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quarta-feira, 22 de setembro de 2021

O Brasão da Família Fernandes que está sendo, indevidamente, utilizado pela família Feitosa

 

O Brasão da Família Fernandes que está sendo, indevidamente, utilizado pela família Feitosa

 

Heitor Feitosa Macêdo

 

            Há quase dez anos, publiquei um artigo sobre um brasão que estava sendo utilizado pela família Feitosa do sertão dos Inhamuns, no estado do Ceará, e afirmei que o referido símbolo não havia sido conferido à família Feitosa, via o Conde da Feitosa, mas à família Fernandes de Portugal.

         O referido artigo, quem o escrevia era um bacharel recém-formado em ciências jurídicas, em linguagem afetada, mas estribado em fontes, as quais já atestavam que à família Feitosa não pertencia o brasão em comento. Para quem quiser conferir tal artigo é só clicar no seguinte link: <http://estoriasehistoria-heitor.blogspot.com/2012/08/heraldica-sertanejafeitosa-nao-tem.html>.

         Como costuma acontecer, algumas pessoas se mantiveram incrédulas e decididas a levar o uso indevido do brasão em fâmulas que, de tão vaidosas, também se tornaram cômicas, pelo menos para o caso daqueles que o fazem por ato consciente, ressalte-se, do ponto de vista da heráldica.

Mas o que me move aqui não é desconstruir e criticar a crença ou contumácia de quem sonha ou já sonhou ter um dos pés nos castelos de Além-mar, nos salões reais luxuosos, nas veias azuis de nobres modorrentos e arrogantes. Aliás, essa “estória” da Corte nos sertões já permeia a imaginação de sua população desde prístinas eras. É mania de seu povo falar em passado de riqueza e glória.

O ideal da pesquisa sempre está à frente, e a busca pela verdade ou daquilo que mais possa se aproximar da realidade passada é quem me serve de guia. Não sei se estou mais certo ou mais errado que outrem, todavia, procuro não falsear minha atividade de pesquisador aboletado no simples desejo de massagear meu próprio ego, envaidecendo meus costados, nobilitando eurocentricamente as cunhãs do meu DNA mitocondrial ou a africanidade que tinge de melanina o epitélio de muitos primos e parentes.

Porém, aquele que adentra as profundezas da pesquisa deve saber que a razão nem sempre é capaz de convencer o imaginário. Para diversos povos, muitas vezes, o irreal possui mais significados que o real, e, quase sempre, eles se entrelaçam numa relação tão estreita que se torna difícil identificar suas fronteiras.

No percurso, ao se deparar com novas versões e fatos, o pesquisador, no exercício de sua atividade, tem a obrigação de transmitir a possibilidade de novas narrativas, não podendo se calar diante da rejeição e estranhamento por parte do tradicional, principalmente quando este for encetado por mera ignorância reflexa, coisa de terraplanista. Afinal, ciência não é simples crença, muito menos religião.          

Via de regra, o tempo e a tecnologia se encarregam de oferecer mais fontes, sendo que, no presente, é possível apresentar ao público um documento importante e capaz de enterrar de uma vez por toda essa história mal contada acerca do suposto brasão da família Feitosa.

O documento que encontrei na Torre do Tombo, Portugal, datado de 6 de fevereiro de 1890, consiste numa resposta dada pelo escrivão do Cartório da Nobreza ao requerimento do Conde João Manoel Fernandes Feitosa, no qual, este último, solicita carta de “brasão de armas” (Ver: <https://digitarq.arquivos.pt/details?id=7828539>)

Apesar de o Conde possuir o sobrenome Feitosa, o documento deixa claro que o brasão a ele conferido estava ligado à família Fernandes, representado por mais de um conjunto de figuras, como, por exemplo, uma águia com uma cabeça ou com cabeça dupla, com vieiras no escudo esquartelado, elmo, etc., variações de imagens que, atualmente, aqui no Nordeste do Brasil, os Feitosa passaram a adotar por um equívoco difícil de ser corrigido.

Destaque-se que nenhum dos avós portugueses do referido Conde carrega o sobrenome Feitosa, o que tende a afastar a possibilidade de parentesco com os Feitosa daqui do Nordeste brasileiro.

Logo, por força da pesquisa de caráter científico, fica esclarecido que o brasão utilizado pela família Feitosa pertence à família Fernandes.            

 

Transcrição Paleográfica:



Illmo e Exmo Snr.or

 

Tenho a honra de apresentar a V.Exa o/ requerimento do Conde de Feitosa João/ Manoel Fernandes Feitosa, pedindo no-/ va Carta de Brazão d’Armas, mencio-/ nando o Titulo, e diferentes condecoraço-/ e͂s com que foi agraciado depois de tirar/ a primeira Carta, conforme a pratica/ estabelecida; cumpre-me pois informar/ a V.Exa que esta pertenção é inteiramente/ regular para ser aatendida com tudo/ V.Exa resolverá o que fôr mais acertado./ Cartorio da Nobreza 5 de Fevereiro de 1890.

         O Escrivão da Nobreza do Reino

         (rubrica) [imagem 01]

[imagem 02 – em branco]

[imagem 03 – em branco]

 



Casa Real/ Cartório da Nobreza/ secç 65 nº 16 [imagem 04]

 



Defferidos/ Paço 6 de feve/ reiro de 1890/ VM Mordomo/ mor

 

         Senhor.

O Conde de Feitosa João Manoel Fernandes/ Feitosa, tendo obtido Carta de Brazão d’Armas/ antes de ser Titular, como prova pelo docu-/ mento junto; pertende que se lhe passe no-/ va Carta egual á primeira, somente com/ a diferença do Titulo, e d’algumas condeco-/ rações com que foi agraciado posterior-/ mente, conforme a pratica estabelecida,/ e por isso:

         Par Vossa Magestade/ Haja por bem mandar pas-/ sar a referida Carta, como/ requer

         E.R.Mes

Lisboa 5 de Fevereiro de 1890./ Como procurador/ João Capistrano dos Santos [imagem 05]




Passe do que/ constar. Paço/ 5 de fevereiro/ de 1890/ VM Mordomo mor

 

         Senhor.

Diz o Conde de Feitosa João Manoel/ Fernandes Feitosa, que para fins conve/ nientes percisa se lhe passe certidão da/ Carta de Brazão passado ao Suppte em/ 19 de Março de 1870, e registado a fl 127 do/ Lo 9º do registro geral dos Brazões, e por/ isso.

         Par Vossa Magestade/ haja por bem mandar pas/ sar a dita certidão

         E.R.M.es

 

Lisboa 4 de Fevereiro de 1890./ Como procurador/ João Capistrano dos Santos

 

Carlos Augusto da Silva Campos/ Escrivão da Nobreza do reino por Sua Ma-/ gestade Fidelissima, que Deus guarde etec/ Certifico em virtude do despacho supra, que/ revendo o Livro 9º do registro geral dos Brazões/ que se acha n’este Cartorio, n’elle encontrei/ registada a folhas 127 a Carta de Brazão de Ar- [imagem 07]



 

mas, a que se refere o requerimento retro, e que/ é do theor seguinte “Dom Luiz por graça/ de Deus, Rei de Portugal e Algarves etc. Faço sa/ ber, aos que esta Minha Carta de Brazão de/ Armas de Nobreza e Fidalguia virem: que/ João Manuel Fernandes Feitosa, Fidalgo Ca-/ valleiro de Minha Real Casa, Commendados da Ordem de Nossa Senhora da Conceição/ de Villa Viçosa, e Negociante de grosso trato/ e actualmente rezidente na Cidade do Rio/ de Janeiro, Me fez petição, dizendo que documen-/ tos justificativos a ella juntos, se mostrava que / elle é filho ligitimo de João Fernandes e de/ sua mulher, Dona Marianna das Dores Fer/ nandes; neto por parte paterna de Francisco/ Fernandes e de sua mulher, Dona Custodia/ Roza Fernandes; neto por parte materna/ de Luiz Barca, e de sua mulher, Dona Lu-/ iza Maria Barca. E que os referidos, seus/ paes, avós e mais ascendentes, são pessoas/ nobres da familia dos Fernandes e como/ taes, se trataram [em face?] á Ley da Nobreza/ com armas, creados e cavallos, sem que em tem/ po algum commetessem crime de Leza Ma-/ gestade Divina ou Humana. Pelo que [imagem 08]



 

Me pedia elle supplicante por Mercê que pa/ ra a memoria de seus progenitores se não perdes, e/ para clareza de sua antiga nobreza, lhe Mandasse/ dár Minha Carta de Brazão d’Armas das ditas/ famílias para d’ellas tambem usar, na forma que/ as trouxeram e foram concedidas aos ditos seus pro/ genitores. E vista por Mim a dita sua petição/ e documentos e constar de tudo o referido, que a elle,/ como descendente das mencionadas famílias lhe/ pertence usar e gozar de suas Armas, segundo o/ Meu Regimento e Ordenação da Armaria, lhe/ Mandei passar, esta Minha Carta de Brazão/ della na forma que aqui vão brazonadas, deviza-/ das e illuminadas com cores e metaes, segundo se/ acham registadas no Livro do registo das Armas/ da Nobreza e Fidalguia d’estes Reinos, que tem o/ Meu Rei d’Armas  Portugal; a saber: Um escudo/ com as Armas dos Fernandes que são esquarteladas; no/ primeiro quartel em campo de ouro, uma aguia negra/ de duas cabeças, armada de vermelho com um crescente/ de prata nos peitos, no segundo em campo sanguinho tres escudetes de prata, carregado cada um, de sua/ cruz sanguinha, postas em roquete; no terceiro, tambem/ em campo sanguinho, um castello de prata; e o quar/ to, no mesmo campo vermelho, tres vieiras de prata [imagem 09]




postas em roquete. Elmo de prata aberto guarneci/ do de ouro. Paquife, dos metaes e cores das Armas./ Timbre, uma aguia negra, nascente, de uma só ca/ beça, com um escudete das Armas no bico, pendu/ rado por um torçal sanguinho. E por diferença/ uma brica azul, com um bezante de prata. O qual escudo e Armas poderá trazer e usar tão somente/ o dito João Manuel Fernandes Feitosa, assim como/ as trouxeram e usaram os ditos nobres e antigos/ fidalgos seus antepassados, em tempo dos Senhores/ Reis Meus antecessores, e com ellas, poderá/ exercitar todos os atos lícitos da guerra e da/ paz. E assim mesmo os poderá mandar esculpir/ em seus firmaes, anneis, sinetes e divisas, põl-as em/ suas baixellas, reposteiros, telizes, casas, capelas e mais/ edifícios e deixal-as gravadas sobre sua própria/ sepultura; e finalmente se poderá servir, honrar, go/ zar e approveitar d’ellas em tudo e por tudo co-/ mo á sua nobreza convém. Como que quero e/ Me Praz que haja elle todas as honras, privilegios,/ liberdades, graças, mercês, izençoens e franquezas, que/ hão e devem haver os fidalgos e nobres de antiga/ linhagem e como sempre de tudo usaram e goza-/ ram os ditos seus antepassados. Pelo que Mando/ a todos os juízes e mais justiças d’estes Reinos [imagem 10]



 

e em especial aos Meus Reis de Armas, Arautos e/ passavantes e a quaesquer outros officiaes e pesso/ as a quem esta Minha Carta fâs mostrada e/ a conhecimento d’ella pertencer, que em tudo lha/ cumpram e guardem e façam inteiramente cum-/ prir e guardar como n’ella se contem sem duvi-/ da nem embargo algum, que a ella seja posto por/ que assim é Minha Mercê. El-Rei o Man-/ dou pelo Duque de Saldanha, Seu Mordomo-/ mor. Pagou na Recebedoria da receita eventual/ do Districto de Lisboa, a quantia de cento e oiten-/ ta mil reis de direitos de Mercê, sendo-lhe a-/ bonados vinte mil reis em virtude do benefício/ concedidos pelo artigo segundo da carta de Ley/ do primeiro de julho de mil oito centos sessenta/ e sete, e satifez mais quarenta mil reis, de im/ posto de viação, como mostrou pelo recibo de talão/ numeros, oitocentos e dezenove, datado de dezesseis do/ corrente. Henrique Carlos de Campos, Escrivão/ da Nobreza d’estes Reinos, e seus Dominios, a/ fez em Lisboa aos dezenove de Março de mil/ oito centos e setenta = E eu Henrique Carlos de/ Campos a fiz escrever e subscrevi = Duque Mor-/ domo-mór, o Rei d’Armas, Portugal – Joaquim/ José Valentim = E eu Henrique Carlos de [imagem 11]



 

Campos a fiz registrar e assignei = Henri-/ que Carlos de Campos.//_ Nada mais/ se continha, no dito registo, do qual extrahi/ a presente certidão, que vae assignada, pelo/ Escrivão Ajudante, no meu impedimento/ Cartorio da Nobreza 6 de fevereiro de 1890,/ E eu Francisco de Paula da [Silva?] Campos, Escrivão aju/ dante, a subscreveu, e assinou.

