posto, e remetendo hum mapa da Povoaçaỏ desta Villa e seu Termo. Lx.a 22 de março de 1804.
[sete rubricas ilegíveis]
Senhor
Diz Leandro Custodio de Oliveira e Castro Sargento Mor das ordenansas da Villa novamente creada Denomenada Sáo [João] do Príncipe da Capitania do Ciará grande, que seno Nomiado pelo Governo Interino daquela Capitania no dito Posto como consta de sua Patente junta requer a V.A.R. queira Mandar passar lhe sua Carta Patente de confirmação na forma do Custume.
P// a V.A.R assim o queira Determinar visto estar secomcluindo o tempo na mesma Patente declarado p.a ser confirmada.
ERM
Como Procurador Antonio Jozé da S.a Coêlho
Os Governadores Interinos da Capitanîa do Seará Grande etc. Faze-Mos saber aos que esta Carta Patente virem, que attendendo a achar-se vago o Posto de Sargento Mór das Ordenanças da Villa de Sam Joáo do Principe, novamente criada, de que he Capitáo Mór Jozé Alves Feitoza e haver Nos sito Proposto pelos Officiaes da Camera da referida Villa com acistencia do mesmo Capitáo Mór em primeiro lugar a Leandro Custodio de Oliveira Castro, por concorrerem nelle os requizitos necessários; e por esperar-Mos delle que no exercio do mencionado Posto se haverá com zelo e honra, e muito como deve a boa confiança que de sua pessoa feze-Mos: Have-Mos porbem na conformidade das Reaes Ordens nomear ao dito Leandro Custodio de Oliveira e Castro, no Posto de Sargento Mór das Oredenanças da Villa novamente criada e denominada Sam Jóao do Principe de que he Capitaỏ Mór Jozé Alves Feitoza; como qual não haverá soldo algum, mas gozará de todas as honras; graças, privilégios, e izençoens, que directamente lhe pertencerem; e será obrigado a requerer a Sua Alteza Real o Principe Regente Nossa Senhor á confirmaçảo desta Patente dentro de dois annos contados da data desta como Determina a real Ordem de 22 de Maio de 1795: Pelo que Ordena-Mos ao dito Capitaó Mor por tal o reconheça, honra, e estima, e lhe confira a Posse e Juramento do estillo de que fará assento nas costas desta; e aos Officiaes e Soldados seos subordinados  lhe obideçảo, e cumpráo suas Oredens relativas ao Real Serviço como devem e sáo obrigados. Em firmeza do que lhe Manda-Mos passar a prezente por Nos assinadas e sellada com o Sello das Armas Reaes, que se registará na Secretaria deste Governo, e Vedoria Geral. Dada na Villa da Fortaleza do Seará aos onze dias do mez de Janeiro. Anno de Nascimeto de Nosso Senhor Jezus Christo de mil oito centos e três. Francisco Luiz de Mariz Sarmento Secretario do Governo a fiz escrever.
D.or Gregorio Joze da S.a Couto [rubrica]
O Capp.am Joze Henriques Pr.a [rubrica]
Luis Martins de Paula [rubrica]
Carta Patente pela qual VV.SSrias hão porbem nomear a Leandro Custodio de Oliveira e Castro no Posto de Sargento Mor das Ordenanças da Villa novamente criada e denominada Sam Joáo do Principe, pelos motivos nella declarados.
Para VV.SS.rias verem.  
Regd.a no Lv.o de Reg.o de patentes e Nomeaçỏes, que serve nesta Secretr.a do Gov.o V.a da Fort.a 13 de Janr.o de 1803/Francisco Luiz de Mariz Sarm.to [rubrica]
Deste Reg.to na Secretaria
Zs....................2$560Zs
Julio_ _ _ _ _ 32$000 [V]

Aos sette dias do mez de fevereiro do Anno do Nacimento de Nosso Senhór Jezus Cristo de mil oito sentos e seis dei pose e tomei o Juramento depreito e amenaje a liandro Custodio de Oliveira e Castro do posto de Sargento Majór das orden.ças da V.a de S. Joaó do Principe o que tudo fiz na forma do estillo dia cera Supra.
Jozé Al´z Feitoza [rubrica]
Cumpra-se, e Registre-se. Vedoria Geral do Seará em 15 de Janeiro de 1803/
[rubrica ilegível]
Req.da a fl 148 fv L.o 1º de Registro q serve [sem.es ?]: nesta Vedoria Geral V.a da Fort.a do Seará em 15 de Janr.o de 1803/
Emigdio Pinto de Vasconcellos [rubrica]




REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:

Brígido, João, Ceará (Homens e Fatos), Fortaleza - Ceará, Edições Demócrito Rocha, 2001.

Cascudo, Luís da Câmara, A Casa de Cunhaú: História e Genealogia, Brasília, Edições do Senado Federal, 2008.

Feitosa, Aécio, Casamentos Celebrados nas Capelas, Igrejas e Fazendas dos Inhamuns (1756 - 1801) – História da Família Feitosa, Fortaleza - CE, 2009.

Feitosa, Leonardo, Tratado Genealógico da Família Feitosa, Fortaleza - CE, 2º Ed., Imprensa Oficial, 1985.

