Algumas Origens do Cangaço no
Cariri Cearense: “Guerra entre Montes e Feitosas”
Até
o presente, muito tem sido escrito sobre o cangaço, como memórias, ensaios,
matérias jornalísticas, publicações sensacionalistas, trabalhos científicos,
etc. No entanto, várias perguntas básicas, relacionadas ao tema, continuam sem
respostas definitivas, a exemplo da etimologia de “cangaço”. Ademais, quando e
onde surgiu este fenômeno social? Quando teve fim? Qual o conceito mais exato?
E, no Cariri cearense, como e quando este fenômeno ocorreu?
Talvez,
nunca alcancemos este grau de conhecimento acerca do assunto. Todavia, por meio
de grandes esforços e pequenos passos, parte da história do cangaço e do Cariri
vai se descortinando, a partir da aparição de novos documentos, a exemplo de um
conflito armado, cujo ápice se deu no ano de 1724, e que entrou para a História
com o nome de “Guerra entre Montes e Feitosas”.
Esta
“guerra” varou as fronteiras dos sertões, espalhando-se por quase todo o Ceará
e, também, por algumas capitanias vizinhas. O Sertão dos Cariris Novos (ou
Cariris de Dentro, hoje, Cariri Cearense, ao sul do Estado do Ceará), por
exemplo, teve certas localidades batizadas por essas lutas, pois, às margens do
Rio Salgado, onde se deram diversos confrontos, surgiram os nomes dos sítios
Batalha[1],
Ossos[2],
Emboscadas, Tropas, Arraial e Pendência:
Assim
provocado e ameaçado o Ouvidor, que não tinha meios de resistir e se defender
contra tão brutal e poderoso inimigo alcançou a proteção dos Feitosas que o
protegeram e defenderam contra os ataques de seu perseguidor. Acompanharam-no
com numeroso séquito na sua ida ao Cariri. Nada sofreram nela; mas Geraldo de
Monte intentou surpreendê-los na volta, armando-lhes uma emboscada num passo
escabroso situado na estrada, pouca distância abaixo da Missão-Velha, lugar
este que tomou e ainda hoje conserva a denominação de Emboscadas. Aí pôs-se de
espreita com um numeroso partido de parentes, amigos e agregados de sua
parcialidade, e caiu de improviso sobre a comitiva do Ouvidor. Lourenço Alves
organizou a toda pressa com os cavalos, malas, e mais utensílios de seu comboio
uma espécie de trincheira, por detrás da qual se defendeu do melhor modo que
pôde, e conseguiu salvar a si e a seu protegido, depois de uma renhida peleja
em que morreu muita gente de parte a parte (...). Na ribeira do Salgado, além
do sítio das Emboscadas existem os das Tropas, do Arraial, da Pendência; no
Jaguaribe notam-se os das Almas, dos Defuntos, dos Ossos, das Trincheiras, do
Bom-Sucesso, a Várzea da Perdição, o Saco das Balas e outros inumeráveis
celebrizados por algum incidente sinistro.[3]
Casa-forte, de pedra e cal, edificada no Sítio Emboscadas, zona rural de Missão Velha/CE |
O
sítio Emboscadas, por exemplo, ainda possui o mesmo nome e fica próximo à
Cachoeira de Missão Velha/CE, sendo parte integrante do território do Geopark
Araripe. Em tal sítio são encontradas antigas edificações, como um extenso muro
e uma casa-forte, de pedra e cal[4].
Outros locais relacionados aos combates de 1724 também conservam seus nomes
primitivos, como o Sítio Ossos e outros.
O Cariri, no início do século XVIII, foi
palco dessas beligerâncias, as quais contribuíram para a consolidação do
cangaço na região, em sentido amplo.
A Guerra entre as
Famílias Montes e Feitosa
A
chamada “Guerra entre Montes e Feitosas” entrou para crônica cearense à feição
de uma mera luta de famílias à moda medievalesca, onde a honra era expurgada
com sangue e o assassinato de um parente exigia vingança, prevalecendo o
brocardo “sangue se lava com sangue”. Essa história chegou a inspirar até mesmo
as telas do cinema, com o filme “Abril Despedaçado”, do diretor Walter Salles[5].
No
entanto, os verdadeiros motivos iam além do orgulho clânico!
Filme "Abril Despedaçado", de Walter Salles |
Diversos
autores tentaram explicar esse episódio, tendo como fontes a tradição oral e
algumas dezenas de manuscritos da época dos embates. No entanto, o esforço e o
acurado senso de todos esses estudiosos não foram suficientes para desvendar
por completo o assunto, não alcançando o cerne dessas contendas, nem mesmo eliminando
os hiatos que ainda embaralham tais fatos.
Dessa
forma, levando-se em conta as limitações impostas, sobretudo, pela escassez
documental, os historiadores puderam simplesmente arranhar o tema, isto é,
somente analisaram a superfície desse objeto de estudo.
Atualmente,
com a empreitada do Projeto Barão do Rio Branco ou Projeto Resgate, que visa
repatriar documentos espalhados por outros países, relativos ao Brasil Colonial
(do ano de 1500 até 1822), possibilitou-se a reconstrução desses fatos históricos,
a partir de uma nova narrativa.
A
descoberta dessas fontes revela que a Guerra entre os Montes e os Feitosa é um
prolongamento dos eventos acontecidos durante a invasão branca da capitania do
Ceará, mais especificamente, da parte Sul. Com base em tais fontes, esse
conflito pode ser dividido, pelo menos, em três momentos. O primeiro vai,
aproximadamente, de 1716 até 1719. O segundo, começando desta última data, até
o ano de 1724-1725. E, finalmente, o terceiro momento, quando os embates
armados arrefeceram, no início da década de 1730.
Quanto
aos envolvidos nesses desentendimentos, não se pode restringi-los apenas às
famílias Montes e Feitosa, mas a um número maior de pessoas e grupos aliados
aos referidos clãs, como os Gonçalves de Souza, os Fonseca Ferreira, os Mendes
Lobato, os Sousa Gularte, os Cruz Neves, os Correia Vieira, os Araújo Chaves, os
Martins Chaves, os índios tupis, os índios tapuias (Cariris, Jucás, Inhamuns, Jenipapos,
Cariús, Calabaças, etc.), os negros e os mestiços.
No
que tange aos motivos específicos, desencadeadores da guerra, sabe-se que a
propriedade da terra exerceu grande influência, porém, os territórios
disputados não foram elencados pela historiografia com a devida exatidão, posto
que uma parte dos pesquisadores afirma que as animosidades entre Montes e
Feitosa haviam surgido, primeiro, por conta de honra e, depois, por disputa de
terras localizadas na Bacia do Jucá, isto é, no Rio do Jucá, cujas águas nascem
no atual município de Parambú/CE e deságuam no Rio Jaguaribe, logo abaixo da
cidade de Arneiroz/CE, no Sertão dos Inhamuns. Sobre isso, ainda no século XIX,
escreveu João Brígido:
Um
irmão de Lourenço, o coronel Francisco Alves Feitosa contrahiu casamento com
uma viúva, irmã de Monte, e por motivos de honra achava-se dissaboreado com
este, quando, conduzido pelos chefes dos indios da nação Jucá, penetrou na
bacia do rio deste nome, e reconheceu os vastos sertões, que elles, até então,
tinham dominado. Monte, tendo noticia desta descoberta, adiantou-se em solicitar
uma sesmaria e obteve-a do governo a despeito de seu cunhado. Todavia, deixou
de apossar-se desses terrenos, fazendo-os situar, e d’ahi resultou que,
passados seis annos, Francisco Feitosa conseguisse annullar a sua doação, por
caduca e não confirmada, e obtivesse para si o senhorio desse território.