Francisco de Paula da [Silva?] Campos [imagem 12]

 

 

 

 

quinta-feira, 1 de abril de 2021

A Chica da Silva do Ceará

 

A Chica da Silva do Ceará

                                                                             Heitor Feitosa Macêdo

 

Há quase uma década, recebi do padre Roserlândio, admirável cultor do saber, um material digital lá do Instituto do Ceará. Se tratava de uma capenga digitalização dos preciosíssimos arquivos do Barão de Studart, este, nome de gringo, mas cearense da cabeça chata e um dos maiores pesquisadores do Brasil.

Quando digo capenga, não há conotação pejorativa. Pelo contrário, a intenção dessa digitalização foi muito nobre, todavia, o resultado não atingiu seu objetivo principal, de democratizar a informação, até então, restrita à pequena burguesia intelectual da capital cearense.

Esses documentos contêm informações diversas, são manuscritos e transcrições desde a invenção do Ceará, do tempo em que Martim Soares Moreno usava fraldas e o chefe Jacaúna não passava de um curumim. Grande parte desse material sequer foi devidamente explorada e tem o potencial de desconstruir narrativas oficiais, isto é, de recontar a história dentro de uma dinâmica que lhe é própria.

Há uns dois anos, quando presidi uma dessas pomposas instituições de pretensos imortais, tive a oportunidade de conversar com Lúcio Alcântara, ao tempo, presidente do Instituto do Ceará, não perdendo a chance de expor a ele a necessidade de se fazer nova digitalização desse arquivo do Barão de Studart, de maneira a possibilitar leitura adequada desses alfarrábios. É uma esperança, não imortal, mas é a última que morre!

Mas qual a relação disto com a Chica da Silva do Ceará?

Quem já não ouviu falar na Chica da Silva, mulher negra e rica que viveu em Diamantina/MG, “amancebada” com um poderoso português, contratador dos diamantes? Ainda não? Pois é só pesquisar no google ou ver a novela ou ler as diversas biografias sobre ela.

Agora, escute o que eu vou dizer! No arquivo do Barão de Studart encontrei menção a uma outra Chica, a Chica Chóra, qualificada como “crioula” forra e residente na belíssima vila cearense do Aracati, na década de 1750.

À época, segundo o Padre Bluteau e Antonio de Moraes Silva, século XVIII, “crioulo” ou “creoulo” era termo que se referia ao “escravo” (escravizado) nascido na casa de seu senhor, diferente daquele que era adquirido por compra. Ao lado disso, rezam os mesmos dicionaristas que ser “forro” era ter saído da escravidão, ter sido libertado.

Chica Chóra era apelido de Francisca Barboza, mulher de cor que havia casado com o senhor Gonçalo Morera, aproximadamente, em 1748, com quem teve três filhas “pardas”, o que leva a crer que seu esposo fosse de origem branca. Porém, é interessante notar que este casal havia se divorciado diante da Igreja, já que ainda não havia casamento civil.

Mas o que há de tão interessante na vida de Chica Chóra?

O documento em destaque é uma “devassa”, datada de 1769, semelhante ao que, hoje, o Direito denomina de processo penal. Neste, é processado o oitavo ouvidor-geral da capitania do Ceará Grande, o bacharel em direito pela Universidade de Coimbra, em Portugal, Vitorino Soares Barbosa.

Cabe mencionar que ouvidor-geral significava ser juiz de Direito, com formação acadêmica, bem como, naquele tempo, décadas de 1750 e 1760, na então capitania do Ceará, só existia um único ouvidor para a comarca única existente, a do Ceará, criada no ano de 1723. A título de curiosidade, somente em 1816 a dita comarca é dividida, criando-se a Comarca do Crato, ou Nova Comarca.

Desde o primeiro ouvidor-geral empossado na comarca do Ceará, o que ocorreu em 1724, com o doutor José Mendes Machado, apelidado pelos cearenses de o Tubarão (por ter uma mordida grande sobre os tributos, já que acumulava a função de coletor de tributos), quase todos foram acusados por diversos crimes, o que não foi diferente com Vitorino Soares Barbosa. Desse tempo, resultou o ditado do povo: “justiça do Ceará te persiga”, tida como uma das piores maldições.  

Na devassa citada, Vitorino é acusado de cometer diversos crimes no desempenho das funções judicantes, abusando do poder para obter vantagens bem como se aproveitando disto para se deitar com mulheres virgens e com senhoras casadas.

Estava Vitorino associado a outras pessoas no cometimento desses delitos, a exemplo do advogado José Pereira de Melo, apelidado de o Palangana (vasilha para depositar ossos, etc.) em razão de ter sido degredado de Pernambuco para a Ilha de Fernando de Noronha por cometer roubos em Igrejas.

O Palangana também estava se relacionando com diversas mulheres, entre elas, Maria de Santana, inimiga da Chica Chora. Para defender sua amásia, o dito advogado resolveu usar a justiça como ferramenta de vingança, conseguindo com seu amigo particular, o juiz Vitorino, sequestrar diversos “bens” da Chica, isto é, quatro escravos, 180 cabeças de gado e uma casa residencial na vila do Aracati.

Além disso, o Palangana conseguiu prender por um ano as três filhas da Chica bem como emperrava o recurso de agravo dela para o tribunal da Relação, na BA (espécie de STF do Brasil naquela época), sem falar que, depois da soltura das moças, conseguiu promover novo sequestro sobre os bens da Chica Chóra.

Até o presente momento, eu nunca havia ouvido falar nesta senhora negra, presumidamente, rica e de grande importância na sociedade cearense do século XVIII, contemporânea à célebre Chica da Silva. Espero que este documento sobre a Chica Chora sirva de fonte a alguém mais abalizado e com lugar de fala mais adequado do que o meu.      

  

Transcrição do documento:

 


Cap.o 23.

         Fez outro na crioula Fran.ca Barboza/ p.´ alcunha xica xóra, forra, q´ p.´ o d.o Joseph/ Per.a ter tractos illicitos com huã Maria de/ S. Anna, com a qual a d.a Fran.ca Barboza tive/ ra huãs razões, e em despique fez sequestrar/ o d.o Joseph Per.a a d.a xica, e tres filhas par-/ das, donzellas, quatro escravos, cento, e oiten/ ta cabeças de gado vacum, e huã morada de/ cazas na V.a do Aracatî, a qual tinha forra-/ do seu Senhor Gonçallo Morera, avia vinte, e hum anno, e com ella se avia cazado, e/ depoiz divorciado pelo Juizo Ecclez.o, e feito/ part.as dos bens; e sem embg.o de ser notória-/ mente conhecida por forra, a teve, e as su-/ as filhas prezas na Cadea da d.a V.a hum an-/ no, sem lhe valer requerimento algum, e/ tomando p.´ Letrado ao L.do Jozeph Roiz de/ Azevedo, as gravou daquelle procedimento/ para a Rellaçam, e formadas as razões, indo [imagem 364]




com vista ao d.o Joseph Per.a se ficou com elle sem mais o querer dar com resposta ou/ sem ella athé o dia de hoje, e o mesmo Jose-/ ph Per.a armou huã petiçam em nome das/ prezas, dizendo estarem em tizicas as filhas del-/ las, e as mandou logo soltar o Ouv.or fazen-/ do-selhe segundo sequestro, com gr.de segredo,/ no gado, e cazas, que ainda está em ser.

         Test.as o L.do Joseph Roíz de Az.do/ O Sarg.to Mor Joseph Roíz P.to/ Joam Coelho, e todo o povo/ do Aracatî [imagem 365]

        

domingo, 5 de abril de 2020

Angico: árvore sagrada dos índios do sertão nordestino!


Angico: árvore sagrada dos índios do sertão nordestino!

                                                                Heitor Feitosa Macêdo
                                                     (advogado e pesquisador)

         Na oralidade, bibliografia e documentação manuscrita é possível encontrar referência a diversas árvores consideradas sagradas pelos antigos povos habitantes dos sertões do Nordeste, como, por exemplo, os umbuzeiros e juazeiros, pois, quem não já ouviu falar em uma história de assombração envolvendo estas espécies, vultos e visagens que aparecem debaixo das suas copas, pedras que são arremessadas, etc.
         Outros vegetais que também se relacionam aos cultos religiosos dos “índios” do interior são o toré ou torem, que se tornou nome de uma dança específica; os pequizeiros, que alimentavam esta gente na chapada do Araripe; o manacá e a jurema, com as quais faziam uma bebida para se comunicar com o mundo invisível.
         Sobre isto não existe muito segredo, apesar da escassez das fontes!
         E o que tem a ver o angico com a religiosidade indígena?
         Nos sertões do Ceará, o angico que se conhece é uma árvore frondosa, com caule repleto de acúleos, grossos na base e pontiagudos na extremidade, à feição de espinhos. Suas folhas são usadas para encher a parte inferior das selas e cangalhas, a fim de não causar “pisaduras” (hematomas) no lombo dos cavalos, burros e jumentos. Sua casca é rica em tanino, sendo, por isso, utilizada para curtir couros. Seu caule também libera uma resina, parecendo um cristal castanho, a qual sinaliza a aproximação do inverno (Alemão, p. 189) bem como também é utilizada para consumo, pelos menos foi o que vi e provei na fazenda Aguilhadas, no sertão cearense dos Inhamuns, estando na casa dos Valadão, descendentes diretos dos índios Jucá.
         Câmara Cascudo afirma que o angico também faz parte da flora medicinal do Catimbó (da língua tupi, “catimbau” = cachimbo), espécie de religião sincrética com forte influência indígena, principalmente da Pajelança. Este pesquisador aponta diversas propriedades terapêuticas do referido vegetal, o qual entrava, inclusive, na preparação do rapé, o mesmo paricá (Meleagro, p. 95).
         Já possuindo estas preciosas informações, tive a sorte de encontrar um documento curioso, na Torre do Tombo, Portugal, datado de 7 de outubro de 1756, o qual trata de uma denúncia feita diante do Tribunal da Inquisição por um padre capuchinho contra um índio feiticeiro, no Brasil.
         O padre se chamava frei Fidelis de Partana, missionário na Aldeia do Apodi, no Rio Grande do Norte. Esta aldeia, reunindo índios Paiacu, havia sido criada pelos jesuítas em 1700, durante a Guerra dos Bárbaros, porém, em 1735, passou para a administração dos Capuchinhos, os mesmos Barbadinhos (Em Nome da Liberdade, Lopes, p. 137).
         O índio denunciado tinha nome cristão, Gaudêncio, por já ser batizado, porém pertencia à nação dos Paiacu, povo que mantinha relações estreitas de parentesco com os Canindé, os Janduim, os Jenipapo e outros, todos incluídos, genericamente, no grupo dos Tapuia, isto é, índios que não falavam a língua dita Geral, o Tupi.
         A denúncia consistiu na apuração de uma confissão feita pelo índio Gaudêncio, autor de feitiçarias, com as quais, supostamente, havia matado 49 pessoas, deixando a sua quinquagésima vítima em estado grave. As causas que teriam levado aos crimes de feitiçaria eram diversas, como ciúmes de sua esposa, por vingança, por garapa de cana, por disputa de mulheres, por comida, por desentendimento com os comparsas de furtos, etc.
         Os instrumentos para realizar o feitiço eram cinco, a exemplo de um pedaço de pau, do tamanho de um prego caibral; um cordão de algodão em formato de cobra; e uma pedra de corisco, isto é, uma machadinha.
         O índio também confessou que para realizar os feitiços tomava jurema e angico. Aí via o diabo, bem como figuras horrendas, com pés de patos, chifres de bode, cabelos grossos, orelhas de cachorro. Igualmente, afirmou que, neste transe, além de voar, enxergava mulheres, com as quais mantinha relações carnais.  
         Sobre as informações trazidas por este documento, cabem várias análises, a depender do ponto de vista do estudioso. Todavia, o que mais me chamou a atenção foi o fato de estes índios usarem o angico em seus rituais religiosos para a elevação da alma. Mais curioso ainda é saber que, no Cariri/CE, dizia-se haver no Exú/PE, no pé da chapada do Araripe, nascentes tapadas com cera de abelha e troncos de angico. Será mera coincidência? Acho que não.
    