Lima, Lourival Maia, Os Mais, Crato - Ceará, Fundação Casa das Crianças de Olinda, 1982.


DOCUMENTOS:

Arquivo Histórico Ultramarino, Brasil - Ceará, 09 de março de 1803.

Departamento Histórico Diocesano Padre Antonio Gomes de Araújo (DHDPG), Crato - CE, Autos de Ordenação.
   




[1] Feitosa, Leonardo, Tratado Genealógico da Família Feitosa, Fortaleza - CE, 2º Ed., Imprensa Oficial, 1985, p. 86.
[2] Ibidem, op. cit., p. 87.
[3] Diz Leonardo Feitosa que Eufrásia nascera no ano de 1775, tendo se casado aos 14 anos de idade (in Feitosa, op. cit., p. 88).
[4] Feitosa, Aécio, Casamentos Celebrados nas Capelas, Igrejas e Fazendas dos Inhamuns (1756 - 1801) – História da Família Feitosa, Fortaleza - CE, 2009, p. 136.
[5] Feitosa, Leonardo, op. cit., p. 87.
[6] Ibidem, op. cit., p. 86.
[7] Ver: Lima, Lourival Maia, Os Mais, Crato - Ceará, Fundação Casa das Crianças de Olinda, 1982. Ver também os assentamentos de batismo de Nossa Senhora da Penha, no Crato - CE, pois consta nesses calhamaços o registro de nascimento de Antônia, em 07/12/1805.  
[8] Cascudo, Luís da Câmara, A Casa de Cunhaú: História e Genealogia, Brasília, Edições do Senado Federal, 2008, p. 23, 47, 84, 85, 96, 98 e 99.
[9] Departamento Histórico Diocesano Padre Antonio Gomes de Araújo (DHDPG), Crato - CE, Autos de Ordenação do Padre Francisco Máximo Feitosa e Castro.
[10] Feitosa, Aécio, op. cit., p. 137.
[11] Feitosa, Leonardo, op. cit., p. 27.
[12] Ibidem, op. cit., p. 31.
[13] Brígido, João, Ceará (Homens e Fatos), Fortaleza - Ceará, Edições Demócrito Rocha, 2001, p. 313.
[14] Francisco de Holanda Cavalcante era filho do Capitão Arnaud de Holanda Cavalcante e de Francisca, neta do Cel. Francisco Alves Feitosa (Leonardo, op. cit., p. 38 e 94).
[15] Compartilha dessa mesma opinião Aécio Feitosa, dizendo que o primeiro a usar a corruptela foi Raimundo Bizarria, ex-professor da Bahia (in Feitosa, Aécio, op. cit., p. 242).
[16] Essa variante, Bezarril, pode ser vista no requerimento de confirmação da carta patente de José do Vale Pedrosa (Arquivo Histórico Ultramarino, Brasil - Ceará, 09 de março de 1803).   
[17] Feitosa, Leonardo, op. cit., p. 87.

segunda-feira, 29 de julho de 2013

O ROMANCE DO V.R.

O ROMANCE DO V.R.
   
                                                             
                          Autor: José Alves de Figueiredo
                    Postado por: Heitor Feitosa Macêdo
            
Luizinha e sua neta (Lolita), em Portugal.
        Leio sempre, com agrado, nos jornais de Fortaleza, as croniquetas assinadas por V.R. e concluo que o autor aprendeu regularmente a arte culinária, dosando bem o sal desse alimento espiritual que fornece aos leitores do sertão.
         Saboreava um dia desses o trabalho que V.R. traçou sobre os ardores cinegéticos de gente de destaque da Capital. Quando me assaltou fortíssima saudade de minha velha camaradagem em nossa juventude, há quase meio século, com o signatário da espirituosa cônica.
         A gente, quando já se vai aproximando do túmulo, torna-se mito sentimental, recordando todas essas futilidades da vida passada com um desejo impotente de voltar...
         Como vai longe aquele belo tempo!
         Tínhamos ambos 16 ou 18 anos, quando em torno de uma fogueira de São João nos fizemos compadres para se tornarem mais estreitos os laços de nossa camaradagem.
        
Luizinha, aos 72 anos, e sua família, em Guimarães/Portugal.
         V.R. arranjou, nesse tempo, namoro com uma menina de nome Luizinha, filha do professor público Manuel da Penha de Carvalho Brito e vivia, nos arroubos da primeira fase de seu sonho, a dar na concha da balança do meu coração todo o peso do grande amor que aumentava dia a dia.
         Luizinha não era tipo de beleza, mas, vista através das lentes de aumento que Eros sabe pôr aos olhos dos apaixonados, tinha retoques mágicos para o namorado que, na veemência do seu enlevo, vivia a exalçá-los em linguagem açucarada.
         Moreninha e pequena como um lírio, era bem a noiva ideal do meu compadre que sempre foi pouquinho, fisicamente.
        