Seguiu-se uma longa questão entre os dous poderosos rivaes, os quaes se
turbavam, com mão armada, não consentindo um que o outro fizesse medir as
terras, e a seu turno fazendo este a mesma cousa.[6]
O
médico francês, Pedro Théberge, residente na vila do Icó desde a primeira metade
do século XIX, também registrou uma versão semelhante a de João Brígido,
apontanto que a dissensão entre Montes e Feitosa se deu por motivos de “honra
de família”, e, posteriormente, pela posse de terras no dito Rio de Jucá:
Francisco
Alves Feitosa casou com uma viúva irmã do Capitão-mór Geraldo de Monte, e com
pouco os dous cunhados malquistaram-se por causa de negocio de honra de familia,
de que era culpado Francisco Alves Feitosa. Receioso este da cholera de seu
cunhado retirou-se para uma fazenda que possuia na ribeira dos Bastiões, e
durante a sua estada n’aquelle sitio travou relações com um chefe da Tribu dos
Indios Jucás, que o levou para o lugar onde assistiam na ribeira do riacho
Jucá, um dos affluentes do Jaguaribe, que se lança n’elle abaixo de Arneiroz.
Os Feitosas, informados por este seu irmão da grande conveniência (sic) d’esta ribeira para a criação de
gado, resolveramtiral-a por sesmaria; mas não guardaram bastante segredo; e
Geraldo de Monte informado das descobertas feitas pelos Feitosas, seus inimigos
figadaes, de então em vante prevenio-os n’esta pretensão, e solicitou a posse
dos terrenos do Jucá que alcançou do governo; mas como deixasse de fazer a medição
e de situal-os de gado no prazo legal, ou por descuido, ou antes pela opposição
que lhe fizeram os Feitosas, excitando contra o seu competidor a ira dos
Tapuias Jucás, em cujas boas graças se tinham ensinuado, cahio esta posse em
comisso; e Francisco Alves, conseguindo anular esta posse, obteve para si este
territorio do qual fôra o descobridor; e intentou logo mandal-o medir e situar,
seis annos depois da primeira sesmaria á favor de Montes.[7]
Sobre
essa questão envolvendo honra de família, Antonio Gomes de Freitas assevera que
“Walter Pompeu e outros historiadores descobriram romântica aventura do colono
Francisco Alves Feitosa com uma cunhada[8].
Paralelamente,
encontramos um informe que se encaixa a esta última versão, tendo sido escrito
por Eufrásio Moreira Feitosa. Este autor é oriundo do município de Porto da
Folha, no Estado de Sergipe, próximo ao Rio de São Francisco, onde os Feitosa e
os Mendes Lobato (primos dos Montes) possuem remotas origens. Ocorre que
Eufrásio Moreira, com base na antiga tradição oral portofolhense, relata que,
no início do século XVIII, uma criança dos Feitosa, filha do padrasto com uma
enteada, foi enviada do Ceará para Porto da Folha:
Antes,
porém, vou contar um episódio ocorrido no Ceará, que faz parte da nossa
história e das famílias de Porto da Folha e de Sergipe. Mais ou menos no tempo
em que Francisco Cardoso e Isabel de Barros casaram-se na região da praia, por
volta de 1710, onde viviam e criavam seus filhos, uma viúva no Ceará também se
casava pela segunda vez. Ela tinha uma filha moça que pouco tempo depois
apareceu grávida do padrasto (...). Para esconder o escândalo, aquela família
resolveu retirar às escondidas, fugindo para um lugar bem longe, onde não se soubesse
nada sobre ela e que ninguém do seu lugar tivesse notícias suas. Seguiu na
direção Sul, atravessou o inóspito sertão pernambucano e veio parar no sertão
de Alagoas, para as bandas do rio de São Francissco. Nesse local, a família fez
amizade com um senhor chamado Melo, e permaneceu no lugar até que a jovem desse
a luz. Complementando-se o tempo, nasceu um filho varão, que foi dado ao senhor
Melo, que o batizou como seu filho e deu-lhe o nome de Damásio de Melo Feitosa:
Damásio, o pré-nome escolhido, Melo, o nome de família do seu pai adotivo e,
Feitosa, o nome da família de origem, isto é, do Ceará. A família voltou para
sua terra e Damásio de Melo tornou-se um moço simpático, vindo a casar com uma
filha de Nicácio do Dionelo e tornou-se comerciante de gado. Por ser um homem
muito corajoso, decidiu transportar boiadas para o Ceará.[9]
A
narrativa, apesar de ser baseada na tradição oral, pode guardar alguma relação
com o romance proibido do coronel Francisco Alves Feitosa e sua cunhada ou
enteada. Todavia, a confirmação disto, por enquanto, fica à mercê da realização
de pesquisas mais aprofundadas.
Ainda,
na opinião de Antonio Gomes de Freitas, a rivalidade entre os Montes e Feitosa
havia se originado ao tempo em que tais famílias residiam às margens do Rio de
São Francisco, isto é, antes de elas terem migrado para a capitania do Ceará[10]. De
fato, existe um documento datado do dia 20 de abril de 1738, no qual, o
desembargador Antonio Marques Cardoso, encarregado de apurar os fatos ocorridos
no ano de 1724, aponta que os ascendentes dos Montes e Feitosa haviam se
rivalizado quando ainda residiam às margens do Rio de São Francisco:
E para se evitarem as inquietações, que pela
experiência do passado, se podem recear, me parece representar, que se mandem
privar de quaisquer postos da Ordenança maiores; ou menores todos os parentes
das ditas famílias de Montes, e Feitosas, porque estes em qualquer tempo, tem
também a experiência mostrado, hão de tomar vingança de quem presumirem culpou
aos seus das mesmas famílias, e assim o chegarão a fazer estes todos, que de
presente se acham culpados [fl. 04] culpados,
lembrados das competências; que seus
ascendentes entre si tiveram no Rio de São Francisco; donde os ditos vieram
para esta Capitania, e que da devassa, que tirei das sublevações da dita
Ribeira do Jaguaribe, assim consta, e a seu tempo se fará presente [fl. 05].[11]
AHU, 20 de abril de 1738, fl. 04 |
AHU, 20 de abril de 1738, fl. 05 |
Quando o desembargador fala “lembrados das competências; que seus ascendentes
entre si tiveram no Rio de São Francisco; donde os ditos vieram para esta
Capitania”, utiliza o termo “competência” no sentido de competir, de se opor,
de lutar. Infelizmente, essa informação não revela o porquê destas intrigas,
supostamente, nascidas na ribeira sanfranciscana.
Os pesquisadores
divergem entre todos esses possíveis motivos que, supostamente, desencadearam a
referida guerra. Uns acreditam que foi por terra; outros, que foi por honra e;
alguns, que a briga teria origem no Rio de São Francisco.
No que diz
respeito à motivação ligada à posse da terra, nem todos os autores são unânimes
em aceitar que o pomo da discórdia tenha sido a área correspondente à ribeira
do Jucá. Cruz Filho[12] e
o Padre Neri Feitosa[13],
por exemplo, afirmam que a posse pela área da Lagoa do Iguatu, localizada no
município cearense de mesmo nome, teria sido a razão desencadeadora dessas
contendas.
Na documentação sesmarial também
são encontrados possíveis indícios do surguimento dessas brigas entre as
citadas famílias, posto que Lourenço Alves Feitosa (alferes e, depois,
comissário-geral), irmão de Francisco, obteve quatro datas de sesmarias em
lugares que, explicitamente, ameaçavam a posse e propriedade dos Montes.
A primeira destas quatro sesmarias foi
doada a Lourenço Alves Feitosa no dia 15 de julho de 1719, no Riacho Trussú ou Trussû
(nos territórios dos atuais municípios cearenses de Iguatu e Jucás), ao lado
das terras do capitão do Terço dos Paulistas, João de Montes Bocarro. A segunda
sesmaria, obtida no dia 6 de fevereiro de 1720, estava localizada no “Trussú de
Baixo” e na “Telha” (nas imediações do município de Iguatu), formando “terras
prescritas”, isto é, que haviam sido peticionadas anteriormente pelo referido
capitão João de Montes Bocarro, mas que não teriam sido “povoadas” por este
último no prazo legal[14].
A terceira sesmaria foi concedida
no dia 6 de junho de 1720, na Lagoa do Aguatû ou Iguatu e em seu córrego, entre
o sítio Quixahuhâ (também no Iguatu), em terras que, antes, haviam sido
requeridas pelo coronel Francisco de Montes Silva (filho do capitão João de
Montes Bocarro), as quais também eram terras prescritas. A quarta sesmaria,
localizada no Riacho Jorgemendes (atual distrito José de Alencar, no município
do Iguatu) foi concedida a Lourenço Alves Feitosa e ao seu filho, Lourenço
Alves Penedo e Rocha, no dia 9 de junho de 1720, na fronteira das terras do
dito coronel Francisco de Montes Silva[15].