Transcrição Paleográfica feita por Heitor Feitosa Macêdo, no dia 05/04/2020:

         Aos Sete dias do mes de Outubro de1756, perante mim, foi per-/ guntado Pello R.do P.e M.e Fr. Fidelis de Partanna MiSsionario Ca/ puxinho da Aldeya do Apudi naçao̓ doPayacu, o Indio pornome/ Gaudencio, por seter descuberto por feiticeiro, aq.tas peSsoas tinhamorto com/ feiticos, nomeou as Seg.tes preSentes as testemunhas q serviraó de/ interprete, a Saber o Sarg.to Mor da Aldeya Bonifacio Teixr.a/ eo Cap.am Joze Barboza e tudo confeSsou sem ser constrangido, nem/ por medo nem por castigo.
o 1º a q.m matou foi Antonio, q hua̓ briga teve comelle,/ equis experimenttar se era certo oq lhetinha/ emsinado seo M.e por nome Joao̓ [palavra ilegível]
o 2º por nome Néculao por ciúmes co̓ sua m.er
o 3º M.el por hu̓ q.to decarne q lhenao̓ quis dar
o 4º Lourença por ter brigado com sua m.er
o 5º Joanna por ter brigado cum elle por hua pou-/ ca de garapa
o 6º Ant.o p ter brigado co̓ elle por garapa
o 7º M.el pello ter ameaçado
o 8º Marianna p ter brigado co̓ sua May elhedar nacabeça
o 9º João Ferr.a p ter morto a seu Pay co feitiços
o 10 Anto Mayano p ter dado em seo Pay
o 11 Amaro p dizer andava co̓ sua m.er
o 12 Niculao p brigar co̓ elle emtropas furtando
o 13 An.to [Mandanho?] por mulheres
o 14 Mariana m.er de An.to de Moraes p lhedar hum/ golpe em hua̓ maò
o 15 An.to p brigar co̓ elle p hu̓ porco do matto
o 16 M.el p brigar có seu Pay
o 17 Anastacia m.er deP.o p matar asuaMay có feitiSsos
o 18 Catharina por estumar hu̓ cachorro aseo Pay q/ hia furtar garapa [fl. 01]


19 – Mariana soltr.a p naò querer ter acto carnal comelle
20 – Mauricia p brigar có sua m.er
21 – Perpetua soltr.a p brigar có sua m.er
22 – Leonor soltr.a p brigar com elle
23 – Carrillo por matar có feitiços a a 2 f.os seos
24 – Alberto p peditorio de outro, q p lhe botar huns pôs/ como salitre emgarapa morreo de Rep.te
25 – D.os de Frois p matar ahu̓ seo neto co̓ feitiços
26 – An.to Pr.a eSua m.er p matar a a sua Neta có feitiços
28 – Serafina Viuva p dizer q elle contava alguas/ couzas ao P.e p cuja cauza lhe deu alguás pancadas
29 – Bento Nunes p matar aSeo Irmaó có feitiços
30 – P.o por lhe matar co̓ feitiços a outro Seo Irmão
31 – Joze Gomes p.das com sua m.er
32 – CaSsiano p mulheres
33 – Niculao p pro fia aq.l era mayor feiticeiro
34 – An.to Pr.a por lhe botar feitiço, ecomo naò morreo/ lhebotou outro mais forte eomatou logo
35 – o Cap.am Mor Aleixo Teixr.a p ter castigado aseo sobr.o
36 – Joze p ter morto com feitiços asua Madrasta
37 – Joào Nunes tambem Cap.am mor desta Aldeya/ p dizer q o havia de matar p feiticeiro
38 – Luis Mendes Irmão do Cap.am Mor p ter dado/ emsua sobr.a com hú pao
39 – Antonica soltr.a vinda da Aldeya de N. Sr.a/ da Palma do Canindê, p experimentar seos seos (sic)/ feitiços erão mais fortes
40 – An.to Pr.a p matar aSua Irmáa̓
41 – Serafina Viuva p publicar q era feiticeiro
42 – M.a deMattos Viuva p brigar com sua m.er
43 – M.el velho p ter jurado deo mattar [fl. 02]


44 – Fran.ca viuva pello descompor depalavras
45 – Fran.ca m.er do Cap.m Mor Joao̓ Nunes por ter dito tinha morto/ aseo [murido?]
46 – Lourenço p ter brigado co seo f.o
47 – Jacinto p duvidas de Roças
48 – o Cap.am Miguel p lhequerer dar por bebado
49 – Thomazia por lhe pedir o dito Jacinto
50 – Izabel m.er deFloriano p lhe negar f.a Esta ainda naò mor-/ reo, mas esta p.a iSso.
         E diSse mais q´ todas as vezes q queria botar feitiços lhe parecia o diabo./ DiSse tambem q todas as vezes q bebia jurema, ou angico lheapareciào/ m.tas evarias figuras horrendas, alguás com cabellos groseiros, e/ barbas como bode, outras com xifres debode, epe depato, eorelhas/ comode caxorro, alguás emformade mulheres, com q.m tinha acto/ carnal, elhe prometeo deo servir sempre, eq q.do quizeSse morrer/ se valeSse delle.
         As couzas q selhe acharaò comq matava saò as seguintes/
a 1ª he hu̓ pedaço de pao do tamanho de hu̓ prego caibrar, q fa/ zendo pontaria com elle sem olugar da mao̓ matava âquella/ peSsoa aq.m o indireitava.
a 2ª huá pedra decorisco, com q fazia o mesmo efeito
a 3ª huá pedra branca do feitio de Salitre có o mesmo efeito
a 4ª hú pedaco debreu q fazia o mesmo
a 5ª hú cordaò comprido defio dealgodao̓ trocido docomprim.to/ de tres braças pouco mais ou menos, húa ponta fina, e/ na outra tinha huá boca comodecobra, e q se estendia/ meya Legoa p.r fazer mal aq.m elle queria
         DiSse mais q voava q.do queria untando opeito com emgoento preto/ elogo emcolhia os pes, elhe sahia penas, evoava, e sequeria carregar/ outro untava as costas. Isto he odeq selembra athe hoje, edaqui/ pordiante setiver mais q confeSsar opoderâ escrever q.m o souber [fl. 03]


q eu por hir deviagem, em naò poder deter Lâ certifico, oq/ lhe ouvi, eo juro in verbo sacerdotis aos 7b.o Sobredito/ mes, e anno.
         Fr. Graciano de S. D.os
         Frey Fidelis de Partanna Mis.o:Ap:Cap.

        



domingo, 29 de março de 2020

O Cariri nos Estudos sobre a Etimologia da Palavra Cangaço


O Cariri nos Estudos sobre a Etimologia da Palavra Cangaço

 Heitor Feitosa Macêdo
(advogado e pesquisador)


        A discussão acerca da origem da palavra “cangaço” parece ter arrefecido diante das opiniões de escritores consagrados, como a de um dos imortais da Academia Brasileira de Letras (ABL), Gustavo Barroso, o qual adota “canga de aço” como sendo a razão etimológica do termo cangaço. Ocorre que, até o presente, a maioria dos estudiosos tem se apoiado nessa hipótese para explicar a formação deste vocábulo, fato que merece ser reavaliado diante de novas fontes de informação.  

Diferentes Significados de Cangaço e Cangaceiro

         Ao contrário do que se pensa, a palavra cangaço não define apenas a forma de banditismo rural ocorrida nos sertões do Nordeste em épocas passadas, possuindo também outros significados.
         Afora o modo de vida adotado pelos indivíduos cangaceiros, ou seja, o cangaceirismo, Aurélio Buarque de Holanda também registra que cangaço pode referir-se ao engaço de uvas depois de pisadas e de extraído o vinho; ou ao conjunto de armas dos cangaceiros e; ainda, pode reportar-se aos objetos de uso de uma casa pobre; bem como ao pedúnculo e à espada do coqueiro, que se desprendem da árvore quando secos[1].
         O historiador e folclorista Câmara Cascudo não se afasta muito da definição dada anteriormente, contudo, complementa que, no sertão (interior do continente), cangaço igualmente alude aos utensílios do cangaceiro, como o preparo, carrego, aviamento, e, além das armas, diz respeito às munições, bornais, bisaco com suprimentos, balas, alimentos secos, meizinhas tradicionais, roupa, etc. No mais, acrescenta ele que os termos “tomar o cangaço”, “viver no cangaço”, “andar no cangaço” e “debaixo do cangaço” são sinônimos do bandoleiro, assaltador profissional, ladrão de mão armada, bandido[2].
         Antonio Geraldo da Cunha afirma em sua obra que cangaço teria registro desde 1813, fazendo menção ao engaço das uvas depois de pisadas, ademais, opina que o termo se relaciona ao modo de vida dos cangaceiros e ao conjunto de suas armas[3]. Igualmente, no trabalho de Francisco Fernandes veem-se as mesmas definições, como engaço, bagaço, cango, canganho, tarecos, vida de cangaceiro, banditismo ou bandoleirismo[4]. 
         O Dicionário da Enciclopédia Britânica faz iguais digressões, no entanto, aponta uma informação extra, asseverando que cangaço também pode significar animal magro[5]. Esta ideia é reforçada por Abelardo F. Montenegro, o qual, baseado no Dicionário da Gíria Brasileira, de Manuel Viotti, aponta que cangaço é também acepção de animal magro ou de destroços[6].
         Estudando o vocabulário popular cearense, Raimundo Girão fala que cangaço poderia significar o modus vivendi (modo de viver) e o modus operandi (modo de agir) de certos bandidos, ou os cacarecos e trastes pertencentes ao poviléu, ou, ainda, o esqueleto do animal devorado por aves de rapina, a carcaça:

Cangaço - s.m. Gênero de vida dos bandoleiros que até recentemente infestaram, com os seus crimes e pavores, o Nordeste. Cangaceiro é o que vive dêsse modo, atacando e matando. Bandido, salteador = Os cacarecos ou trastes de gente pobre: ‘Fulano abandonou a casa e levou todo o seu cangaço’. Esqueleto devorado por aves de rapina. Carcaça.[7]

         Já Pedro Baptista assegura que, no início do século XX, em certos recantos do sertão, cangaço referia-se à ossada, esqueleto de qualquer animal doméstico ou selvagem. No mais, observa que o vocábulo “nem sempre designa o homem armado, o mal fazejo, na linguagem simples”, mas, por vezes, é utilizado para distinguir o guarda-costas (ou cabra) do “cabeça do bando”[8]. 
         O membro da Academia Brasileira de Letras, Gustavo Barroso, também apresenta uma definição múltipla e bastante abrangente para o cangaço (fenômeno social) e para as pessoas nele envolvidas (os cangaceiros):