Luiza da Penha Pereira Maia.
Nesse tempo, já o coronel José Belém de Figueiredo tinha deixado de ser o modesto comerciante que fora, para transformar-se no Manda-Chuva de Crato.
         Aconteceu que um jornal de Fortaleza publicou artigo enviado de Crato, causticando os processos violentos empregados pelo detentor do poder que oprimia, sem piedade, a bela princesa do Sul cearense.
         A autoria dessa publicação foi atribuída ao professor Penha, e o coronel Belém, sem um indício que justificasse, de qualquer modo, esse ato de prepotência aldeã, concebeu, de pronto, plano de vingança original e cruel: – Chamou seu lugar-tenente, o famigerado Jesuíno Antonio Maria, comandante de um
Lolita, em 1954.
a guarda municipal composta de bandidos da pior espécie, e mandou que o mesmo se improvisasse farmacêutico e transformasse o jornal em pílulas, obrigando o velho educador cratense a degluti-las.
         A ordem, arbitrária e cruel, foi cumprida na parte leste da Praça São Vicente, hoje Avenida Cel. Manuel Siqueira Campos, sob as vistas da população estarrecida.
         Anos depois ficou apurado que o autor do artigo em questão fora o ouvires José Flamínio que, na ocasião, vendo as barbas do vizinho arderem, pôs as suas de molho, dando um pulinho para Belém do Pará, de onde não mais voltou.
         Julgando-se desmoralizado, o professor Penha resolveu emigrar com toda a família para Manaus, ficando por lá até morrer.
         Foi violentíssima a dor de V.R. ao separar-se de sua diva. Houve repetidas juras de fidelidade e, depois do competente bota-fora, sob torrente de lágrimas, o Romeu, saudoso de sua Julieta, voltou-se para o meu lado e descreveu-me toda a imensa dor que lhe avassalava a alma, todo o prodígio de sua fortaleza de espírito para assistir sem perder o juízo, o fragoroso ruir dos seus sonhos dourados.
        
Luizinha e família, na Vila Aurora/Portugal, em agosto de 1918.
       
      Inspirado, patético, teve frases como estas: “Minha cabeça é um vulcão, arde em lavas de desespero! Meus miolos fervem como se estivessem dentro de uma caldeira infernal! Resta-me apenas a esperança de alcançar recursos, para seguir Luizinha e me casar com ela! Do contrário, meterei bala no crânio e acabarei com esse trapo de vida amargurada”.
         Eu, amigo sincero, receoso de que meu apalermado camarada cometesse mesmo um desatino, velei por ele, roguei, implorei mesmo que afastasse do seu pensamento aquelas ideias sinistras que me punham em sobressalto contínuo.
         Cupido, sempre canalha, solícito e hábil em pregar logros à humanidade. Prepara as coisas de uma forma, mas só permite que elas se realizem de acordo com as secretas intenções...
         Luizinha, em Manaus, esperou alguns anos, certa de que aquelas ardentes juras, seladas com tantas lágrimas, tinham caído no rol das letras prescritas, resolveu ligar seu destino ao de um português rico e foi viver em Lisboa, numa bela chácara que seu marido ali possuía, a saborear belas peras e gostosas maçãs.[1]
         Enquanto viveu nesta cidade seu cunhado José de Holanda Praxedes, eu tive notícias de Luizinha pelas cartas que ela lhe dirigia. Pela leitura de suas missivas, concluí que minha patrícia tinha evoluído muito, intelectualmente, nas terras de além-mar.
         Nos jornais que remetia de lá aio citado cunhado, enchia as margens com longos comentários elucidando assunto de que os mesmos se ocupavam.
         Lembro-me de belo comentário, em estilo cintilante, escrito por ela nas margens de número da “A Mala da Europa”, sobre o modo de governo do país amigo, encarando o problema do meretrício, ainda no tempo de D. Carlos, e do qual muito gostei.
         Morto José Holanda, eu não tive mais notícias de Luizinha e não sei se viverá.
         Se ainda vive, deve estar bem velhinha e muito reduzida na sua figurinha de Tanagra.
         Quanto ao meu compadre V.R., posso informar que deixou de andar com essas fantasias de Vesúvio na cabeça, para ter belas ideias e traçar lindas crônicas. Deixou também de ter os miolos a ferver nas caldeiras de Pedro Botelho. Não abriu o crânio com uma bala e nem foi para o Norte. Achou mais prático viver muitos anos e ficar em Fortaleza, evitando as endemias do inferno verde. Casou com senhora de respeitável família da nossa Capital, que há anos o deixou viúvo. Tem filhos e perfeitamente educados.[2]  
         Aliás, já é tempo. Subiu como eu, cinco etapas ascendentes na montanha da vida, e, preguiçosamente, desceu uma para o lado oposto, igualmente como seu velho companheiro que comete indiscrições dessa natureza.
Crato, 1932

(in Figueiredo, José Alves de, Ana Mulata: Contos e Crônicas, Crato - CE, Instituto Cultural do Cariri, p. 25 a 29).  