Particularmente, não discordamos
que todos esses indícios apontados tenham servido de comburente para os
movimentos armados na capitania do Ceará, no início do século XVIII. Contudo, em
tempo recente, encontramos parte perdida de um diário escrito por João da Maia
da Gama, entre os anos de 1728 e 1730, no qual são narrados episódios
referentes ao conflito conhecido por “Guerra entre Montes e Feitosas”. Tal
documento revela fatos inéditos, entre estes a causa principal das disputas,
qual seja, o território sul cearense; ao passo que também descortina como se
deu a ocupação/invasão branca do Cariri bem como a ocorrência de algumas
práticas cangaceiras usadas nesses embates.
O Diário de João da
Maia da Gama, de 1728 a 1730
A
narrativa mais antiga e completa que se possui, hoje, sobre o conflito entre os
Montes e os Feitosa, partiu do esforço do capitão João da Maia da Gama, que,
saindo do Maranhão em direção à Pernambuco, esteve no Ceará, no ano de 1729,
onde procurou entrevistar as testemunhas dos embates referentes à “Guerra entre
Montes e Feitosas”.
João
da Maia da Gama era português, nascido no ano de 1673, em Aveiro, filho de
Pedro de Oliveira e de Dona Luísa da Gama. Era ele um homem alto e entroncado,
de rosto moreno e comprido, de olhos pretos e nariz grosso, tendo por sinal
particular uma marca de bexigas no meio da testa.
João
da Maia estudou na Universidade de Coimbra, onde cursou filosofia. Porém, veio
a abandonar os estudos para seguir a carreira militar, aos vinte anos de idade,
quando foi socorrer o Império Português da Índia[16].
Biografia e Diário de João da Maia da Gama, publicado em 1944, em Portugal |
No
Oriente, João da Maia realizou grandes feitos, guerreando tanto no mar quanto
em terra. Nesses embates, mais de uma vez, saiu ferido sem muita gravidade,
inclusive quando recebeu dois tiros. Além disso, sua saúde, durante as
expedições pelo Oriente, experimentou a “febre de linha”[17],
o “mau de Luanda” (escorbuto)[18] e
outros achaques.
Porém,
em uma ocasião, um projétil o feriu gravemente, quando uma bala de “caitoca”[19]
atravessou-lhe o corpo, atingindo ossos e rins[20],
ficando ele acamado por três meses. A partir disso, formaram-se três feridas nos
tecidos alvejados, por onde eram expelidas esquírolas, de tempos em tempos, em
virtude do esfacelamento do “osso ciático”[21]
(do quadril). Em razão disso, João da Maia teve que despender grande soma em
dinheiro com cirurgiões.
Mesmo
sofrendo com essas chagas, Maia pelejou em diversos confrontos com os mouros,
árabes, holandeses e ingleses, somente deixando os campos de batalha por
repetidas recomendações dos médicos, bem como pelas ponderações de seus
superiores hierárquicos.
Por
conseguinte, Maia retornou a Portugal no dia 30 de agosto de 1701[22],
de onde, depois de restabelecer sua saúde, seguiu para o Brasil, indo assumir o
governo da capitania da Paraíba, do qual se ocupou por nove anos[23].
Logo em seguida, tomou posse no governo do Grão-Pará (área que compreendia os
atuais estados do Pará e do Maranhão), em julho de 1722, como governador e
capitão-general[24].
Nesta
última capitania, teve que enfrentar o ódio de gente contrária à Companhia de
Jesus, pois, João da Maia havia simpatizado com o trabalho dos jesuítas,
apoiando-os na doutrinação dos índios, fato que desagradou alguns funcionários
e vassalos da Coroa Portuguesa, os quais pretendiam por fim à tutela dos padres
sobre os aborígenes.
Por
defender a causa dos ditos missionários, João da Maia fora tachado por seus inimigos
de “venal e encobridor”[25].
Observando-se que por trás dessas acusações estava o ex-governador do Maranhão,
Bernardo Pereira de Berredo e Castro.
Depois
de muitos desdouros, João da Maia deixou o governo do Pará e Maranhão no dia 14
de abril de 1728[26],
e, no dia 4 de setembro do mesmo ano[27],
partiu em direção à capitania de Pernambuco, onde embarcaria de volta a
Portugal.
Por
ensejo dessa viagem, Maia recebeu ordens para colher notícias sobre as barras
(confluências) dos rios do Norte (termo que, ao tempo, englobava a Região
Nordeste do Brasil) e sobre a administração das capitanias do Piauí, Ceará, Rio
Grande do Norte, Paraíba e Pernambuco.
Durante
o percurso, João da Maia narrou minudências históricas que permaneceram pouco
exploradas pelos estudiosos, a exemplo dos conflitos armados ocorridos na capitania
do Ceará Grande, que também são descritos em seu diário de forma detalhada.
Entretanto,
esses relatos ficaram desconhecidos por mais de 200 anos, sendo que esse
obscurantismo em relação aos seus escritos não ocorrera por acaso, mas pelo
motivo de João da Maia ter se colocado ao lado dos Jesuítas, rebatendo as acusações
atribuídas aos ditos padres, na mesma época que, em Portugal, uma conspiração
era arquitetada contra a Companhia de Jesus[28].
A
política do Marquês de Pombal expendeu grande esforço para apagar a memória da
dita Companhia e tudo que se ligasse a ela, abrangendo os escritos de João da
Maia da Gama, o qual, terminou sendo condenado ao silêncio. Segundo Martins:
“As atitudes de Maia da Gama perante o magno conflito entre os jesuítas e os
moradores valeu-lhe o esquecimento”[29].
João
da Maia retornou a Portugal relativamente velho e cansado, vindo a falecer no
dia 11 de novembro de 1731, sendo enterrado no convento dos Eremitas de São
Paulo. A partir daí, seu diário de viagem pelo Brasil foi parar nas mãos de um
sobrinho, Luiz da Gama Ribeiro de Rangel[30].
Somente
no ano de 1944 seus escritos foram publicados e, até hoje, pouco foi explorado
no que concerne à luta entre os Montes e os Feitosa, sendo praticamente inédito
nesse sentido. A explicação para isso pode estar no desgaste do documento
manuscrito (provavelmente, mutilado), pelo menos a cópia utilizada pelo professor
Oliveira Martins, o qual publicou apenas a parte final da narrativa feita por
João da Maia sobre a guerra entre tais famílias.
Felizmente,
na Torre do Tombo, em Lisboa/Portugal, foi descoberta uma cópia desta parte
faltante do diário em perfeito estado, sendo microfilmada pelo Projeto Barão do
Rio Branco. Mesmo assim, até o presente momento, os historiadores/pesquisadores
não exploraram o conteúdo do alfarrábio em comento, não contextualizando
historicamente os fatos contidos nesse velho manuscrito.
A
partir desse momento, faremos a análise do conteúdo inédito dos escritos do capitão
João da Maia da Gama, oriundos do Arquivo Histórico Ultramarino, e, ao final
deste trabalho, publicaremos a transcrição paleográfica do referido documento.
Aspectos da Narrativa
de João da Maia da Gama
Durante
a penosa viagem, João da Maia da Gama deu notícia das coisas mais notáveis em
seu percurso. Falou de intrigas, do precário estado dos índios, dos abusos
cometidos pelos mais poderosos, da divisão de terras entre os sesmeiros, do
conflito entre as famílias Montes e Feitosa e de outros inúmeros fatos.
Suas
anotações possuíam um destino, o de informar ao Rei de Portugal sobre a
realidade vivida do outro lado do oceano Atlântico. Com esse intento, relatou algumas
minúcias acerca do Norte do Brasil, onde esteve exercendo seu múnus público.
Analogamente, mais de uma vez, sugeriu ao Rei soluções para os problemas apresentados,
mesmo arriscando perder a cabeça, o cargo ou o prestígio perante Sua Alteza
Real.
Em
seu diário, João da Maia indica o modus
vivendi dos moradores e a relação destes com as instituições e coisas.