O cangaceiro do Norte é selvático e feroz, sofrendo de um descalabro nervoso – produto da ancestralidade e do cruzamento étnico. Cangaceiro é o homem que vive “debaixo do cangaço”. O cangaço não é somente, na linguagem sertaneja, o armamento do bandoleiro; é, também, o seu modo de vida nômade, desregrado e sanguinário. O termo cangaceiro estende-se a todas as modalidades do criminoso nos sertões; é o salteador, o sequaz de atrabiliário e cruel dono de fazenda, de ignorante e perverso chefe político; um criminoso perseguido pela justiça, muitas vezes vítima da exarcebação de ódios políticos, que vive pelos matos às ocultas, exercendo vinganças, cometendo desatinos, matando inimigos descuidosos nas largas estradas solitárias; ou ainda os criminosos degenerados, tarados pelo atavismo, com nevroses de todas as espécies.[9]  

         Na interpretação de Barroso, o cangaço era uma forma de vida que se espraiava por todas as classes sertanejas do Nordeste, do rico ao pobre, do chefe político ao agricultor, todos estavam envolvidos na cangaceiragem:

O bandido, o salteador, o degenerado torvo, de faculdades deprimidas, o chefe político vingativo e mau, o criminoso romântico, misto de generosidade e selvageria, crueldade e nobreza, o chefe de família pundonorosa, susceptível, bárbara, o foragido, todos são cangaceiros, todos têm a mesma paixão pela luta, a mesma inclinação para essa vida incerta, vagabunda, com o perigo de uma emboscada em cada moita, de uma cilada em cada risonha hospedagem: o mesmo espírito ardiloso e premunido, a mesma selvatiqueza de sentimentos, idênticos instintos de tigre, inclinações iguais, quase iguais psicopatias, tamanha ferocidade.[10]

         Ressalta o referido autor que, neste modo de vida cangaceiro, viviam grupos importantes do sertão, famílias afidalgadas, a elite agrária dos sertões nordestinos de outrora, a exemplo dos Barroso do Curu, os Cunhas do Boqueirão e outras:

Há famílias de cangaceiros. A herança do crime perpetua-se de geração em geração; e essa gente vive nas suas fazendas sempre cercada de bandoleiros, aureolada pela fama dos feitos. Tem grande influência na sua zona, intervindo em todas as questões, quer políticas, quer particulares, tudo podendo e ousando tudo. Assim são, por exemplo, os Barroso do Curu, os Cunhas do Boqueirão, os Paulos do Trapiá, os Dantas do Teixeira e os Feitosas dos Inhamuns.[11]

         Com base neste relato e em outros escritos, Abelardo F. Montenegro classifica o cangaço em dois sentidos, o primeiro, na “acepção lata” e, o segundo, na “acepção estrita”, da seguinte forma:

Na acepção lata, cangaceiro “é o salteador, o sequaz de atrabiliário e cruel dono de fazenda, de ignorante e perverso chefe político; o criminoso perseguido pela Justiça, muitas vezes vítima da exarcebação de ódios políticos, que vive pelos matos às ocultas, exercendo vinganças, cometendo desatinos, matando inimigos descuidosos nas largas estradas solitárias; ou ainda os criminosos degenerados”.
Na acepção estrita, “cangaceiro é aquele indivíduo que, tendo sido ultrajado por outrem, em sua pessoa ou em algum membro de sua família, com o seu lar descatado, violentado, desonrado, enfim se vinga do autor dos respectivos atos praticados, fugindo do lugar em que acaba de praticar o crime, de pura represália, para escapar à ação da justiça local, que reputa falha, exceto se é afilhado ou correligionário do chefe político da zona”.[12]

         Com base nisto, entende-se que o cangaço, em sentido amplo (“acepção lata”), abrangeu todo o arranjo social vigente na geografia interiorana do Nordeste, tanto o Poder oficial (o judiciário, a política, a força militar e policial, os coronéis, fazendeiros, etc.) quanto o Poder não oficial (os cabras, jagunços, capangas, pistoleiros, cangaceiros, etc.), isto é, todo o sistema vivia debaixo do cangaço. Por mais que pareça ser paradoxal, boa parte da elite nordestina mantinha relações simbióticas com os cangaceiros, eram duas forças que se completavam, uma exitindo em função da outra.
         Segundo Barroso, em publicação do início do século XX: “o cangaceiro existe em função do coronel e o coronel domina em função do cangaceiro, Combate-se o coronelismo e se estará trabalhando para a extinção do cangaceirismo”[13].
         No que diz respeito ao cangaço em sentido amplo (“acepção estrita”), subentende-se que este fenômeno social é caracterizado pela presença de indivíduos que empreendiam constante fuga depois de se vingarem de alguma ofensa e/ou por não ter encontrado justiça perante as autoridades competentes.
         Há também classificações diversas sobre os cangaceiros. Gustavo Barroso os classifica em românticos, psicopatas[14], evadidos ou acoitados e os valentões[15]. Já Aberlado Montenegro, além de citar a diferenciação entre bandido e cangaceiro, afirma que este último pode ser classificado em profissional e amador ou, ainda, segundo o jornal “A Tribuna”, de 7-4-1922, em particulares, políticos e profissionais[16].
         Em trabalho mais recente, Frederico Pernambucano de Mello tece algumas diferenças entre alguns termos como cabra, jagunço, capanga:

A segunda figura a ser estudada é a do cabra ou jagunço, ainda que entre os três tipos haja diferenças que não devem ser ignoradas. Cabra é o homem de armas que possui patrão ou chefe, desempenhando mandados tanto de ordem ofensiva quanto defensiva. Se na sua atuação há uma predominância do aspecto defensivo, do chamado guarda-costas, nos trabalhos de cobertura pessoal ao chefe, passa a receber, via de regra, a denominação de capanga, tipo mais discreto e confiável, que convive com o chefe em estreita intimidade, tendo adquirido, desde muito cedo e mais do qualquer outro tipo aqui analisado, larga expressão urbana (...). Para José Américo de Almeida, por outro lado, “o cangaceiro originou-se da instituição do guarda-costa, como uma necessidade de defesa das fazendas ameaçadas pelo gentio”. [17]

         Além disso, o mesmo autor também diferencia “cangaceiro bravo” do “cangaceiro manso”:

Nada mais sintomático dessa tendência que o fato de dar-se na zona rural do Nordeste ao cabra, à sua forma variante mais íntima que é o capanga, e mesmo ao jagunço, a designação de cangaceiro manso, expressão que traduz exatamente a ideia de comporem estas figuras uma linha auxiliar do fenômeno maior, espécie de sementeira de vocações não despertas de todo porque entregues ao exercício de um aventureirismo guerreiro ainda relativamente brando, mas que a um leve estímulo poderiam facilmente resvalar no cangaço integral (...) não nos parecendo correta, portanto, a ideia de que o cangaceiro brabo seja filho, na ordem histórico-evolutiva, de um cangaceiro manso cujo potencial guerreiro foi tornado ocioso pelo desfrute pela sociedade sertaneja de um clima de paz relativamente satisfatório, gerador de desemprego tanto para cabra quanto para capanga ou jagunço que, nessa apertura, “organizava ou procurava um bando”.[18]

         No que diz respeito aos pistoleiros, nos sertões nordestinos, Frederico aponta que suas origens estão nos “tocaieiros” ou “matadores de pé-de-pau”, os quais, além de reduzirem a limite mínimo o seu próprio risco de morte, agiam geralmente sozinhos e matavam para obter ganho pecuniário:

O pistoleiro mata para obter um ganho, seja em dinheiro, terras, gados, joias ou outros valores. Difere do cabra e do capanga não apenas por agir normalmente sozinho, mas pela circunstância de não se relacionar diretamente com o mandante do crime, recebendo instruções e prestando contas a um intermediário, o chamado empreiteiro, também conhecido como cruzeteiro na região do sertão de baixo e do agreste meridional, com centro na cidade de Garanhuns, no Estado de Pernambuco.[19]     

         Mas o grande insight deste pesquisador acerca do assunto foi identificar a principal característica do cangaceiro, que o distinguiria do jagunço, do cabra, capanga e pistoleiro. Tal característica seria a ausência de vínculo de subordinação exclusiva com o contratante dos serviços de cangaceiragem, ou melhor, o cangaceiro não possuiria patrão:

Deve restar bem claro que o relacionamento não produzia vínculo de subordinação exclusiva para qualquer das partes. A característica principal do cangaceiro, vale dizer, o traço que o faz único em meio aos demais tipos aqui já analisados, é a ausência de patrão. Mesmo quando ligados a fazendeiros, por força de alianças celebradas, o chefe de grupo não assumia compromissos que pudessem tolher-lhe a liberdade. A convivência entre eles fazia-se de igual para igual, agindo o cangaceiro como um fazendeiro sem terras, cioso das prerrogativas que lhe eram conferidas por poder das armas, sem dúvida o mais indiscutível dos poderes.[20]   

         Junto a isso, o referido estudioso classifica o cangaço em três tipos, quais sejam, o cangaço-meio de vida, o cangaço de vingança e o cangaço refúgio. Segundo ele, o primeiro tipo, cangaço-meio de vida, é o banditismo de profissão, tendo como representantes Lampião e Antônio Silvino. O segundo tipo, cangaço de vingança, possui um entendimento literal, encontrando suas razões na autotutela, na vingança privada, chamado pelo autor de “cangaço nobre” e tendo como alguns de seus representantes Sinhô Pereira e Jesuíno Brilhante. O terceiro tipo, cangaço refúgio, seria uma alternativa para pessoas perseguidas, que, no “asilo nômade das caatingas”, encontravam proteção[21].   
         Estribado nessa mesma ideia, Pernambucano de Mello afasta a aplicação generalista da teoria marxista para explicar para a formação do cangaço, que, segundo ele, não se resumia apenas a uma luta de classes, travada entre o coronel e o cangaceiro, mas possuindo raízes histórico-culturais mais complexas, ligadas ao choque étnico, ao tempo dos primeiros contatos ocorridos no Brasil “recém-descoberto” ou invadido, quando numerosos grupos humanos se mantiveram, reciprocamente, insurretos aos regramentos alheios aos seus códigos culturais. A esta teoria de insubordinação constante, projetada ao longo do tempo, o autor deu o nome de “irredentismo”:

Vincando tão expressivamente uma Europa calejada de crenças, o seu tanto blindada a novidades, um continente distante enfim, a sedução da existência do homem em estado de natureza, traduzida, no plano da atitude – e desde que fincadas as primeiras estacas da organização colonial – por um irredentismo orgulhoso, uma sobranceria forrada da ilusão de cada um ser rei de si mesmo, não poderia deixar de ter as marcas mais profundas plantadas senão no Brasil, a terra berço de maior evidência, quanto a esse sentimento libertário – ou anárquico, a outros olhos – naquele período. O irredentismo – cumpre que se complemente como preâmbulo ao seu entendimento – antes de se empinar em rebeldia, nasce apenas repúdio. Bem-comportado repúdio à ideia de ser redimido de suposta selvageria mediante a adoção de valores estranhos aos seus. Mais que estranhos, estrangeiros. Europeus. A rebeldia surgirá com a coação. A ministração a pulso em lugar do convencimento. E temos o caldo de cultura para o conflito.[22]

         Partindo de todas essas informações, é necessário examinar mais a fundo em que época, mais ou menos, o fenômeno social do “cangaceirismo” aparece nas crônicas históricas e se o uso da terminologia “cangaço”, é, semanticamente, coetânea ao referido banditismo.