                
               




[1] Luizinha faleceu em 1956, em Guimarães, Portugal. Escrevia para a parenta e amiga, D. Santa Moreira, sempre saudosa da terra natal e com a velhice amargurada pelos desgostos que lhe dava o marido, desgostos esses compensados pelo carinho e amizade dos filhos (nota de J. de Figueiredo Filho).
[2] Os filhos de Vicente Roque são Atualmente pessoas de real projeção nas suas profissões e nos meios onde vivem (nota de J. de Figueiredo Filho).

domingo, 28 de julho de 2013

DOCUMENTOS INÉDITOS: IV - Carta Patente do “Major” José do Vale Pedrosa

DOCUMENTOS INÉDITOS: IV - Carta Patente do “Major” José do Vale Pedrosa
                                                                                       
                                                                              Heitor Feitosa Macêdo

       
           José do Vale Pedrosa, mais conhecido por Major José do Vale, foi uma figura destacada nos anais históricos do Ceará, havendo participado de vários momentos que marcaram a vida dos cearenses.

1. A Família e o Meio        
         
      José do Vale Pedrosa era filho do Capitão-mor José Alves Feitosa com D. Maria Madalena Vieira, porém, trazia seu em nome apelidos não condizentes com os de seus pais. E, ao contrário do que muitos imaginam, não era uma homenagem feita pelo pai do Major a algum amigo, mas uma herança avoenga.
       O pai de José do Vale, o Capitão-mor José Alves Feitosa, era filho do Capitão José Alves Feitosa (da Fazenda Várzea da Onça), que, por sua vez, era filho de Josefa Maria Feitosa, esta, filha do Coronel Francisco Alves Feitosa (o primeiro).
       Josefa foi casada com o Sargento-mor Francisco Ferreira Pedrosa, por isso o uso desse sobrenome “Pedrosa”.
       O Capitão-mor José Alves Feitosa era filho do Capitão José Alves Feitosa e de D. Maria Madalena Vieira, sendo esta filha do Sargento-mor João Bezerra do Vale e de Ana Gonçalves Vieira, irmã colateral de Josefa. Daí o patronímico “Vale”.

         O Major José do Vale era um homem pacato, não cultivava ódio, dando prova disso pelo ensejo do falecimento de seu pai, quando lhe indagaram se iria continuar com a intriga estabelecida entre seu genitor e o Tenente-coronel Eufrásio Alves Feitosa.[1] A resposta dada, prontamente, foi a de que ele somente desejava herdar do pai os haveres (os bens).[2]
       De fato, José do Vale, sendo filho único, recebera do pai uma fortuna inestimável, ombreando-se ao Visconde do Icó (Francisco Fernandes Vieira)[3]. As fazendas de José do Vale somavam 64, das quais, 24 excediam a 10.000 hectares, algumas chegando a 20.000 ou 30.000 hectares.[4] A escravaria, na data de seu falecimento, possuía 263 escravos[5], porém, afirmam alguns autores que esse número ultrapassava de 300 cativos[6], chegando ao montante de 400.[7]
       Diz a tradição que o Major José do Vale passava meses viajando por entre suas fazendas, para administrá-las. Mas, o torrão escolhido para passar a maior parte de seu tempo foi a Fazenda Cococi, onde ele recebera todos os sacramentos (do nascimento à morte), ao abrigo da barroca Capelinha erguida por seu 4º avô, o Coronel Francisco Alves Feitosa, em 1748.
       Decerto, sua casa de morada sucumbira como tantas outras construções antigas. Sabe-se que defronte à Capela do Cococi existiam duas casas grandes, há muito demolidas.[8]
       Nesse templo, dedicado à Nossa Senhora da Conceição, construído por pedreiros vindos de Pernambuco, o Major José do Vale alcançou o primeiro sacramento, o do batismo.[9]

Aos vinte dias do mês de novembro do ano de noventa e hum (1791) na capela do Cococi filial a esta matriz de Arneiroz batizei e pus os santos óleos em José filho legítimo do Tenente José Alves Feitosa e D. Maria Madalena naturais de Arneiroz e materno do Capitão-mor Pedro Alves Feitosa natural de Arneiroz e de D. Ana Cavalcante natural de Ipojuca; nasceu a oito de outubro do mesmo ano; foram padrinhos o Sargento-mor Francisco Alves Feitosa e D. Maria Alves Feitosa mulher do Alferes Francisco Alves Feitosa de que fiz este assento em que me assino. Manuel da Costa Gadelha - Cura de Arneiroz.[10]
         
       Posteriormente, veio casar-se com Ana Gonçalves Vieira Mimosa, servindo-lhe a Capela do Cococi como templo para tal solenidade.
       A esposa do Major José do Vale, Ana Gonçalves Vieira Mimosa, também era filha única de um dos maiores potentados de sua época, o Coronel Manoel Martins Chaves, dono da Fazenda Ipueiras, parente dos Feitosa. Contudo, os bens do Cel. Manoel Martins Chaves foram confiscados pela Coroa Portuguesa, pois o Governador do Ceará, João Augusto de Oeynhausen, afilhado da Rainha Maria I, considerou o dito Coronel culpado pela morte do juiz Antonio Barbosa Ribeiro, ocorrido em 1795.
       Manoel Martins Chaves, sogro do Major, foi preso covardemente no dia 26 de outubro de 1805, e enviado a Portugal, onde faleceu à míngua na cadeia do Limoeiro. Não bastasse tamanho castigo, aplicado a um inocente (como será provado em outro trabalho, por meio de documentos inéditos), confiscaram-lhe os bens, que o próprio Manoel orçara em mais de 50 léguas de terra.
       Diz-se que Ana Gonçalves Vieira Mimosa ficara órfã e pobre, porém, conta-se que um irmão de seu pai deixara-lhe uma herança substancial.[11] No mais, remediadamente, Ana casou-se com um dos indivíduos mais ricos da Província do Ceará.
       A dificuldade das mulheres da época era multiplicada pelos preconceitos do meio, em vista do que às órfãs e viúvas não se dava o devido respeito, e mesmo às mulheres em geral, que eram cerceadas de variadas formas, sendo comum manterem-nas analfabetas. Isso não foi diferente para Ana Gonçalves, conforme se vê num documento de registro de terras:

Declaro eu Anna Gonsalves Vieira Mimosa abaixo assignada, que possuo hum Sitio de terras nesta Freguesia do Crato, denominado Fabrica; cujas extremas são as seguintes: ao Nascente extrema com o capitão João Pereira, pelas agoas; ao Poente com o Padre Joaquim Ferreira Lima verde: ao Sul com a Serra Araripe: ao Norte na barra do Riacho, que tem no mesmo Sitio; e he por hum, e outro lado do mesmo Riacho; cujas forão compradas por meo finado marido José do Valle Pedrosa a Francisco Pereira Maia, não menciono a extensão por não terem sido medidas; e por não saber ler, mandei o meo filho Pedro Alves Feitosa e Valle este por mim fisesse, e assignasse. Cococi vinte e nove de Fevereiro de mil e oito centos e cincoenta e seis Assigno arrogo de minha mai Anna Gonsalves Vieira Mimosa Pedro Alves Feitosa e Valle[12]
         
     Enfim, no matrimônio, ambos deram sorte, somaram seus haveres, e tiveram uma prole numerosa, de 11 filhos, cujos nomes são os seguintes:
1 - Coronel Pedro Alves Feitosa e Vale c/c D. Joana, filha do Sargento-mor Leandro Custódio de Oliveira Castro (o primeiro);
2 - Francisco do Vale Pedrosa c/c Maria (Dondon), filha do Capitão Vicente Ferreira de Sousa;
3 - José do Vale Pedrosa (Nô), casado com Maria (Iaiá), filha de um irmão de seu marido, o Cel. Pedro Alves Feitosa e Vale. Em conta de uma prevaricação de Iaiá, o Nô veio a assassinar um primo, Leandro Custódio de Oliveira Castro (o segundo);
4 - Major Manoel Ferreira Ferro c/c Josefina Felispatria Ferreira Ferro. Diz a tradição que ela era da família Bezerra Formiga, da Paraíba. Outra versão é que ela era da Serra dos Cocos, onde seu marido possuía terras. No mais, conta-se que ambos firmaram o casamento perante a Igreja quando Manoel estava no final da vida;
5 - Candido Alves Feitosa, solteiro;
6 - Luzia c/c o Coronel Lourenço Alves de Castro, filho do Sargento-mor Leandro Custódio de Oliveira Castro (o primeiro);
7 - Maria c/c o Tenente Joaquim de Sousa Vale, filho do Capitão Vicente Ferreira de Sousa;
8 - Leonarda c/c o Major Eufrásio Alves Feitosa, filho do Capitão Pedro Alves Feitosa do Cococá;
9 - Mariana c/c José Alves Feitosa, filho do Capitão Pedro Alves Feitosa do Cococá;
10 - Isabel, casada em 1as núpcias com Pedro (filho do Capitão Pedro Alves Feitosa do Cococá); em 2as núpcias c/c Benjamim;
11 - Benedita c/c o Capitão José Alves de Castro, da Cruz, filho do Sargento-mor Leandro Custódio de Oliveira Castro (o primeiro). 
   
           
2. A Vida Militar
         
        Nas primeiras décadas do século XIX, o Ceará foi palco de vários movimentos sociais e políticos. Depois de aderir à revolução pernambucana de 1817, o povo cearense participou ativamente pela independência, de 1822 a 1823, e em 1824 abraçou a causa republicana da Confederação do Equador. Como se não bastasse, eclodiu, no Sul da província, a Revolta de Pinto Madeira, em 1832.
         José do Vale Pedrosa, ocupando relevante posto militar, não ficou isento dessas beligerâncias. Seguindo os mesmos paços do pai, falecido em 1823[13], José do Vale tomou parte em todos os embates supramencionados, com exceção da Revolução Pernambucana de 1817.