Neste aspecto, destacam-se os apontamentos que fez sobre as elites agrárias,
mais especificamente, sobre a família d’Ávila, baianos donos da famosa Casa da
Torre, a mais rica gente da época em todo o Brasil[31],
que também foi proprietária de todo o território do Cariri cearense[32].
Denunciou a formação do latifúndio improdutivo bem como o meio ilegal e
ilegítimo que usavam os senhores da Casa da Torre para obter terras.
A
Casa da Torre foi um dos temas mais destacados por João da Maia, dizendo ele
que os abusos cometidos por seus integrantes consistiam em tomar a terra por
meio da força, desalojando os povoadores ou os coagindo a contratar
arrendamento das terras que já pertenciam a estes últimos, o que veio a ensejar
um clamor geral na capitania do Piauí[33].
Igualmente,
descreveu a situação dos povos que estavam sendo esbulhados das suas
propriedades, especialmente os índios, aos quais os sesmeiros chegaram ao
cúmulo de proibir-lhes a pesca, seu principal sustento, exceto pelo
arrendamento das praias, das quais, ilegalmente, se julgavam donos[34].
Mesmo
estando a serviço da Coroa, João da Maia diz ter custeado sua própria viagem,
comprando, inicialmente, 32 cavalos[35],
excetuando-se as aquisições supervenientes que fez devido à perda de algumas
alimárias no trajeto, mortas pelo cansaço, por picaduras de cobra, atoladas nos
lamaçais ou afogadas nas travessias dos rios. E, quando suas reservas
financeiras diminuíram, mandou vender uma parte dos seus cavalos na Bahia, em
decorrência dos altos preços alcançados nas minas[36].
Diário incompleto de João da Maia da Gama |
Durante
o longo caminho, diz ter evitado dormir nas casas dos moradores, levando um
toldo para se abrigar, debaixo do qual se acolhia com a sua comitiva[37]. Segundo
ele, isso evitava qualquer brecha para a corrupção, não havendo o dever de
retribuir as gentilezas, sobremaneira as realizadas com algum escuso interesse.
Na
sua caminhada pelo litoral, entre o Piauí e o Ceará, teve encontro com os
índios Tremembés, relatando alguns hábitos desse povo, como o comércio de
dentes de tubarões (realizado com outros índios, inclusive, com os Guaranis[38])
e suas camas feitas na areia[39].
Ele também destacou a pesca das tartarugas e a coleta de seus ovos, utilizados
no fabrico de manteiga no “Rio das Amazonas”. Às mulheres desses mesmos tapuias,
por andarem nuas, Maia lhes deu uma relevante quantia de 120 mil réis, para que
comprassem panos a fim de se vestirem. O autor do diário também salienta a
existência do escambo entre os índios, que trocavam cascos de tartaruga e âmbar
por arpões, anzóis e facas[40].
Em
seus escritos, João da Maia denunciou o esbulho das terras feito aos índios
Tremembés, os quais, pouco antes, haviam sido senhores absolutos daquelas costas,
possuindo de 50 a 70 léguas. Terras que iam da Barra do Maranhão e Ponta do
Mirim até as Barras do Parnaíba[41].
Como
se percebe, o diário de João da Maia da Gama trata de assuntos diversos,
contudo, conforme dissemos acima, o material compilado pelo professor F.A.
Oliveira Martins, que trata da “Guerra entre Montes e Feitosas”, não estava
completo. Vale repetir que nós encontramos a parte faltante dessas anotações no
Arquivo Histórico Ultramarino (AHU), que narra com detalhes da referida guerra,
chamada por João da Maia de “Conflito do Jaguaribe” ou “Levante do Jaguaribe”.
A Guerra das Famílias Montes e
Feitosa, segundo João da Maia da Gama
As
desordens ocorridas na chamada Ribeira do Jaguaribe (termo que englobava várias
das atuais divisões territoriais, incluindo os sertões dos Inhamuns e Cariris
Novos, nas cabeceiras do referido rio) haviam fugido ao controle das
autoridades da capitania cearense, chegando notícias sobre estes distúrbios aos
ouvidos do Rei de Portugal, o qual, por muitos anos, tentou por fim ao levante.
O
Rei havia encarregado alguns de seus empregados a pôr fim aos conflitos da capitania
do Ceará, ordenando que para lá fosse um desembargador. O primeiro “ministro” (magistrado)
escolhido foi Pedro de Freitas Tavares Pinto, contudo, este alegou impedimento,
por estar doente, vindo a anexar às suas justificativas um laudo médico,
atestando possuir graves moléstias, dentre elas, hemorroida.
Outros
motivos que impossibilitavam o cumprimento imediato da ordem régia
relacionavam-se à distância que separava os locais do embate dos grandes centros
urbanos; à falta de estradas; à insuficiência de verbas para o custeio das
viagens; ao receio da violência em que se encontrava aquela gente, etc.
Nesse
contexto, João da Maia da Gama, de pronto, executou as ordens que lhe foram
dadas, no sentido de informar ao Rei sobre os ditos conflitos. Contudo, ele
estava despido da função judicial, isto é, de prender e processar os envolvidos,
pois, no caso, não era sua obrigação fazer diligências, abrir correições e
tirar devassas.
Percorrendo
seu trajeto, no dia 29 de outubro de 1728, em direção à vila de Nossa Senhora
da Vitória da Mocha (hoje, Oeiras/PI), João da Maia teve o primeiro encontro
com os “fogidos de Jaguaribe”. Estes eram Francisco Alves Feitosa, o capitão-mor
Simão Regis[42]
e outros parentes, que estavam arranchados na Fazenda Tigre, onde haviam
plantado uma roça e habitavam alguns dos seus escravos. Ficava esta localidade
ao lado da Fazenda “Varge” do Mel, pertencente a José de Araújo Rocha, residente
na Bahia[43].
Ao
tomar conhecimento da presença de João da Maia, Francisco e seus companheiros
se retiraram com receio de serem presos. Ao saber disto, Maia enviou-lhes um
recado por um negro de Simão Roiz (Rodrigues), dizendo que havia mandado recado
para que não temessem; que não tivessem perturbação alguma, pois ele os queria “compor”;
e que, se pudessem, fossem conversar com ele, quando se dirigisse ao Ceará
(ribeira) ou ao Jaguaribe (ribeira):
A
29. sahimos deste sitio e paçamos a fazenda chamada da varge do mel que hê do coronel
Joseph de Arajo Rocha morador na Bahia e nos fomos aquartellar em hũas baixas
junto da fazenda que chamão o Tigre no
qual lugar se tinhão aranchado os fogidos de Jaguaribe com Fran.co
Alves feitosa, e o cap.m mor Simão Regis e outros parentes, e ahinda
alli tinhão ou.tra Rossa plantada, e algũs escravos e dizem muitos
que elles fogirão e se retirarão dalli com a noticia da minha vinda e receio de
os prender ainda que os negros de Simão Rois q. me conhecião me certificarão
que elles forão chamados dos seus parentes e pello negro lhe mandei recado que
não temessem que não tivessem perturbação algũa que eu os queria compor e que
se pudessem me falassem, ou quando eu paçasse para o Cearâ ou Iaguaribe.[44]
Na
Vila da Mocha, João da Maia encontrou o então ouvidor-geral Antonio Marques
Cardoso, o qual, futuramente, seria responsável por apurar os fatos ocorridos
na Ribeira do Jaguaribe. Cabe ressaltar que, sobre esse ouvidor, teve ele boa
impressão, considerando-o reto e “limpo de mãos”[45].
Outros
envolvidos nas questões do Jaguaribe, com quem Maia teve contato, foram os
índios Jenipapos, que haviam sido enviados para o Maranhão e arranchados junto
do Arraial do mestre de campo Bernardo Carvalho de Aguiar. Sgundo o autor do
diário: “Aqui duas legoas junto do arayal estão situados o resto que ficou dos
indios Ginipapos que vierão do Ciarâ e os mais se retirarão e tão bem estão”[46].