Comportamentos Cangaceiros e suas Antigas Definições

         No vocabulário dos europeus que haviam chegado ao Nordeste do Brasil, nos primeiros tempos do período colonial, encontram-se diversas terminologias usadas para identificar pessoas ou grupos que não se alinhavam com as regras sócio-jurídicas do Velho Mundo, a exemplo de termos como criminosos, delinquentes, canalha, gentalha, vadios, assassinos, vagabundos e, até mesmo, frases como “sem lei, fé e rei”.
         Por óbvio, essa visão/dicção promanava do choque cultural ocorrido a partir do intenso contato entre as diferentes etnias que convergiram para o referido espaço, principalmente na zona litorânea, onde as embarcações, vindas de Além-mar, atracavam.
         Não bastasse a diversidade já existente entre franceses, holandeses, espanhóis, portugueses, africanos e outros, o contato destes com o índio americano provocou grande impacto nas regras jurídicas e morais dos monoteístas europeus. Andar nú, comer carne humana, não ter escrita, viver sem acumular “riquezas”, praticar a liberdade sexual, não possuir residência fixa, etc., tudo isso abalou profundamente os rígidos conceitos do Velho Continente. Tanto é que o modo de vida indígena chegou a influenciar diversos pensadores da Europa, inclusive filósofos da renascença e, até mesmo, iluministas:

E a Europa vai-se enchendo de índios, em grande parte brasileiros, tupinambás, tabajaras, caetés, tamoios, que dançam para reis, devassam clausuras de freiras curiosas e avistam com filósofos, a exemplo de Montaigne, por volta de 1562, motivando a escrita de um dos Ensaios mais altos, sumário pungente do pensamento humanista da Renascença. Sem o saber, os nossos índios iam desatando, na cabeça dos pensadores mais ilustres do tempo, os laços constrangedores manejados pela realeza e pelo papado, na subjugação política e psicológica do homem dito civilizado. Mesmo que o imponente retrato do índio americano divulgado na Europa apresentasse retoques místicos não difíceis de flagrar, o certo é que o século XVII, ao entrar em sua segunda metade, já não tinha nessa figura flamboyante apenas uma curiosidade mas um modelo. E sobre este irão fundar-se correntes filosóficas e jurídicas, quintessenciadas em doutrinas políticas que explodem com o individualismo revolucionário do século XVIII. Com Rousseau. Com a Revolução Francesa. Com o “bom selvagem”.[23]   

         Desde o primeiro contato, o branco utilizou palavras para descrever esses povos primitivos do Continente Americano, referindo-se a eles pelos termos: índio, bugre, gentio, bárbaro, negro brasil, brasis, brasiliano, brasilíndio, ameríndio, íncola, ameríncola, povo pré-colombiano, homem americano, autóctone, aborígene, nativo, silvícola, silva, selvagem, alarve, caboclo, tupi, tapuia, etc. Ocorre que, com a chegada dos caucasianos, parte destes povos indígenas resistiu de diversas formas à invasão do interior do continente, passando a serem vistos como inimigos do Estado made in Europa.
         Frederico Pernambucano de Melo afirma que o cangaço é um fenômeno social resultante da mistura étnica, do caldeamento cultural surgido no litoral e, posteriormente, disseminado para o interior do continente, o sertão, entre a civilização do couro:

O cangaço, em sua raiz de insurgência nômade, grupal e autônoma – é dizer, de chefia situada dentro do próprio bando – mostra-se tão velho quanto a própria colonização brasileira, as suas desordens remontando ao período das capitanias, fenômeno de origem litorânea que é, sem que dispusesse, nesses primórdios junto ao mar, do nome por que ficaria conhecido e que só viria a receber no sertão, quando para ali vai sendo enxotado pelo sucesso da colonozação na faixa verde.[24]

         Segundo o mesmo autor, é na zona geográfica do sertão que a forma de banditismo já praticada no litoral recebe o nome de cangaço. Sob este ponto de vista, o fenômeno social pre-existente no litoral, só ganhará nome próprio no interior do continente brasileiro, no sertão.
         De acordo com Gustavo Barroso, no Ceará, os cangaceiros, antes de possuírem tal denominação, eram chamados de “cacheados”. No final do século XVIII, quando a então capitania cearense era governada pelo capitão-mor João Batista de Azevedo Coutinho de Montaury (de 1782 a 1789)[25], havia um estereótipo bastante conhecido e malquisto pelas autoridades, o qual era caracterizado, sobremodo, pelo comprimento dos cabelos, com carapinhas felpudas, escondidas debaixo de seus chapéus, feitos com casco de peba ou couro. Sobre isso, explica Barroso:

Os antigos cangaceiros do Nordeste tinham o hábito, que se prolongou até bem pouco tempo, de usar como distintivo profissional, sinal de valentia e fereza, uma longa melena sobre a testa, que, frisada naturalmente pela mestiçagem, se enrolava, formando uma trunfa ou topete. E daí talvez venham as expressões ter topete e ser topetudo, indicadoras de audácia. Quando o possuidor da mexa estava de chapéu à cabeça, ninguém a via; porém, logo que o tirava ou o derramava para traz, ela aparecia. E nenhuma pessoa se atrevia a tirar o menor paluxio para as bandas dum tipo desses. Nesse tempo, não se chamavam jagunços nem cangaceiro os cabras famanazes e os bandidos: eram os cacheados.[26]

         Diz o mesmo autor que, nesse tempo, tais indivíduos, mestiços identificados pelas compridas melenas, não eram apelidados de “cangaceiros”, nem de “jagunços”, mas de “cacheados”.
         Nas andanças do referido capitão-mor (governador) pelas vilas de Aquiraz ou Fortaleza, bastava que algum homem de cor e cabeludo deixasse o chapéu cair para trás da nuca, descobrindo o cacho sobre a testa, para que Montaury ordenasse a sua captura. Em seguida, o dito governador determinava sumariamente o corte da indesejada madeixa, tomado pelo anseio de eliminar os bandidos e vadios que infestavam o Ceará.
         Mesmo sendo uma medida ineficaz, Montaury, convicto de sua missão, chegou a ordenar a todos os homens de cor que, quando passassem pelo paço do governo, colocassem à mostra o tope de suas cabeças, com a finalidade de decepar a golpe de terçado as gaforinhas “cangaceirais”. Apoiado na tradição oral, Barroso narra como ocorriam esses cortes compulsórios de cabelo:

Na tal residência da rua de Baixo, debruçava-se pela manhã no muro que dava para a via pública e punha-se a observar a gente que ia para a antiga Praça do Conselho, depois, da Sé. Mal dava com um cabra de chapéu descido para a nuca e cacho bamboleando no meio da testa, gritava aos soldados da guarda: ‒ Pega! Quatro ou cinco milicianos seguravam o valentão e traziam-no à presença terrível do déspota. Com um safanão, o cabo da esquadra atirava-lhe o chapéu de couro ou de casco de peba ao chão. O cacho flutuava livre. E o capitão-mor ordenava: ‒ Sargento, corte a trunfa deste não sei que diga! O inferior arrancava o amolado chilfarote da bainha e decepava o atributo capilar do famanaz. Os soldados desarmavam-no e soltavam-no. Montaury bradava: ‒ Vá embora, cabra! E, cuidado, não deixe crescer outra trunfa! [27]

         Continuando a busca pelos mais antigos registros sobre o termo cangaço ou cangaceiro, observa-se que, em um dicionário publicado no ano de 1832, na cidade de Ouro Preto/MG, da autoria do goiano Luiz Maria da Silva Pinto, cangaço era “s.m. o mesmo que Bagaça, e Bagaço”[28].   
         Já no jornal pernambucano “Diário Novo”, na edição de 03 de agosto de 1843, sob o título “Comunicado”, há uma matéria sobre a força e o terror usado pelo Governo no período eleitoral. Nesta, é citada a palavra “cangaço” dentro seguinte contexto: “No meio porem de todo este cangaço do governo o que tem feito a oposição?”[29]. Pelo contexto em que está inserida a terminologia, entende-se que cangaço foi usado no sentido de uso da força, em desrespeito à legalidade do processo eleitoral.
         Noutro jornal pernambucano, “A Carranca”, na edição do dia 22 de dezembro de 1845, no título “Que Mania”, também aparece a palavra cangaço:

Ex operibus eorum cognocetis eos (Sete Setembro, n. 30) Com effeito! até o Evangelho, esse monumento saneto, e invulneravel, he invertido, e adulterado pelo carunxo mór, pelo plagiário em chefe, Miguel do Sacramento Lopes Gama! Ex fructibus corum cognoscetis eos (diz o Evangelho) mas o fradixo, que he filho primogenito da inversão, e da desordem, e encanecido no pessimo habito de furtar, de parodiar, e de torcer a seu geito as passagens de todos os autores, que lhe caem nas garras, sai-se com o – ex operibus ecrum &e.! Forte mania! Impingir obras por fructos! Bem sabemos, que faz mesmo sentido, mas que precisão tinha o frade de substituir huma palavra com outra? Em fim este cangaço de petas nasceo no mesmo dia, em que nasceo o diabo (...).[30]

         Mesmo analisando o contexto, fica difícil entender o que o autor pretendeu dizer ao citar o termo “cangaço de petas”. Apesar disso, vale ressaltar a relativa antiguidade do uso da palavra dentro de uma linguagem de jornal, isto é, dentro de uma escrita oficial.
         Em um dicionário do final do século XIX, publicado no Rio de Janeiro, no ano de 1889, pelo Visconde de Beaurepaire-Rhoan, natural de Niterói, há três diferentes sentidos para “cangaço”. Diz o autor que a palavra é de origem portuguêsa e, nas então províncias de Pernambuco, Paraíba, Rio Grande do Norte e Ceará, significava:

Cangaço (1º), s.m. (Pern., Par. do N., R. Gr. N., Ceará) pedunculo e espatha do coqueiro, os quaes se desprendem da arvore, quando estão seccos.// Etym. E’ vocabulo portuguez que se applica ao pedúnculo dos cachos da uva, e mais, com a significação de bagaço, á parte grosseira que fica dos productos expremidos (Aulete).// Em Alagôas dizem Cangaraço (B. de Maceió).
Cangaço (2º), s.m. (mesmas provs. acima citadas) objetos de uso de uma casa pobre. Neste sentido usa-se no plural, e vem a ser o mesmo que Cangacaes.
Cangaço (3º), s.m. (mesmas provs.) conjunto de armas que costumam conduzir os valentões: ‒ Fulano vive debaixo do Cangaço, isto é, carregado de armas (Meira).[31]

         Ainda, Beaurepaire-Rhoan traz em seu dicionário o significado do termo “cangaceiro”, que, segundo ele, no Ceará, era o nome dado ao homem que carrega “Cangaço”, isto é, “armas em excesso, affectando valentia”[32].
Francisco Freire Alemão

         Mas é no corpo de um antigo diário de viagem, escrito entre os anos de 1859 a 1861, que vamos encontrar a mais antiga definição para o termo “cangaceiro”, dada pelo médico carioca Francisco Freire Alemão, cientista enviado por D. Pedro II para a província do Ceará, na qualidade de chefe da Seção Botânica da Comissão Científica de Exploração.
         Quando Alemão esteve na região do Cariri cearense, mais especificamente, na cidade do Crato, tomou nota sobre o assunto, dizendo que: “De viagem os figurões, ou os que querem passar por tais, andavam sempre com certo número de homens armados, chamados cangaceiros”[33].