2.1. A Guerra de Independência         
         
      A guerra de Independência fora fundamental para a manutenção da unidade do território brasileiro, que D. João pretendia cindir em dois: Estado do Maranhão (território que ia do Piauí à região Norte) e o Estado do Brasil (do Ceará até o Sul). Assim, a independência fora planejada pela Coroa portuguesa para acontecer somente no Estado do Brasil.[14]
       Contra essa perniciosa maquinação, os Cearenses marcharam para o Piauí, no fito de dar embate às tropas portuguesas comandadas pelo Sargento-mor José da Cunha Fidié (português), um experiente militar à frente de um exército bem treinado e armado.
       O Major José do Vale dirigiu-se até a província do Piauí, e, em um dos combates, abriu fogo contra os próprios aliados, por não haver fardamento adequado que os identificassem.[15] Então, providencialmente, a Junta Governativa do Piauí expediu ordens para que os oficiais inferiores e soldados usassem uma cinta de palha de buriti, com o objetivo de se evitarem tais enganos.[16]
       As tropas portuguesas, comandadas por Fidié, transferiram-se para o Maranhão, aquartelando-se em Caxias, no Morro das Tabocas. A resistência perdurou por vários meses, mas a rendição veio em 30 de julho de 1823, quando os portugueses e os patriotas assinaram os termos de capitulação (rendição).[17]  
       O nome de José do Vale não consta entre os oficiais que assinaram os citados termos, mas há provas de que ele, comandando 150 praças, esteve presente nesses embates, até o dia da rendição.[18]
        
2.2. A Confederação do Equador
        
        Em seguida, outro movimento armado dissemina-se pelo Ceará, desta vez, com o nome de Confederação do Equador, no ano de 1824. Porém, esse sonho de implantação da república fora desfeito pelas tropas imperiais. E para apurar as ações dos “revoltosos” (republicanos), no interior,[19] montou-se na cidade do Icó a Comissão Matuta (espécie de Tribunal Militar ou Tribunal de Exceção), sediada na Casa da Câmara, tendo como escopo processar, julgar e executar os membros da Confederação do Equador.
       Esses episódios serviam a certos indivíduos como ferramenta de vingança. Foi assim que o Sargento-mor João André Teixeira Mendes (o Canela Preta), depois de ter abandonado a causa republicana e se colocado o lado dos imperialistas, aproveitou para eliminar seus inimigos.
       As tropas dos Inhamuns, capitaneadas pelo Coronel João de Araújo Chaves e o Major José do Vale Pedrosa, foram dar apoio à junta de governo criada no Icó desde o dia 26 de outubro de 1824.[20] Não tardou para a Comissão Matuta revelar-se em um verdadeiro “tribunal de sangue”.
       Um episódio ilustra a sanha com que agiram os vogais em Icó, e, ao mesmo tempo, revela um pouco do caráter e do comportamento do Major José do Vale Pedrosa perante às atitudes medonhas e arbitrárias.

Antônio de Oliveira Pluma, que na ata do Grande Conselho deixara escrito seu nome ajuntando o apelido “Pau Brasil”, como fizera seu companheiro de infortúnio Manuel Francisco de Mendonça, já fuzilado, é levado para o suplício. Seria o epílogo da sanguinolenta encarnação.
Sentam-no em uma cadeira de propósito preparada para o trágico fim. Vendam-lhe os olhos; prendem-lhe os braços e as pernas. Deixam-no à frente de seus algozes, fulos de raiva, sedentos de sangue.
– Fogo! é a voz de comando, trêmula, desorientada.
– Valha-me o Senhor do Bonfim! – deixa escapar, medroso, o condenado.
Uma descarga forte, sibilando, vagueia no espaço, sem contudo ferir o alvo desejado. Fica, entretanto, a prova material – as balas encravadas no paredão de um dos ângulos da cadeia.
– Fogo!
– Valha-me o Senhor do Bonfim!
Terceira descarga é ordenada, desta vez, porém, firme e segura. Ouve-se ainda esta exclamação implorativa em altas vozes:
– Valha-me o Senhor do Bonfim!
O alvo ambicionado é ferido em cheio, afinal. Pluma, confiante na sua fé religiosa, torna-se indiferente à sanha de seus algozes. Está crivado de balas, cheio de vida, porém.
A multidão silenciosa, aterrada, descobre no estranho caso qualquer coisa de extraordinário, sobrenatural. Não se pode conter. Arrebata a vítima das mãos de seus verdugos. Leva-a, em charola, à capela próxima de Senhor do Bonfim, duzentos metros adiante, em testemunho da solene graça divina por ela recebida.
Pluma se restabelece. O milagre se opera...[21]       
         
         João Brígido afirma que o salvador de Antônio de Oliveira Pluma foi exatamente o Major José do Vale Pedrosa,[22] que através da intercessão narrada, preservou-lhe a vida. Pluma, posteriormente, tornou-se promotor de Baturité, em 1841,[23] existindo um quadro com sua imagem no Museu do Ceará.

2.3. A Revolta de Pinto Madeira        
         
      Algum tempo depois, em 1832, o Coronel Joaquim Pinto Madeira comanda uma rebelião no Sul do Ceará. Partindo de Jardim/CE, os homens de Pinto Madeira tomam quase todo o Cariri.
       As motivações que levaram Pinto Madeira a deflagrar uma revolta ligam-se a vários fatores. Um deles, certamente o principal, foi o desejo de promover a restauração do poder monárquico, devolvendo-o às mãos de D. Pedro I, que, ao tempo, já reinava Portugal. Outros motivos estavam jungidos às intrigas locais, formadas ao longo dos anos de conflitos.
       Para controlar o avanço das “tropas pintistas”, o Major José do Vale Pedrosa, comandando um dos Batalhões da Legião dos Inhamuns, dirige-se ao Cariri, no intuito de alcançar a “Serra” do Araripe. Palmilhando as margens do Rio Cariús, na altura da Fazenda Poço dos Cavalos, abre fogo contra os inimigos, durando das nove horas do dia 23 de maio de 1832, até o meio dia. O encontro resultou na fuga dos soldados de Pinto Madeira, além de dezoito mortos.[24]