Naquele
momento, Maia considerou aquela localidade adequada para os índios, por estarem
seguros da vingança dos Montes e dos Mendes Lobato. Entretanto, uma parte dos
Jenipapos retrocedeu a marcha para o Maranhão e voltou ao Ceará, indo se alocar
no sertão dos Inhamuns:
Tão
bem se deve passar ordem ao G.or de Pern.co para que todo
o rancho da nação Ginipapo que contra as ordens do G.or de Pern.co
e requerimento dos homens do Ciarâ
retrosederão a marcha que fazião para as terras do Mar.m e
conquista, e se vierão agregar câ para os Inhamûs,
a hum genrro de Fran.co Alves feitoza cabesca de huã das
parcialidades de Jaguaribe a q.m ja tinhão acompanhado nos levantes
e forão os que derão as cargas, e matarão a mayor parte da gente naquella
diabollica ocasião das contendas por cuja causa hê aborrecida aquella nação por
cuja causa foi mandada p.a o Mar.m e se me requereo que a
não deixasse voltar, porem hum frade das Merçes com diabollico espirito, e o
mais de que dei conta a V.Mag.de com certidões de tudo os induzio
para não paçarem ao Mar.m e por todas estas rezões me parece justa e
conveniente a dita ordem, e que se vão situar com o resto que ficou no Mar.m
com o coronel João da Affonseca e ficarão aranchados no dito lugar asima junto
do arayal de M. de Campo Bernardo de Carvalho a quem se devem sobordinar por
serem resollutos, volluntarios e vingativos e necessitarem de poder authoridade
e forssa q.e os reprima e se deve recomendar assim ao M. de Campo
para os trazer na conquista por serem vallerosos, e serâ m.to util
vellar a sua asistencia, e fica o Ciarâ com sosego e elles tão bem seguros, e
livres de os hirem matando os queixosos, e parentes daquelles que elles matarão
e aquella parciallidade dos feitosas sem estes crueis Menistros da sua
vingança, e do seu odio.[47]
No dia 10 de janeiro de 1729, João
Maia da Gama adentrou o território cearense, através do litoral do Piauí,
seguindo pela Serra da Ibiapaba. Já neste trajeto, teve contato com algumas
pessoas que estavam ligadas aos levantes ocorridos na Ribeira do Jaguaribe,
como os padres Francisco de Lira, João Guedes e Francisco Pedroso.
Durante
sua caminhada, João da Maia foi auxiliado por alguns indivíduos que figuraram,
na qualidade de testemunhas, nos “autos processuais” relativos aos distúrbios
no Jaguaribe, a exemplo de Francisco da Rocha Franco. Além disso, necessitando
de ajuda para seguir viagem, João da Maia também obteve assistência de outros
envolvidos nos conflitos do sul do Ceará de 1724, como do comissário-geral
Clemente de Azevedo, que fez a gentileza de abrir uma picada de duas léguas, no
meio do mato, para dar passagem ao comboio de João da Maia da Gama[48].
Porém,
naquelas paragens, parece que toda ajuda era válida, pois, na época das chuvas,
os caminhos eram quase intransitáveis em decorrência dos atoleiros, da mata
fechada e das cheias dos rios. Conta João da Maia que, numa ocasião, ao dormir
em um alto, próximo às margens do Rio Ceará Mirim, perdeu dois cavalos
afogados, e só não teve o mesmo destino por ter escalado uma árvore[49].
Não bastasse, o autor acrescenta ter atravessado 47 ou 56 vezes este curso
d’água[50]. Para
evitar as penosas travessias, o comissário-geral Clemente de Azevedo subia nas
árvores para poder visualizar as curvas do rio, até que, assim, João da Maia
perpassasse o “negregado e excomungado” Ceará Mirim[51].
Numa
carta assinada por João da Maia da Gama, datada de 15 de abril de 1730, escrita
em “Lisboa Ocidental”, o autor informa sobre o cumprimento da ordem régia do
dia 20 de maio de 1727, pela qual o Rei de Portugal lhe incumbira de apurar as
desordens ocorridas na Ribeira do Jaguaribe.
Vale
repetir que Maia, ao apurar os fatos ocorridos em 1724, não exercia a função de
juiz, mas de simples informante, em vista do que se restringiu a colher
depoimentos das testemunhas do conflito, preocupando-se apenas em identificar
as causas e origens das perturbações ocorridas no sul da capitania do Ceará.
Destaque-se que o autor do diário não foi visitar o lugar onde ocorreram as
batalhas, limitando-se ao litoral, onde se encontravam pessoas que conheciam
detalhes sobre o dito conflito, inclusive, algumas que haviam tomado parte nas
lutas armadas.
Nos
dias 25, 27 e 28 de fevereiro bem como nos dois primeiros dias de março de
1729, Maia interrogou os moradores da vila de Fortaleza, apurando os fatos
ocorridos na Ribeira do Jaguaribe por meio dos depoimentos de algumas
testemunhas, segundo ele: “desinteressadas, desapaixonadas e neutrais”.
A
narrativa de João da Maia sobre a guerra entre as famílias Montes e Feitosa é o
que, até bem pouco tempo, chamava-se de fonte primária, tendo em vista que ele
se baseou nos depoimentos de testemunhas oculares. Por esse motivo, o referido
documento pode ser considerado, até o presente momento, a mais antiga e
completa narrativa sobre o assunto.
Disputas por Terras no Cariri
Informaram
as testemunhas do conflito a João da Maia da Gama que um baiano pobre, chamado
Antonio de Brito, havia pedido uma data de sesmaria com a dimensão de três
léguas, numa área que compreendia três sítios, o da Cachoeira (hoje, município
de Missão Velha/CE[52]),
Arraial do Meio (anteriormente, chamado Arraial de São Luiz, também no
município de Missão Velha, confinando com o Juazeiro do Norte/CE[53])
e a Lagoa do Ariosa (antes, Lagoa do Carité, ou Lagoa do Cariri, e, atualmente,
Sítio São José, no município do Crato/CE[54]).
Sabendo
disso, o capitão[55]
Manuel Rodrigues Ariosa[56]
pactuou com Antonio de Brito para ajudá-lo a povoar a referida área, desde que
este último lhe desse um dos sítios. Nesses termos, ajustaram o negócio e foram
“povoar” a terra, ficando Antonio de Brito domiciliado com seus gados no sítio
da Cachoeira, enquanto que o Ariosa se estabeleceu na Lagoa do Ariosa, antiga
Lagoa do Cariri.
Entretanto,
Antonio de Brito veio a ser assassinado por um “negro” da fazenda de Ariosa, sendo
que a culpa por esse homicídio recaiu, injustamente, sobre os índios Calabaças,
fato que promoveu o atrofiamento desse primeiro núcleo de povoamento na
Cachoeira.
Depois
de alguns anos, Ariosa e o capitão-mor Manoel Carneiro da Cunha pediram as
terras de Antonio de Brito como devolutas e desaproveitadas. Dessa feita, os dois
novos peticionários logo trataram de “povoar” as terras, mas não o fizeram
pessoalmente, e, sim, por meio de um procurador, o capitão Duarte Lopes, que,
para realizar tal atividade, possuía “poder de armas e gente”.
Outros
dois moradores da Ribeira do Jaguaribe, Lourenço Alves Feitosa e Antonio Mendes
Lobato (que era um dos Montes), cientes do ocorrido, uniram-se para se apoderar
das ditas sesmarias, já peticionadas por Ariosa e Cunha, o quais, conforme foi
dito, no ato da petição, alegaram que as glebas não possuíam dono. Porém, Maia
acrescenta que Antonio de Brito não havia perdido o direito, o senhorio e a
posse sobre as mesmas, já que ele havia erguido casa e curral, estabelecendo-se
com seus gados e, sobretudo, por ter ficado enterrado nas ditas terras, as
quais, por esse argumento, não deveriam ser consideradas devolutas.
Lourenço
Alves Feitosa (cabeça da parcialidade dos Feitosa) e Antonio Mendes Lobato
(cabeça da parcialidade dos Montes) “fizeram liga entre si” para entrar na
posse das terras doadas ao falecido Antonio de Brito, contudo, o capitão Duarte
Lopes os impediu, dizendo que ambos somente povoariam a área se fosse por meio
de contrato de arrendamento.
Atendendo
as tais condições, Lourenço Alves Feitosa, combinado com seu sócio Antonio
Mendes Lobato, arrendou o sítio em questão. Todavia, estes dois indivíduos,
apesar da celebração deste negócio jurídico, arquitetaram adquirir as ditas
fazendas, por meio de nova petição sesmarial, depois da morte dos arrendadores
(Ariosa e Cunha).