Duas Hipóteses sobre a Origem da Palavra Cangaço
Primeira Hipótese: Origem Portuguesa (Cangaço ou Canga de Aço)        

         O imortal da Academia Brasileira de Letras (ABL) Gustavo Barroso parece ter sido o responsável pela primeira afirmativa escrita sobre a origem da palavra cangaço, a qual, segundo ele, é oriunda da língua portuguesa.
         Gustavo Barroso, um dos maiores estudiosos sobre o cangaceirismo, foi responsável por construir a hipótese mais aceita, atualmente, para explicar a origem da palavra cangaço. Segundo o referido autor, a terminologia “cangaço” surgiu do hábito de os antigos bandoleiros se sobrecarregarem de armas, trazendo o bacamarte passado sobre os ombros, à feição de uma canga, por isso dizer que estes indivíduos andavam debaixo do cangaço, isto é, de uma canga de aço[34].
         A obviedade e a lei do menor esforço consignam essa hipótese como verdadeira e acima de qualquer suspeita, no entanto, tal afirmativa é, no mínimo, uma visão simplista e insuficiente para explicar a origem do termo cangaço, pois alguns questionamentos colocam em dúvida tal hipótese.
         Primeiramente, é sabido que os cangaceiros andavam em bando, então, em meio ao séquito, o indivíduo que portasse sua arma sobre as espáduas, possivelmente, teria o cano desta apontado para algum companheiro que se posicionasse em um dos seus flancos, havendo, assim, grande risco de disparo acidental ao longo das estreitas veredas e dos ínvios caminhos das caatingas, irregulares, pedregosos e repletos de garranchos.
         Em segundo lugar, partindo do princípio de que as armas eram relativamente pesadas, é óbvio que portar sobre os ombros um bacamarte boca de sino, mosquete, trabuco, rifle, fuzil ou qualquer outra ferramenta do mesmo peso e natureza, composta de ferro e madeira, poderia causar grandes incômodos ao longo de horas de caminhada. Além disso, há antigos informes documentais sobre o uso da “bandoleira”, isto é, uma correia que permitia o transporte das armas longas, a tiracolo, sem sobrecarregar os ombros e os braços. 
         No que tange a este assunto, Frederico Pernanbucano de Mello, em entrevista ao ex-cangaceiro Medalha (Miguel Feitosa Bizarria Lima), apurou que, em regra, não era comum os cangaceiros do bando de Lampião portarem suas armas sobre os ombros:

O processo era comum à bandoleira, correia forte de couro destinada a suster a espingarda no ombro, de ordinário em linha vertical paralela ao tronco. E, aqui, mais um ponto a desvelar a ambiguidade das atitudes de misticismo naquele meio, mesmo na relativa homogeneidade do bando de Lampião: para alguns cangaceiros, nada era mais inadmissível que pendurar a espingarda nas costas em diagonal com o tórax, a correia indo do ombro esquerdo para a ilharga direita, ou vice-versa. Seria “botar nas costas o pau da Cruz e chamar a morte”, por ser de madeira a base da estrutura da arma. Assim nos relatou Medalha, grave, e ficamos na crença.[35]

         A forma como eram portadas as armas por homens ligados ao cangaço ou pré-cangaço já é citada em documentos escritos no início do século XVIII, a exemplo de uma narrativa sobre a prisão do segundo ouvidor-geral (juiz) da então capitania do Ceará, o bacharel Antonio Loureiro de Medeiros, a qual foi efetuada no começo da década de 1730, nos seguintes termos: “e entrando nela [Fortaleza] o capitão da infantaria, querendo prender a Antônio de Loureiro, este puxou por uma faca de ponta que trazia, e duas pistolas no sinto, e uma carabina de tiracolo”[36].
         Ao usar a expressão “carabina de tiracolo”, significa dizer que as armas longas de fogo já eram transportadas por meio das bandoleiras, isto é, com correias (geralmente, feitas com couro) afixadas próximas às extremidades das armas de fogo, para, assim, serem sustidas em um dos ombros de quem as portava.
         Portanto, em nossa opinião, a etimologia aventada por Gustavo Barroso não deve prevalecer por não possuir uma justificava histórica mais robusta.

Segunda Hipótese: Origem Indígena
Língua Tupi    

         Contrariando a pretensa origem lusa do étimo em apreço, Tomé Cabral afirma que o substantivo masculino “cangaço”, na segunda acepção apontada em seu dicionário, possui sentido de esqueleto[37], pois, segundo ele: “parece, a princípio provir do tupi canguera (ossada, osso sem carne)”. Completa o autor, citando a opinião de Batista Caetano, que cangaço tem origem no “abanenga” (língua geral), sendo derivado de “kang” (osso) ou “akang” (crânio ou cabeça).
         No entanto, Tomé Cabral admite haver dúvida em torno da exata origem do termo cangaço, ponderando que o assunto: Merece entretanto, um estudo mais aprofundado a respeito de sua origem, tendo-se em vista a semelhança gráfica e a quase homofonia entre cangaço e cangalho e sobretudo ao sentido mais ou menos equivalente:

Cangaço - sm. - 1) - O modo de vida do cangaceiro. O banditismo. ‘...prometendo retirar-se do cangaço’ (LCF 27). ‘...quis sanear o cangaço o Estado da Paraíba’ (XOB 99). ‘...afivelando a cartucheira e se perdendo no cangaço’ (LMN 59). CAIR (ou ENTRAR) NO CANGAÇO - Ingressar na vida de cangaceiro. ‘Era muito melhor caírem logo no cangaço’ (FMM 227) VIDA DE CANGAÇO - ‘Vida de cangaceiro, de salteador habituado ao cangaço’. ‘Tomar o cangaço, viver no cangaço, andar no cangaço, debaixo do cangaço, são sinônimos do bandoleiro, assaltante profissional” (LCF 183)”. Na segunda vez que Tomé Cabral menciona a palavra cangaço, é com significado anatômico, referindo-se a esqueleto, pessoa ou animal esquelético: “3) - O corpo, em sentido figurado ou burlesco. ‘...o dia em que alguém pisar em cima de meu cangaço’ (cit. NML 151). 4) - Traste, objeto quase imprestável; resto de móvel ou de certos utensílios.[38] 

         Já o estudioso Leon Clerot registra em seu dicionário a palavra tupi “cangaça” como sendo um nome geográfico no Estado de Pernambuco e com o significado de travessia da cabeceira (“acanga-açába” = cabeça) ou travessia de caminho (“acanga” = cabeça + “acaba-apeaçába”). No entanto, apesar da semelhança fonética, existe uma diferença de gênero e de sentido, o que não impede que tais vocábulos (cangaço e cangaça) possuam alguma ligação etimológica. 

Língua Tapuia: Cariri (Kiriri)

         Pedro Baptista, no ano de 1929, suscitou a possibilidade de a palavra cangaço ter origem na língua dos chamados “tapuias” (isto é, índios que não falavam tupi), mas, mais particularmente, na língua dos índios Cariris, e isto com base na antiga obra do Padre Luiz Vincencio Mamiani, autor do “Catecismo Kiriri”, publicado em 1698, no qual está registrado o termo “canghi”, que quer dizer “bom”. Argumenta Pedro Baptista que esta adjetivação estaria relacionada à “compassiva tradição sertaneja” em se lembrar dos seus heróis “sempre aureolados de bondade e nobreza d’alma”[39]. 
         Além desse catecismo, o termo em comento também é encontrado numa antiga gramática da língua dos índios Cariris, publicada em 1699 pelo mesmo padre (“Arte de Grammatica da Lingua Brazilica da Nação Kiriri”), na qual há o registro do vocábulo “canghitè”, o qual, quando traduzido para o português, possui o sentido de “obra boa”[40].
         Em publicação recente, Luis Bernardo Pericás sugere que cangaço poderia ter se originado da palavra Cayacu (Kâyacu), pertencente à língua dos índios Cariris, tendo como significado “lua”. O autor, partindo do princípio que tal astro está diretamente ligado à noite, e, consequentemente, aos animais de hábito noturno, compara-os aos salteadores: “quase invisíveis, que surgiriam desavisadamente no meio da noite para realizar os seus ataques”. Todavia, o próprio Pericás dá pouco crédito a esta hipótese pela inviabilidade da corruptela, nos seguintes termos: “É difícil ligar a palavra a uma corruptela do cariri Cayacu (Kaâyacu), ou ‘lua’, em português, conectando, de alguma forma, os salteadores a criaturas ‘noturnas’, quase invisíveis, que surgiriam desavidamente no meio da noite para realizar seus ataques” [41]. 

Relação da Palavra Cangaço com as Línguas Indígenas

         A “língua brasileira” não pode ser confundida com a língua portuguesa, herdada do continente Europeu, pois o intercurso étnico, promovido desde o período colonial, com a interação de povos de diferentes origens, propiciou a formação de um vernáculo propriamente brasileiro, com forte influência indígena.
         No Brasil, o mais remoto registro da palavra cangaço está estampado no antigo “Dicionário da Língua Portuguesa”, publicado por Moraes Silva, no ano de 1789. Neste trabalho, “cangáço” é apresentado como sinônimo de “engaço” ou “bagaço”[42], conforme também registram os dicionários modernos.
         No entanto, deve ser destacado que Moraes Silva era brasileiro, natural do Rio de Janeiro, e sua obra teve por base um dos mais antigos dicionários portugueses, “Vocabulario Portuguez e Latino”, escrito pelo padre Dom Rafael Bluteau, no início do século XVIII[43], no qual não se encontra o registro da palavra “cangaço”, podendo-se deduzir que este substantivo inexistia no vocabulário português, sendo fruto de uma língua diversa, com a qual Moraes Silva teve contato. Aparentemente, é a partir da publicação deste último que o termo “cangaço” sai da mera dicção (oralidade) e passa a ter registro escrito.
Então, se “cangaço” não tem origem no vernáculo português, mas está presente na língua brasileira, qual a melhor explicação para este fato?
         Além dos diversos topônimos indígenas, outros termos dessa mesma origem estão presentes na língua brasileira, a exemplo do nome “acanguçú” ou “canguçú” (acang-uçú = a cabeça grande; a cabeçuda), para fazer referência ao felino Jaguareté, ou seja, uma espécie de onça pintada um pouco menor, de malhas mais finas e numerosas, possuindo uma cabeça maior do que a espécie tipo[44].
         Em uma publicação do ano de 1887, o linguagista Paulino Nogueira expõe inúmeras palavras de origem indígena usadas pelos moradores da Província do Ceará, dentre elas, canguçú, sobre a qual diz ser:

onça de pintas ou malhas grandes, que dizem ser filha da pintada com a sussuarána; é o leopardo do Brasil. Pompêo, Ens. Est. cit., T. 1º, P. 211, Nota 4 - Do cruzamento desta com a tigre dizem que sáe a preta manchada - Ety.: - acanga cabeça, e uçú grande. B Caetano, Vocab. cit., P. 20, e B. Rodrigues, Rev. do Inst. cit., P.61, Tem realmente a cabeça grande. Pelas malhas também lhe veio o nome de jaguaripe, de jaguar onça e igpé nodôa, mancha. Malta cit., P. 249.[45]

         Através de contrato com o Governo do Ceará, Thomaz Pompeo de Sousa Brasil, entre os anos de 1855 e 1862, realizou um amplo estudo sobre esta província, tendo como objeto de estudo sua Topografia, Hidrografia, Orografia, Reino Mineral, Reino Animal e Reino Vegetal, etc. Assim, incumbido desta tarefa, escreveu sobre a onça, do gênero Felix, constatando a presença de várias espécies: a preta, também chamada de tigre; a pintada ou jaguar; a ruiva ou sussuarana, também conhecida por cagoar; e, além destas, as “cangaçús”, que eram “umas de pintas ou malhas grandes, que dizem ser filhas das pintadas com sussuaranas”[46]. Como se percebe, Pompeo redige “cangaçús” (obviamente, plural de “cangaçú”), evidenciando a semelhança com o termo “cangaço”. 
         A terminologia indígena “canguçu” (“acanga” = cabeça + “uçú” ou “açú” = grande) também é usada para nomear regiões de diferentes Estados, como em Minas Gerais e Rio Grande do Sul. Além disso, este mesmo vocábulo, igualmente, serve para denominar um peixe marinho (Scomberomorus regalis)[47].
         O etnógrafo e poeta Gonçalves Dias, em seu “Dicionário da Língua Tupi”, publicado em 1858, registra o termo indígena “acánga” e suas variações. Esta palavra, usada de forma isolada, tem o sentido de “cabeça”, no entanto, conforme a aglutinação dos sufixos, pode ganhar diferentes significados. Assim, os termos túpicos “acánga-acy” quer dizer doer a cabeça; “acánga-ayba”, tresvariar; “acánga-aybã-nungára”, adoidado; “acánga-cangoera”, crânio; “acánga-catu”, habilidade, juízo, retentiva; “acánga-etic”, acenar com a cabeça; e, por fim, “acánga-açú”, da união de “acanga” (cabeça) com o aumentativo da língua tupi “açu” (grande), que, no entendimento da língua indígena, possui a conotação de “habilidoso”[48].
         O Padre Bluteau, em dicionário do início do século XVIII, menciona a palavra “cangoera”, que, segundo ele, é pertencente à língua do “gentio do Brasil” e fazia referência aos ossos dos mortos com que os índios fabricavam seus instrumentos musicais[49]. O tupinólogo Leon F. R. Clerot aponta para o mesmo significado, ou seja, reforça que “cangoera” (acang-uéra) refere-se aos ossos, a ossada, “podendo-se traduzir somente: a caveira”[50]. Já Eduardo de Almeida Navarro acresecenta que a “kangûera” fazia menção à magreza, semântica que, ainda hoje, subsiste nos sertões do nordeste:
Kangûera1 (etm. – ossos que foram) (s.) – esqueleto (Catilho, Nomes, 31); ossada; espinha: pirá-kangûera – espinhas de peixe; mba’e-kangûera – ossada (de animal) (VLB, II, 59); (adj.: kangûer) – esquelético, muito magro, descarnado, posto nos ossos: Xe kangûer. – Eu estou esquelético. (VLB, II, 28).
Kangûera2 (etim. – osso que foi) (s.) – instrumento para fumo; espécie de cigarro grande; “canudo que se faz de uma folha de palma seca e tem três ou quatro folhas secas de erva-santa, que os índios chamam petume” (Sousa, Trat. Descr., 317).
Kangûera3 (etm. – osso que foi) (s.) – CANGOEIRA, CANGUEIRA, instrumento musical feito de ossos de pessoas mortas (Vasconcelos, Crônica (Not.), §143, 107).[51]