3. A Carta Patente de Capitão das Ordenanças
        
       José do Vale Pedrosa faleceu em 1848[25], depois de uma vida turbulenta, porém, profícua, deixando uma numerosa descendência. E, curiosamente, em pleno século XXI, muitos dos seus descendentes fazem-lhe repetidas homenagens, batizando as crianças com o nome José do Vale Pedrosa, que, geralmente, ganham o apelido de “Major”. 
       No entanto, um documento da Torre do Tombo, em Portugal, põe em dúvida a patente que José do Vale ostentava (a de Major). Isso pelo fato de o referido documento tratar-se uma um pedido de confirmação da patente de Capitão, da Companhia das Ordenanças da Ribeira dos Inhamuns e Tauá, do dia 09 de março de 1803, feito por José do Vale Pedrosa.
       Saliente-se que a patente de Capitão estava, hierarquicamente, acima do posto de Major. Em face disso, resta saber por que José do Vale era tratado por Major? A resposta encontrada reside no fato de esta designação ter se integrado definitivamente ao nome de José do Vale, tomando a natureza de um nome pessoal. Por isso, mesmo sendo Capitão, José do Vale era tratado por Major.
       Para espancar qualquer dúvida que possa residir sobre o assunto, o documento é exposto, logo abaixo, na sua íntegra, acompanhado das imagens originais e de sua respectiva transcrição paleográfica.  
Senhor

Diz Joze do Valle Pedroza, q̉ elle provido no Posto de Cap.aỏ de huma das Companhias das Ordenanças das Ribeiras dos Inhamús, e Tauá, pelo Governador da Capitania do Seará Grande: Eporque preciza da da Regia Confirmaçaỏ de V.A. he por iSso q̉
Pa V.A.R. seja servido confirmar-lhe a Patente junta na forma q̉ se costuma [palavra ilegível] praticar.
ERM
Como Pro.or
Alexandre Pereira Dinis

Bernardo Manoel de Vasconcellos Cavalleiro Professo na Ordem de Sam Bento de Aviz, Fidalgo Cavalleiro da Caza de Sua Mag.e Chefe de Esquadra da Armada Real Governador da Capitania do Seará Grande etc. Faço saber aos que esta Carta Patente que attendendo achace vago o Posto de Capitaỏ de huma das Companhias das Ordenanças das Ribeiras, dos Inhamus, e Tauá de que hé Capitaỏ Mor Jozé Alz Feitoza; ehaverme Proposto Jozé do Valle Pedroza, para o exercer, epor esperar delle que no que for emcarragado do Real Serviço sehaverá comzelo e [promptaobem], e muito como deva á boa confiança que sua peSsoa faço: Hei por bem na Conformidade das Reaes Ordens nomiar ao dito Jozé do Valle Pedroza, no Posto de Capitáo a Referida Companhia, com o qual Posto náo vencerá soldo algum mas gozará, de todas as honras, graças, e previlegios que em Razáo delle lhe pertencerem, e será obrigado a Requerer a Sua Alteza Real o Principe Regente Nosso Senhor a Confirmaçáo desta Patente dentro de dois annos contados da data desta Como Determina a Real Ordem de 28 de Maio de 1795. Pelo que Ordeno ao Referido Capitaó Mor por tal o reconheça, honre, e estime, e aos Officiaes, e Soldados seus subordinados lhe obedeçaỏ, e cumpram suas Ordens relativas ao Real serviço como devem, e são obrigados. Em firmeza do que lhe Mandes paSsar a prezente por Mim aSsignada, e Sellada com o Sello das Minhas Armas q́ se registrará na Secretaria deste Governo, Vedoria Geral, e mais partes a que pertencer. Dada na Villa da Fortaleza de Nossa Senhora da ASsumpçaỏ Nos dez dias do mez de Junho, anno do Nascimento de Nosso Senhor Jezus Christo de mil oitocentos. E Eu Jozé da Silva Alves, Official da Secretaria do Governo no impedimento do actual Secretario a fiz escrever
Bernardo Manoel de Vasconcellos Cavalleiro [rubrica]
Patente pela qual V.Ex.a há por bem nomiar a Jozé do Valle Pedroza, no Posto de Capitáo de huma das Companhias das Ordenanças das Ribeiras dos Inhamús, e Tauá, pelos motivos nella declarados.
Para V.Exc.a ver.