Desse
modo, com o falecimento do capitão-mor Manoel Carneiro da Cunha e de Manuel
Ariosa (este último, antes do dia 30 de setembro de 1716[57]),
Antonio Mendes Lobato procurou seu sócio, Lourenço, para que fizessem a
partilha da terra que havia sido arrendada, conforme haviam combinado
previamente. No entanto, Lourenço se recusou a ceder a cota devida a Antonio
Lobato, o qual, sentindo-se enganado, buscou adquirir as terras por outros
meios, indo comprá-las a um irmão e herdeiro de Antonio de Brito chamado
Pascoal de Brito Siqueira[58].
Então,
de um lado estava Lourenço Alves Feitosa, querendo permanecer na posse da
terra, tomada em arrendamento, e, do outro, Antonio Mendes Lobato, desejando
possuir a propriedade que adquiriu por meio de compra. Cada qual com seu título
aquisitivo, cuja legitimidade exigia a intervenção do estado-juiz. Em virtude
desse impasse, Lourenço e Antonio Lobato levantaram armas um contra o outro,
seguidos de suas parcialidades, é o que assegura João da Maia da Gama,
acrescentando que esse evento foi o princípio das desordens entre as duas
famílias.
Para
apaziguar as duas citadas facções, o ouvidor-geral da capitania da Paraíba,
Francisco Pereira, foi até a Ribeira do Jaguaribe, no ano de 1719[59],
onde reuniu os contendores e os obrigou a fazer as pazes por meio de um termo,
assinado por ambas as partes[60].Tal
acordo previa penalidades aos que descumprissem o tratado de paz. As cláusulas
estipulavam que entre eles não haveria mais dúvidas e aquele que primeiro
voltasse a pegar em armas contra o outro pagaria de sua fazenda quatro mil
cruzados, além de perder todo o direito e “pertençaõ” (pretensão)[61]
que tivesse sobre as referidas terras.
Por
alguns anos, esses indivíduos interromperam as agressões mútuas, porém, outros
fatores vieram a contribuir para a retomada dos embates, os quais se tornaram
cada vez mais intensos e violentos.
Os Índios Jenipapos e o Coronel
João da Fonseca Ferreira
Os
índios Jenipapos, considerados tapuias (ou seja, que não pertenciam ao tronco
lingupistico tupi), estavam sofrendo grande perseguição, e, para não serem
mortos, fugiram das várzeas[62]
do Jaguaribe, indo buscar a proteção do coronel Francisco de Montes Silva. Este
os enviou para os Cariris Novos, onde a natureza era sobeja de caças e com rica
vegetação, suficientes para o sustento dos tapuias[63].
Para
doutriná-los na fé cristã, o coronel Francisco de Montes encarregou o padre
José Mendes Lobato, o qual logo tratou de aplicar os dogmas católicos aos
Jenipapos, inclusive, fazendo severas advertências, o que não agradou aos
índios, razão pela qual começaram a fugir em direção à casa de um tio desse
sacerdote, o coronel João da Fonseca Ferreira, pelo quem foram, prontamente,
acolhidos.
Tentando
reverter a situação, o padre José Lobato requereu ao seu parente que não mais
apoiasse os índios fugitivos e que o deixasse reconduzi-los até sua Missão.
Porém, o coronel João da Fonseca Ferreira não atendeu ao pedido do sobrinho,
dizendo que tinha um “serviço de Vossa Majestade” a ser cumprido com os tapuios
e, antes de finalizar a sua obrigação real com os ditos índios, não os devolveria.
A
maior parte dos Jenipapos já havia abandonado a Missão no Cariri e se
concentrado sob a proteção do coronel João da Fonseca. Em face disso, o padre
Lobato, evitando o confronto com o tio, abandonou os índios, entretanto, foi à
capitania de Pernambuco fazer queixa do ocorrido perante a justiça. Nesse
ínterim, o restante dos índios se evadiu da Missão e da Igreja do padre Lobato,
tomando o mesmo rumo dos demais, ou seja, a casa do coronel João da Fonseca.
Estabelecida
a intriga pela guarda dos índios Jenipapos, o coronel João da Fonseca, temendo
uma possível represália por parte dos seus sobrinhos (o coronel Francisco de
Montes Silva e o comissário-geral Antonio Mendes Lobato), procurou o apoio dos
Feitosa, pedindo socorro de gente e de armas, ao passo que oferecia aos seus
novos aliados ajuda para retomar a posse das terras disputadas pelas duas
parcialidades, no Cariri.
Aceitando
a aliança, Francisco Alves Feitosa e Lourenço Alves Feitosa enviaram seus
filhos homônimos (Francisco Alves Feitosa e o coronel Lourenço Alves Penedo e
Rocha, respectivamente) na companhia de um sobrinho (o capitão João Dantas) em
auxílio ao coronel João da Fonseca, levando com eles muita gente e “força de
armas”. Foi nesse instante que os Feitosa desrespeitaram os termos que tinham
assinado perante o ouvidor-geral da Paraíba, Francisco Pereira.
Na
ocasião, depois de reunidos, marcharam em direção a uma fazenda do comissário-geral
Antonio Mendes Lobato. Em lá chegando, mataram três pessoas, sem dano, causa ou
resistência, depredando o lugar. Afora isso, encontraram numa fazenda o juiz
ordinário da vila de Aquiraz, o comissário-geral Clemente de Azevedo, ao qual
não tiveram respeito e temor, vindo este juiz a se retirar do ambiente para que
também não fosse morto.
O Ouvidor-Geral José Mendes Machado
No
mesmo período em que o conflito renascia e se acirrava, tomou posse na comarca
única do Ceará o seu primeiro ouvidor-geral (equivalente ao atual juiz de
direito), José Mendes Machado, o qual havia sido enviado pelo próprio João da
Maia da Gama, na época em que este ainda era governador da capitania da
Paraíba.
Observa-se
pela leitura do documento que o informantes de João da Maia divergiram quanto à
data em que foram praticadas as violências citadas e quanto à data da chegada
de José Mendes Machado, pois, enquanto uns disseram que este ouvidor chegou na capitania
do Ceará após o comentimento das violências descritas, outros afirmaram que estas
perturbações ocorreram quando o dito magistrado já estava residindo na comarca
cearense.
Ocorre
que os cabeças da parcialidade dos Feitosa foram os primeiros a procurar o novo
ouvidor, argumentando que não haviam participado das mortes e roubos cometidos
contra os Montes, e isto sob o pretexto de não terem ido pessoalmente ao lugar
onde foram cometidas tais violências, posto que apenas seus filhos e um
sobrinho haviam estado no local.
Posteriormente,
depois de os Feitosa terem se agregado com o referido magistrado, os Montes também
foram ao encontro deste último, segundo o depoimento de algumas testemunhas, para
lhe oferecer obediência e tirar “cartas de seguro” (espécie de habeas corpus preventivo)[64],
a fim de assegurarem suas liberdades por crimes que estavam sendo acusados.
Maia
ouviu das testemunhas que o Bacharel José Mendes Machado, assim que tomou posse
no cargo de ouvidor da capitania cearense, começou a “fazer justiça”,
praticando atos que lhe eram próprios, como abrir correição e despachar,
falando de forma soberba e sem prudência. Segundo as mesmas testemunhas, o ouvidor
teria dito que “aquele que possuísse cem mil réis, quando ele acabasse suas
atividades, desse graças a Deus se ficasse com a metade ou com apenas vinte
vinte mil réis”.
Segundo
Maia, não bastasse a imprudência, orgulho e inquietação, o dito ouvidor também trazia
consigo oficiais ambiciosos, malignos e desatentos em palavras e ações, além de
descomedidos, o que é ilustrado pelo episódio em que José Mendes Machado mandou
prender alguns homens, ensejando a fuga do coronel Teodósio Nogueira de Lima. Todavia,
para a satisfação das custas judiciais, os oficiais e meirinhos descompuseram a
esposa deste coronel, arrancando-lhe as abotoaduras de ouro afixadas na camisa,
as argolas das orelhas (brincos) e os botões das “maneiras” (aberturas das
saias[65]).