         Cite-se que nos Estados do Pará e Ceará é encontrado o topônimo Jacarécanga (“yacaré-canga”, a ossada de jacaré, ou “yacari-canga”, a cabeça do jacaré)[52]. No território cearense também existe o topônimo “cangati” (acanga-atí, cabeça pontuda, saliente)[53]. Destaque-se que, no tupi, a palavra “kanga” é bastante usual:

Kanga1 (s.) – secura; (adj.: Kang) – seco, enxuto, que perdeu toda a água (VLB, I, 120). Nota – Daí, no P.B., SACANGA, galho seco de árvore; graveto.  
Kanga2 (s.) – 1) osso (Castilho, Nomes, 31): ... I kanga îepotasaba pe’abo o îosuí. – As juntas de seus ossos afastando umas das outras. (Ar., Cat., 62v); ... Asé i kangûerĩ tiruã momba’etéû, o aîuri serekóbo... – Até mesmo seus ossinhos a gente cultua, tendo-os no pescoço. (Ar., Cat., 12v); 2) espinha (de peixe) • Kanga putu’uma – tutano dos ossos (VLB, II, 138; D’Evreux, Viagem, 159); kanguûera – osso fora do corpo, osso descarnado; espinha já fora do peixe (VLB, I, 126). Nota Daí, no P.B. (pop.), CANGUIÇO, pessoa muito magra. Daí, também, os nomes geográficos CANGUEIRA (PR), CANGUERA (SP) (v. Rel. Top. e Antrop. no final).
Kanga3 (s.) – armação (p.ex., de navio, de casa etc.); qualquer peça de tal armação: ó-kanga – armação de casa; ó-kangûama – madeira o armação para futura casa (VLB, I, 41).[54]

         No início do século XIX, durante os movimentos de influência iluminista (simpáticos à Independência do Brasil e à proclamação da República), diversos brasileiros, tocados pelo sentimento nativista, adotaram como sobrenome palavras indígenas. Durante um desses movimentos liberais, a Confederação do Equador, de 1824, também deflagrada na então província do Ceará, um de seus integrantes João Nepomuceno da Silva adotou o nome de Canguçú ou Cangussú, conforme aparece em um documento datado de 15 de julho de 1824:

Ill.mo e Ex.mo Snr.or. Pela participaçaô que acabo de expedir ao Sargento Mor graduado Joao Nepomoceno e Silva CanguSsu, Comandante do Batalhão de 1ª Linha desta Provincia, sobre a baixa do Cabo de Esquadra do mesmo Batalhão Alexandre Francisco Roiz̉, para reverter á Praça [documento mutilado] de Simples Soldado, por ser comprehend...? [documento mutilado] em furto, e indigno por iSso da Praça, que tinha, fica cumprido o Officio de V...? [documento mutilado] da data de hoje, pela parte que me to...? [documento mutilado] Deos Guarde a V. Ex.ia Q.tel do Gov.o das Armas na Cid.e do Ceará 15 de Julho de 1824; 3º da Independ.ia, e Liberdade do Brazil. Ill.mo e Ex.mo S.r Prezidente Tristaỏ Gonsalves d’Alencar Araripe. Joze Pereyra Filgueiraz.[55]

Documento datado de 15 de julho de 1824, onde aparece o nome de João Nepomuceno da Silva Canguçú

         Frente ao exposto, é razoável pensar que a palavra cangaço possa ter origem na expressão indígena “cangussu” ou “canguçu” (cang = osso + açu = grande) para fazer menção aos índios que se retiravam para as matas, diante da invasão branca, com o objetivo de fugir e resistir, levando consigo, nessa vida nômade, seus utensílios, como vasilhas, redes, machadinhas, alimentos e armas. Também é possível que, nessas retiradas abruptas, a depender da época do ano, tais indivíduos ficassem expostos à sede e à fome, principalmente no tempo das estiagens. Dessa maneira, é presumível que, nesse contexto, tenha se formado um cenário composto por índios de corpos magros, cabelos compridos, carregados de objetos, resistindo ferozmente no meio das matas e caatingas.
         Mas esse contexto não é simples suposição, pois, nos sertões ao redor da Chapada do Araripe, na divisa dos atuais Estados da PB, PE e CE, em 1802, um religioso da Ordem do Capuchinhos Italianos, frei Vital de Frescarolo, presenciou um cenário semelhante, no qual os índios tapuias (os Pipipão, Umão, Vouê e Xocó) estavam, em tempo de seca, fugindo das perseguições movidas pelos “brancos”:

(...) foi servido encarregar-me da importante diligencia de pacifical-os, instruil-os, baptizal-os e aldeal os, até pôl-os no caminho do céu, e ao serviço do rei (...). Aos 7 de Julho sahi de Pernambuco, e aos 31 do dito cheguei na capela de Jeritacó, ribeira do Moxotó, e no primeiro de Agosto, que era o dia de Sant’Anna, depois de ter celebrado a santa missa, lá vierão dous dos ditos gentios a ter fala comigo, porque já estavão notificados pelos moradores da dita ribeira; com muito agrado os recebi, e perguntando eu por toda a sua gente, responderão, que estavão todos juntos no mato, esperando por mim, mas que não sahião n’essa ribeira por medo da muita gente que lá havia, e que só indo eu ao logar chamado Jacaré, por ser este logar muito retirado, sem falta todos lá sahirião; e por eu saber que esta é uma gente muito desconfiada, e só com paciência, prudência e caridade se vence, lhe fiz a vontade, e com todo rigor da seca e da fome, do melhor modo que pude, aos 12 de Agosto, ao sol posto, cheguei n’este logar Jacaré, sem achar gentio nenhum; e aos 13, ás 5 horas da tarde, é que aparecerão 4 correios dos ditos gentios, e um d’elles era o seu capataz; e chegando, como sinal de respeito e de entrega, logo encostarão seus arcos e frexas ao meu pobre ranxo. Com agrado e alegria os recebi, e perguntando eu aonde estava a sua gente, respondeu o lingua e capataz, que a gente vinha muito devagar em razão da fome, dos velhos e dos meninos, mas que amanhan, até depois, sem falta estavão todos n’este logar. Com efeito aos 15, dia da gloriozissima Assumpção de Maria Santissima ao céu, ás 4 horas da tarde, é que tive o inexplicável contentamento de ver-me cercado, e ter na minha prezença 114 gentios brabos, que é o numero total d’elles, entre maxos e fêmeas, grandes e pequenos. Uns tantos d’elles mostravão no semblante que nenhum medo tinhão; mas uns tremião de modo que não posso explicar, e principalmente as mulheres; porém assim mesmo uns tantos encostárão os arcos ao meu ranxo, e outros m’os derão para guardar (...) e por fim lhes dei a benção com o Santo Cristo, e os mandei arranxar no mato. No dia seguinte os chamei todos á minha prezença, e por meio de 10 linguas, que tem todo este ranxo de vermelhos, principiei a explicar-lhes qual era a cauza da minha vinda a estas brenhas: que era mandado de Deus, do rei e do governo para elles se aldearem, baptizar, instruir na fé católica, servir ao rei e nunca mais viver como bixo no mato, mas sim como christãos em aldeia para se salvarem. A isto responderão todos que este sempre foi o seu dezejo, mas que tinhão medo dos brancos, e que esta não fosse falsidade minha, como já foi aquella do riaxo do Navio, do Brejo do Gama e outras, que dice a V. Ex. Revma o anno passado, quando aldeei os indios brabos do Olho d’agua da Gameleira, na freguezia do Cabrobó, que debaixo da capa de paz e da santa missa fizerão d’estes mizeraveis tão horrenda carnagem de prender, atirar, xumbar, acutilar, espancar, matar e picar, como si não fossem gente da mesma especie como nós.[56]

         Acrescente-se a isto o fato de os proprietários de terras, nessas mesmas regiões, terem o costume de fazer guerra aos índios no período da estiagem, pois, nessa época, a caatinga perde sua folhagem, facilitando a visualização dos “tapuias” dentro das matas.
         O médico francês Pedro Théberge, residente na vila do Icó/CE desde a primeira metade do século XIX, relatou como ocorria o caça aos índios nos sertões próximos à Chapada do Araripe, nos seguintes termos:

No interior da província [do Ceará], para os confins da freguezia do Jardim, e extrèmas d’esta com as provincias da Parahyba e de Pernambuco, existiam ainda algumas tribus, que viviam no estado selvagem, errando pelas florestas pouco frequentadas, que cobrem as serranias que dividem as vertentes d’essas tres provincias; eram essas tribus os Chocós, os Quipipans e os Humans; as quaes, achando-se por esse tempo em difficuldades para se poderem sustentar do simples producto da caça, iam furtando o gado das fazendas circumvisinhas, cujos donos, sendo prejudicados por esses furtos continuados, empregavam todos os meios para perseguil-os ou destruil-os. N’esse intento, convidavam as autoridades das tres provincias contiguas á cercarem os bosques, quando o verão os despia das fôlhas, e assim tentavam prender os cabôclos que achassem; mas, como era isto tarefa difficil e perigosa, por causa da agilidade e valentia d’estes filhos da natureza, de preferencia matavam-n’os á tiros como féras. Alguns fazendeiros haviam que, sem recorrerem as autoridades, levavam a ferocidade ao ponto de ir caça-los com seus aggregados, como se caçam as onças; e os matavam sem fórma alguma de legalidade![57]    

         Seguindo essa linha de raciocínio, acreditamos que o substantivo “cangaceiro” seja derivado da palavra “cangaço”, porém, de maneira híbrida, isto é, da junção de elementos de vernáculos diversos, posto que “cang + açú” é oriundo da língua indígena e “eiro” é um sufixo proveniente do latim. Este processo de formação das palavras dentro da língua brasileira é evidenciado por diversos termos, como, por exemplo, juazeiro (do tupi, “juá” = o fruto de espinho + eiro), pequizeiro (do tupi “piqui” = casca àspera + eiro), cajueiro (do tupi “caju” = o pomo amarelo + eiro), etc.
         Portanto, com base nas informações aqui mencionadas, concluimos que a hipótese de Gustavo Barroso, a qual afirma que a palavra “cangaço” teria surgido da aglutinação de canga de aço, não parece ser a mais acertada. Por outro lado, acreditamos ser mais provável que o termo “cangaço” tenha origem nas línguas indígenas, em “cang” + “açú”, pois há antigos registros escritos apontando a existência desta expressão no Tupi e no Kariri, cuja semântica se adequa ao contexto histórico do período colonial no sertão do Nordeste do Brasil.


Artigo publicado na Revista Itaytera nº 48, de 2019, da página 181 à 47. Ao utilizar este material, por favor, cite a fonte, de acordo com a Lei de Direitos Autorais nº 9.610/1998!


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DOCUMENTOS:
Paleografia realizada por Heitor Feitosa Macêdo dos manuscritos que se encontram no Instituto Cultural do Cariri (ICC). CRATO/CE, 25/08/2014.