Reg.da no L.o  1º de Reg.to [palavra ilegível] nesta Secretaria do Governo. V.a do Icó 26 de Outubro de 1801.
Jozé da Silva Alves [rubrica]
Dei posse e tomei o juramento na frm.a do Estillo o C. Jozê do Vale Pedroza prezentez az teztemunhaz o C. Ant.o de S.to Anna Albuqr.e e o Alfr.es Liandro Cuztodio Bizarril todos aSignaraỏ comigo Tauá 7 de Dzbr.o de 1801
Jozê Alz Feitoza [rubrica]
Ant.o de S.ta Anna Albuqr.e [rubrica]
Leandro Custodio Bez. [rubrica]
Joze do Vale Pedroza [rubrica]
        
        
  
BIBLIOGRAFIA:

Brígido, João, Ceará (Homens e Fatos), Fortaleza, Edições Demócrito Rocha, 2001.

Chandler, Billy Jaynes Chandler, Os Feitosas e o Sertão dos Inhamuns: A História de uma Família e uma Comunidade no Nordeste do Brasil – 1700 - 1930, Fortaleza - CE, Edições UFC, 1981.

Feitosa, Aécio, A Família Feitosa nos Registros Paroquiais (1728 - 1801), Canindé - CE, Editora Canindé, 2005.

Feitosa, Leonardo, Tratado Genealógico da Família Feitosa, Fortaleza, Imprensa Oficial, 1985.

Figueiredo Filho, J. de, História do Cariri, Volume II, 1ª Ed., Crato - Ceará, Faculdade de Filosofia do Crato, 1964.

Freitas, Antonio Gomes de, Inhamuns (Terra e Homens), Fortaleza - CE, Editora Henriqueta Galeno, 1972.

Macêdo, Nertan, O Clã dos Inhamuns, 2ª Edição, Fortaleza - CE, Edições A Fortaleza, 1967.

Prudêncio, Antônio Ivo Cavalcante, Heróis da Solidão: Províncias do Norte (1817 a 1824), Fortaleza-CE, 2011.

Vieira, Eneas Braga Fernandes, A Fortuna do Visconde do Icó, Boletim do Instituto Cultural do Vale Caririense, Juazeiro do Norte, Ano - 1976, nº 3.


DOCUMENTOS:

Arquivo Público do Estado do Ceará (APEC). REGISTRO DE TERRAS DA FREGUESIA DO CRATO – 1855-1859, Registro 256, folha 54v.
Arquivo Histórico Ultramarino, Brasil - Ceará, 09 de março de 1803.       




[1] Feitosa, Tratado Genealógico da Família Feitosa, Fortaleza, Imprensa Oficial, 1985, p. 40.
[2] Ibidem, op. cit., p. 58.
[3] Sobre os bens do Visconde do Icó, ver: Vieira, Eneas Braga Fernandes, A Fortuna do Visconde do Icó, Boletim do Instituto Cultural do Vale Caririense, Juazeiro do Norte, Ano - 1976, nº 3.
[4] Chandler, Billy Jaynes Chandler, Os Feitosas e o Sertão dos Inhamuns: A História de uma Família e uma Comunidade no Nordeste do Brasil – 1700 - 1930, Fortaleza - CE, Edições UFC, 1981, p. 158.
[5] Ibidem, op. cit., p. 181.
[6] Freitas, Antonio Gomes de, Inhamuns (Terra e Homens), Fortaleza - CE, Editora Henriqueta Galeno, 1972, p. 167.
[7] Ibidem, op. cit., p. 77.
[8] Macêdo, Nertan, O Clã dos Inhamuns, 2ª Edição, Fortaleza - CE, Edições A Fortaleza, 1967, p. 159.
[9] Aécio diz que o Sargento-mor Francisco Alves Feitosa teria sido padrinho do Major José do Vale Pedrosa no dia 20 de novembro de 1791(Ver: Feitosa, Aécio, A Família Feitosa nos Registros Paroquiais (1728 - 1801), Canindé - CE, Editora Canindé, 2005, p. 43).
[10] Ibidem, op. cit., p. 71.
[11] Ibidem, op. cit., p. 251.
[12] Arquivo Público do Estado do Ceará (APEC). REGISTRO DE TERRAS DA FREGUESIA DO CRATO – 1855-1859, Registro 256, folha 54v.
[13] Chandler, op. cit., p. 50.
[14] Prudêncio, Antônio Ivo Cavalcante, Heróis da Solidão: Províncias do Norte (1817 a 1824), 1ª Ed., Fortaleza - CE, 2011, p. 24.
[15] Freitas, op. cit., p. 105.
[16] Ibidem, op. cit., p. 106.
[17] Prudêncio, op. cit., p. 198.
[18] Freitas, op. cit., p. 106.
[19] Na Capital da Província do Ceará, constituiu-se a Comissão Militar de Fortaleza, com a função de processar, julgar e executar os participantes da revolução de 1824 (in Figueiredo Filho, J. de, História do Cariri, Volume II, 1ª Ed., Crato - Ceará, Faculdade de Filosofia do Crato, 1964, p. 74.
[20] Brígido, João, Ceará (Homens e Fatos), Fortaleza, Edições Demócrito Rocha, 2001, p. 273.
[21] Souza, Esébio, História Militar do Ceará, Apud Figueiredo Filho, op. cit., p. 101.
[22] Brígido, op. cit., p. 274.
[23] Prudêncio, op. cit., op. cit., p. 249.
[24] Freitas, op. cit., p. 110.
[25] Chandler, op. cit., p. 158.