Por conta desse comportamento desmedido, tanto o marido da mulher descomposta
quanto o irmão dela (o coronel Antonio Gonçalves de Souza) ficaram “picados”
(irritados) e bastante ofendidos.
Ademais,
as testemunhas confidenciaram a João da Maia que, a partir desse momento, houve
alteração daqueles povos da Ribeira do Jaguaribe contra o ouvidor-geral da
comarca única do Ceará, José Mendes Machado.
A Organização do Levante e a Tropa
do Povo
O
ouvidor prosseguiu com as correições por toda a Ribeira do “Acaracû” (Acaraú)
até à Serra da Ibiapaba, contudo, seus oficiais mantinham o mesmo procedimento
inadequado. Nesse particular, informaram a João da Maia que, durante essas correições,
só o badalo do sino ficava por culpar e que todos eram descompostos, ao menos,
de ladrões de gados, uns dos outros.
Com
base nos depoimentos, o ouvidor estava mais parcial dos Feitosa, deixando-se
dominar mais por eles, aos quais havia encarregado a execução de algumas
prisões. Assim, cumprindo ordens do dito magistrado, quando Francisco Alves Feitosa
conduzia alguns presos para a ribeira do Ceará (divisão administrativa que
englobava as vilas de Aquiraz e Fortaleza) foi interceptado pelo coronel
Antonio Gonçalves de Souza, o qual estava acompanhado de vários homens, entre
eles, Teodósio Nogueira.
Alguns
relataram a João da Maia que os coronéis Antonio Gonçalves e Teodósio Nogueira
pretendiam pôr em liberdade os detentos e, também, levar o coronel Francisco
Feitosa, coercitivamente, ao “levante do povo”. Entretanto, outras testemunhas
disseram que os três coronéis haviam, entre si, ajustado o levante e que, por
este motivo, Francisco Feitosa entregou seu próprio filho, também chamado
Francisco Alves Feitosa, para que este marchasse com a Tropa do Povo. Nas
palavras de João da Maia: “foi este filho do dito Feitosa um dos mais
empenhados, e que mais trabalhou para levantar o povo, como por sua confissão
mostrarei adiante em seu lugar”.
Logo
depois, Francisco Feitosa seguiu na condução dos presos para a vila da
Fortaleza, mas providenciando que seu irmão, Lourenço Feitosa, o qual se
encontrava na companhia do ouvidor, fosse comunicado sobre o levante que estava
sendo arquitetado. Ao tomar conhecimento sobre tais perturbações, Lourenço deu
parte ao ouvidor. Na referida ocasião, Domingos Ribeiro e seus parentes, os
Montes, também delataram a formação do levante, pois haviam ido ao encontro do
ouvidor, supostamente, requerer as mencionadas cartas de seguro.
A
notícia da rebelião inquietou o magistrado, momento em que os Montes se
ofereceram a acompanhá-lo, defendê-lo, guardá-lo e acomodar a “perturbação do
Jaguaribe e do Povo”, ao que também se ofereceram os Feitosa. Mas a escolha do
ouvidor recaiu sobre estes últimos, não sabendo as testemunhas se tal opção
ocorreu por conveniência, por afeição ou por ele confiar mais nos Feitosa.
Assim, o ouvidor, os Feitosa, o coronel João da Fonseca e os índios Jenipapos
seguiram marcha em direção “à vizinhança do Jaguaribe” (ribeira).
Por
ensejo das notícias sobre o levante, os Montes foram desarmados pelo fato de
José Mendes Machado não confiar neles. Mesmo assim, os Montes insistiram para que
suas armas fossem devolvidas, a fim de que pudessem fazer a defesa do ouvidor
e, também, para que se protegessem contra uma possível traição dos Feitosa, ou
que, pelo menos, o ouvidor os “assegurasse”[66].
Apesar de esses pedidos terem sido indeferidos, os Montes seguiram na companhia
de José Mendes Machado nas correições e devassas que estavam sendo tiradas nas
três divisões administrativas da capitania, isto é, nas ribeiras do Ceará,
Acaraú e Jaguaribe.
Chegando
em Missão Velha[67],
arrancharam-se todos eles em um alto, junto de um riacho, em umas casas
fortificadas, dentro de uma grande estacada “à roda” (ao redor), na fazenda
Caiçara[68],
na qual ficaram instalados o ouvidor e toda a parcialidade dos Feitosa.
Contudo, o ouvidor-geral José Mendes Machado mandou colocar fora dessa estacada
toda a parcialidade dos Montes, a qual deveriam ficar na parte externa, mas ao
lado da cerca.
Dessa
maneira, os Montes, estando desarmados e pelo lado de fora da cerca, fizeram ou
repetiram o seu requerimento ao ouvidor, sobre as referidas cartas de seguro, o
que terminou resultando em um conflito sangrento.
A Batalha entre a Tropa do Povo e a
Tropa do Ouvidor-Geral
Logo
em seguida, chegou o “Povo” desarmado, abaixo do alto, onde se aquartelou em
paz e quietação. Entretanto, o filho do coronel Francisco Alves Feitosa convidou
e induziu pessoas que vinham na Tropa do Povo para irem fazer uma “escaramuça”
(desordem, briga). E assim foram se chegando próximo à estacada.
Também
contaram a João da Maia que o ouvidor encarregou o capitão João Nunes para ir
saber o que o Povo queria e, na volta, informou que este desejava que o ouvidor
não tirasse correição e que não procedesse, judicialmente, contra os culpados
nas devassas em que alguns dos integrantes do Povo eram parte, isto é, réus.
Outras testemunhas acrescentaram que, antes de ocorrer a batalha, houve mais
pedidos e que o portador sequer havia chegado com a resposta do ouvidor ao
requerimento do Povo.
Na
opinião de João da Maia, “o que é certo e sem contradição” é que os integrantes
da Tropa do Povo se achavam aquartelados, quietos e pacíficos e que apenas os
mais jovens foram na companhia do filho do Feitosa em direção à estacada.
Diante da situação, assim que o “ministro” (ouvidor) soube da aproximação dos
integrantes da Tropa do Povo, houve ordem para atirar. Todavia, em razão das
contradições dos depoimentos testemunhais, João da Maia confessa que não foi
possível identificar, ao certo, quem ordenou o ataque contra os integrantes da
Tropa do Povo.
Dessa
maneira, chegando o grupo mais jovem da Tropa do Povo perto da estacada, o
filho do coronel Francisco Alves Feitosa, o mesmo que o pai havia entregado a
Antonio Gonçalves de Souza para ir levantar o Povo, “metera pernas ao cavalo”,
penetrando na casa-forte. Nesse instante, segundo as testemunhas, um homem
conhecido por Estevão Duro ordenou o ataque (ou foi quem deu o primeiro disparo),
momento em que houve uma carga geral aos indivíduos que estavam do lado de fora
da caiçara.
Em
seguida, sairam os tapuias Jenipapos, que estavam em várias escoltas,
juntamente com pessoas da tropa do ouvidor para atacar os integrantes da Tropa
do Povo. Foi nesse instante que os aliados do ouvidor saíram para dar combate
aos que vieram desmontados com o filho do coronel Francisco Feitosa e aos que
estavam “aquartelados, quietos e despidos”.
Durante
a peleja, a tropa do ouvidor matou diversos homens, sendo que muitos dos que conseguiram
fugir, descalços e despidos, foram perseguidos e assassinados, pois, alguns que haviam saído vivos da
batalha na Caiçara, foram encontrados já a certa distância, despindo-se e
lavando-se, quando deram sobre eles os índios Jenipapos, os quais, na ocasião,
mataram, de uma só vez, nove pessoas que estavam se banhando na água, afora
outros indivíduos que os mesmos índios também alcançaram e assassinaram.
Os Despojos da Batalha
Segundo
Maia, depois de se recolherem as tropas e as escoltas ligadas ao ouvidor,
também se recolheu a “presa” (espólio) e os despojos da guerra, que era tudo
quanto aqueles homens tinham e levavam consigo.
Ainda,
disse ele que o ornato e grandeza daqueles homens eram, além do seu vestido,
algum dinheiro que traziam com a sua roupa, em uma ou duas canastras[69],
e umas esporas de prata, uma caldeirinha ou um coco de prata, somando-se a isso
suas armas chapeadas e guarnecidas também de prata.