ENTREVISTADOS:
José Francisco Valadão, entrevista cedida no dia 11/10/2010, no Sertão dos Inhamuns.






[1] FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Dicionário Aurélio da Língua Portuguesa. 5ª Ed. Curitiba: Editora Positivo, 2010, p. 411.
[2] CASCUDO, Câmara. Dicionário do Folclore Brasileiro. 3º Ed. Rio de Janeiro: Edições de Ouro, 1972, p. 234 e 235.
[3] CUNHA, Antônio Geraldo da. Dicionário Etimológico Nova Fronteira da Língua Portuguesa. 2º Ed./17ª Impressão. Rio de Janeiro/RJ: Editora Nova Fronteira, 2005, p. 147.
[4] FERNANDES, Francisco. Dicionário de Sinônimos e Antônimos da Língua Portuguesa. 43ª Ed. São Paulo: Editora Globo, 2005, p. 184.
[5] Diz o referido dicionário que: “Cangaço, s. m. 1. Engaço. 2. Resíduo das uvas depois de pisadas e extraído o líquido. 3. V. cangaraço. 4. Utensílios de casa pobre. 5. Conjunto de armas de cangaceiro. 6. Quadrilha de cangaceiros. 7. Vida ou ação de cangaceiro; cangaceiragem. 8. Animal magro” (DICIONÁRIO BRASILEIRO DA LÍNGUA PORTUGUESA. 2ª Ed. São Paulo/SP: Mirador Internacional, 1976, p. 347).
[6] MONTENEGRO, Abelardo F. Fanáticos e Cangaceiros. Fortaleza/CE: Editora Henriqueta Galeno, 1973, p. 185.
[7] GIRÃO, Raimundo. Vocabulário Popular Cearense. Fortaleza: Imprensa Universitária do Ceará, 1967, p. 76.
[8] Segundo Pedro Batista: “Cangaço designava antigamente, e ainda hoje, em certos recessos do sertão, ossada, esqueleto de animal qualquer, domestico ou selvagem (...). Cabe aqui uma reflexão: o vocábulo nem sempre designa o homem armado, o mal fazejo, na linguagem simples, e sim faz distinção entre o cabra, o guarda-costas e o cabeça do bando” (BAPTISTA, Pedro. Cangaceiros do Nordeste. Edição Fac-similar da de 1929. Natal/RN: Sebo Vermelho Edições, 2011, p. 278).
[9] BARROSO, Gustavo. Terra de Sol. 8ª Ed. Rio – São Paulo – Fortaleza: ABC Editora, 2006, p. 83.
[10] Ibidem, p. 107.
[11] Ib., p. 98.
[12] MONTENEGRO, Abelardo F. História do Cangaceirismo no Ceará. Fortaleza – Ceará: Tipografia Minerva, 1955, p. 09.
[13] BARROSO, Gustavo. Almas de Lama e de Aço: Lampião e outros cangaceiros. Rio ‒ São Paulo ‒ Fortaleza: ABC Editora, 2012, p. 28.
[14] BARROSO, Gustavo. Terra de Sol. Op. cit., p. 83 e 84.
[15] Ibidem, p. 104 e 105.
[16] MONTENEGRO, Abelardo F. História do Cangaceirismo no Ceará. Op. cit., p. 10.
[17] MELLO, Frederico Pernambucano de. Guerreiros do Sol: violência e banditismo no Nordeste do Brasil. 5ª Ed. São Paulo: A Girafa, 2011, p. 68 e 69.
[18] Ibidem, p. 70.
[19] Ib., p. 76 e 77.
[20] Ib., p. 88.
[21] Ib, p. 89 e 140.
[22] MELLO, Frederico Pernambucano de. Estrelas de Couro: A Estética do Cangaço. São Paulo: Escrituras Editora, 2012, p. 29.
[23] Ibidem, p. 28 e 29.
[24] Ib., p. 44.
[25] JUCÁ, Gisafran Nazareno Mota (Organizador). Catálogo de Manuscritos Avulsos da Capitania do Ceará (1618 - 1832). Fortaleza ‒ Brasília: Edições Fundação Demócrito Rocha, 1999, p. 344.
[26] BARROSO, Gustavo. Almas de Lama e de Aço: Lampião e outros cangaceiros. Op. cit., p. 39.
[27] Ibidem, p. 40 a 42.
[28] PINTO, Luiz Maria da Silva (natural da província de Goiás). Dicionário da Língua Brasileira. Ouro Preto: Typographia de Silva, 1832, p. 28.
[29] Diário O Novo, quinta-feira, 03 de março de 1843, Ano II, Nº 166, p. 02, Biblioteca Nacional Digital, Brasil.  Disponível em:                                   http://memoria.bn.br/DocReader/DocReader.aspx?bib=709867&pesq=canga%C3%A7o Acesso no dia 17/06/2014. 
[30] A Carranca, Recife, 22 de dezembro de 1845, Nº 54, p. 01. Disponível em: <http://memoria.bn.br/DocReader/DocReader.aspx?bib=717495&pesq=canga%C3%A7o> Acesso em 17/08/2014.
[31] BEAUREPAIRE-RHOAN, Visconde de. Diccionario de Vocabulos Brazileiros. Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 1889, p. 31.
[32] Idem.
[33] ALEMÃO, Francisco Freire. Os Manuscritos do Botânico Freire Alemão: Catálogo e Transcrição. Rio de Janeiro: Anais da Biblioteca Nacional, 1964, p. 303.
[34] Em nota de roda pé, disse Gustavo Barroso: “Armamento; de canga, porque o bandoleiro antigo sobrecarregava-se de armas, trazendo o bacamarte passado sobre os ombros como uma canga. Andava debaixo do cangaço” (BARROSO, Gustavo. Heróis e Bandidos: Os cangaceiros do Nordeste. Rio ‒ São Paulo ‒ Fortaleza: Editora ABC, 2012, p. 31).
[35] MELLO, Frederico Pernambucano de. Estrelas de Couro: A Estética do Cangaço. Op. cit., p. 92.
[36] MEMÓRIA COLONIAL DO CEARÁ, 1731-1736. Tomo 1. Kapa Editorial, 2011, p. 194.
[37] Tomé Cabral registra o termo “cangaço” por duas vezes em seu dicionário. Na primeira, alude ao modo de vida do cangaceiro, o banditismo (CABRAL, Tomé. Dicionário de Termos e Expressões Populares. Fortaleza/CE: Imprensa Universitária, 1973, p. 192).
[38] Ibidem, p. 193.
[39] De acordo com Pedro Batista: “Na língua Kiriri, apanhada pelo Pe. Mamiani, encontra-se CANGHI - bom. Agora, note-se como coincidencia, o julgamento compassivo da tradição sertaneja rememorando os seus heroes sempre aureolados de bondade e nobreza d’alma” (Op. cit., p. 279).
[40] MAMIANI, P. Luiz Vincencio. Arte de Gramática da Lingua Brazilica da Nação Kiriri. 2ª Ed. Rio de Janeiro: Typ. Centrel de Brown & Evaristo, 1877, p. 14.
[41] PERICÁS, Luiz. Os Cangaceiros: ensaio de interpretação histórica. São Paulo: Boitempo Editorial, 2010, p. 16.
[42] SILVA, Antonio de Moraes. Diccionario da Lingua Portugueza. Tomo Primeiro A=K. Lisboa: Officina de Simão Thaddeo Ferreira, 1789, p. 336. Disponível em: http://www.brasiliana.usp.br/bbd/handle/1918/00299210#page/1/mode/1up Acesso em: 17 de ag. de 2014.
[43] O Padre Bluteau escreveu sua obra em oito volumes. O primeiro (A-AZU) foi publicado no ano de 1712, e, o último, (T-ZO) no ano de 1721, todos sob o título de “Vocabulario Portuguez, e Latino”. Esta obra pode ser consultada virtualmente na Biblioteca Nacional de Portugal. Disponível em: http://purl.pt/13969/4/ Acesso em: 17 de ag. de 2014, às 12:00hs. 
[44] CLEROT, Loen F. Glossário Etimológico Tupi/Guarani. Brasília: Edições do Senado Federal, 2011, p. 25. No Jornal do Recife, datado de 13 de fevereiro de 1887, encontra-se menção à matança de duas onças “canguçu” (In: Biblioteca Nacional Digital, Brasil. Disponível em: http://memoria.bn.br/DocReader/DocReader.aspx?bib=705110&pesq=cangu%C3%A7u Acesso em: 18 de ag. de 2014).
[45] NOGUEIRA, Paulino. Vocabulário Indígena em uso na Província do Ceará. Revista do Instituto do Ceará, ANO I, 1887, p. 247.  
[46] BRASIL, Thomaz Pompeo de Sousa. Ensaio Estatístico da Província do Ceará. Tomo I. Fac-símile da Ed. de 1863. Fortaleza: Fundação Waldemar Alcântara, 1997, p. 211. É oportuno afiançar que nos tempos atuais ainda existe entre os sertanejos cearenses a crença de que a onça pintada cruza com um dos tipos da onça vermelha, a maçaroca, conforme as palavras do ancião José Francisco Valadão, em entrevista cedida no dia 11/10/2010, no Sertão dos Inhamuns. A gravação audiovisual desta entrevista faz parte do nosso arquivo pessoal.  
[47] Segundo Leon Clerot: “Canguçu - Geogr.: Nome geográfico no E. do Rio Grande do Sul e Minas Gerais. Zool.: Scomberomorus regalis., peixe marinho da fam. Scomberidae. Nome também do jaguarete, variedade da Felix onza L., mamífero varnífero da fam. Felidae, de cabeça maior do que a espécie tipo. Etim.: Acang-uçú - cabeça grande; de acanga - cabeça, + açú - grande ou maior” (Op. cit., p. 127).
[48] Gonçalves Dias foi um grande estudioso dos povos indígenas, tendo viajado por várias províncias brasileiras à cata dessa gente (DIAS, Gonçalves. Dicionário da Língua Tupi: chamada Língua Geral dos Indígenas do Brasil. LIPSIA: F.A. BROCKHAUS/ Livreiro de Sua Majestade o Imperador do Brasil, 1858, p. 09).
[49] BLUTEAU, Padre D. Rafael. Vocabulario Portugez e Latino. Coimbra: Collegio das Artes da Companhia de Jesus, 1712, p. 102.
[50] Esta também é a opinião de Teodoro Sampaio (Ver: CLEROT. Op. cit., p. 127)
[51] NAVARRO, Eduardo de Almeida. Tupi Antigo: A língua indígena Clássica do Brasil. São Paulo: Global Editora, 2013, p. 216.
[52] CLEROT. Op. cit., p. 276.
[53] Ibidem, p. 127. Renato Braga cita a palavra cangati por treze vezes, nas quais aparece nomeando seis riachos, uma serra, uma lagoa, um rio, um povoado, dois distritos e o antigo nome do município de Caio Prado, todos no território cearense. Divergindo um pouco do entendimento de Clerot, Renato Braga aponta outra acepção para “cangati”, pois, segundo ele, a palavra deve ser interpretada como “acanga”, cabeça, e “catu”, boa, remetendo ao sabor da cabeça do peixe deste nome, parecido com o bagre, abundante nos cursos d’água do Ceará, do qual há quatro espécies (BRAGA, Renato. Dicionário Geográfico e Histórico do Ceará (B-C). Fortaleza: Imprensa Universitária do Ceará, 1967, p. 234 e 235).
[54] NAVARRO. Op. cit., p. 216.
[55] Paleografia realizada por Heitor Feitosa Macêdo dos manuscritos que se encontram no Instituto Cultural do Cariri (ICC). CRATO/CE, 25/08/2014.
[56]  FRESCAROLO, Frei Vital de. Informações sobre Os índios Bárbaros dos Sertões de Pernambuco, In Revista do Instituto do Ceará, Ano XXVII, 1913, p. 207, 208 e 209.
[57] THÉBERGE, Dr. Pedro. Esboço Histórico sobre a Província do Ceará. Fac-símile da ed. de 1869. Tomo III. Fortaleza: Fundação Waldemar Alcântara, 2001, p. 195 e 196.