Não
só se tomou toda a bagagem dos homens do Povo, como, também, a bagagem dos Montes
que estava na posse do ouvidor, dentro da estacada. No furor do combate, os
Montes, vendo-se ameaçados, fugiram como estavam, isto é, sem os seus objetos,
sendo que todos eles transportavam dinheiro, segundo informaram a João da Maia.
Só Antonio Mendes Lobato levava mais de seiscentos mil réis em sua canastra,
quantia que trouxe para a casa da estacada onde estava o ouvidor, a qual
consistia numa “torre” (casa-forte[70]),
para onde foram levados todos os despojos, exceto os bens que furtaram e
esconderam os índios e mais gente das Tropas. Maia também ressaltou que nos
despojos de guerra constavam 80 cavalos, afora os que foram escondidos e
furtados.
João
da Maia perguntou às “pessoas desinteressadas e desapaixonadas”, que, no
momento da dita refrega, se achavam com o ouvidor na dita estacada, se havia sido
feito inventário desses bens e a quem eles haviam sido entregues.
Responderam-lhe que nem inventário, nem depósito viram, nem mesmo souberam se o
fizeram, nem que caminho levou e que todos os bens ficaram na casa-forte.
Em
seguida, Maia perguntou se estes cavalos haviam sido entregues em depósito. As
testemunham disseram que isto não ocorreu, pois por ali mesmo “repartiram,
deram ou tomaram” as alimárias e que, no dia posterior ao combate da Caiçara,
viram Lourenço Alves Feitosa montado em um “fermozo” cavalo fouveiro, portando na
cinta uma espada com guarnições de prata, ambos pertencentes a Antonio Lobato,
o qual havia estado na companhia do ouvidor até o dia do referido combate.
As Batalhas Subsequentes:
Retaliação da Tropa do Povo e dos Montes
Ao
continuar no campo de batalha, o ouvidor-geral José Mendes Machado passou a ter
“grande cuidado e temor”, pois o resto dos membros da Tropa do Povo e os Montes,
os quais tinham se evadido, estavam novamente se reunindo para fazer
retaliação.
Quando
a tropa do ouvidor se preparava para enfrentar a revanche, o filho do coronel Francisco
Alves Feitosa disse a José Mendes Machado que havia se juntado à Tropa do Povo
por ordem do seu próprio pai e que dela se apartou junto da estacada, para,
assim, adentrar a fortificação. O filho do mesmo coronel também disse ao ministro,
publicamente: “Vossa Mercê Senhor Doutor não tem que temer, nem que recear que
não hão de vir cá, porque se eu lá não fosse não havia de vir cá nenhum”.
Com
o objetivo de apurar os fatos ocorridos em 1724, João da Maia chamou o
comissário-geral Clemente de Azevedo (o qual, à época, era juiz e também se
achava com o ouvidor no dia do embate) e o escrivão dos órfãos (encarregado do
cartório). Estes, depois de inquiridos sobre a frase prolatada pelo filho do
coronel Francisco Feitosa, asseguraram que era tudo verídico. A partir daí, João
da Maia julgou que esse filho do Feitosa era “um principal cabeça e motor” do
levante do povo.
Estando
satisfeitos com a vitória, porém, com “muito medo”, o ouvidor José Mendes, o coronel
João da Fonseca Ferreira e o comissário-geral Lourenço Alves Feitosa expediram
duas tropas para dar combate aos homens do Povo, indo estes últimos ao Ceará
(vila da Fortaleza) para se valer do governador Manoel Francês (capitão-mor).
José
Mendes Machado e seus aliados enviaram uma das tropas sob o camando de Estevão
Duro, ao qual o ouvidor-geral recomendou que: “vá só Capitão, e eu só quero que
me traga a língua de Domingos Ribeiro”, que era um dos Montes e também havia
estado com o ouvidor na ocasião das “cargas” (do tiroteio) na Caiçara.
Ressaltou João da Maia que esta recomendação do magistrado foi feita
publicamente, conforme esseveraram as “testemunhas neutrais e de fé”.
Essa
primeira tropa enviada pelo ouvidor partiu a procura dos integrantes da Tropa
do Povo e da família Montes. Depois de marchar por, mais ou menos, 40 léguas,
tiveram encontro com os inimigos. No momento, travaram combate e morreram
algumas pessoas, de parte a parte, entre estas o cabo Estevão Duro, cuja morte
fez com que a tropa do ouvidor e dos Feitosa recuasse.
Outra
tropa foi expedida pelo doutor José Mendes Machado e por seus aliados, da qual
eram cabos Francisco Lopes e um filho bastardo do coronel João da Fonseca, “que
conduzia os tapuias Jenipapos, principais executores de tanta morte”. Esta
segunda tropa, em procura dos Montes, pôs em cerco a casa-forte do Padre Frei
Luis, religioso da Ordem do Carmo, onde mataram dois homens.
Nesse
intervalo, a Tropa do Povo já havia se restabelecido, em virtude do que saiu em
perseguição aos dois cabos da segunda Tropa do Ouvidor (Francisco Lopes e o
filho bastardo do coronel João da Fonseca), a qual, encontrando-se em
desvantagem, logo se retirou. Em seguida, o Povo teve encontro com uma terceira
tropa, chefiada pelo coronel Francisco Alves Feitosa, ocasião em que foram
mortos o capitão João Dantas (sobrinho do coronel Francisco Feitosa), Francisco
de Souza e Gregório Martins. Além disso, também feriram o filho do coronel
Francisco, ao qual era atribuída a culpa pelo levantamento do Povo. Os
sobreviventes figiram junto com o coronel Francisco Alves Feitosa para se
juntarem à quarta tropa ligada ao ouvidor, dirigida pelo coronel João da
Fonseca, ao qual o Povo já havia tomado alguns despojos.
Enquanto
andavam estes subgrupos da Tropa do Povo “em campanha” (fazendo guerrilha), o
ouvidor-geral, seus oficiais e o comissário Lourenço Alves Feitosa, junto a
seus parentes, bateram em retitada com toda a cavalaria para o Piauí, que, na
época, era distrito do Maranhão.
Ainda,
João da Maia afirmou que não sabia se, realmente, todos os despojos daquela “grande
guerra” haviam sido levados para o Piauí, os quais foram avaliados em “bastantes
mil cruzados”, na opinião de alguns, em 60 mil cruzados, mas entendeu ele: “que
nem metade, mas fosse o que fosse eles o levaram, e o que sei é que os oficiais
do Ouvidor jogavam vários trastes de prata pelo distrito do Maranhão, e traziam
esporas, e embraçadeiras de prata, e guarda-mão, e os mais adereços de
espingardas, ou clavinas do dito despojo”.
Opinião de João da Maia da Gama
Explicou
João da Maia ser este um resumo que, “com mais verdade” e exação, pôde ele
alcançar do “tão infausto e lastimoso sucesso” (acontecimento). Além disso, o
autor ficou convencido de que o “pobre Povo” foi induzido a ir manso e pacífico
para fazer o dito requerimento ao ouvidor, para o bem comum de todo o Povo.
Acrescenta também que, com este pretexto, as pessoas foram reunidas e que o
filho do coronel Francisco Feitosa foi um dos que mais “obrou” para isso.
Com
base nesses depoimentos, João da Maia opinou que, até à data da batalha da
Caiçara (Missão Velha/CE), os Montes não eram culpados, pois tinham estado e
andando sempre com o ouvidor, e que, no entanto, tal qual os do Povo, foram
assassinados, assaltados e obrigados a fugir dos violentos ataques. Por tudo isso, Maia disse que “os
sentenciaria livres”, não fosse o último acontecimento, isto é, a retaliação
feita por eles e a Tropa do Povo.
Segundo
Maia, foi em razão de tudo isso que os Montes se armaram e se juntaram com os
do Povo, agregando os índios das Missões do litoral, de acordo com as
informações dadas pelo coronel Manoel Gonçalves Pimentel. Também, disseram as
testemunhas que Antonio Mendes Lobato e outros, tendo alcançado o apoio do
governador (capitão-mor Manoel Francês) e, assim, com bastante poder,
procuraram perseguir o ouvidor e os Feitosa, seus inimigos, os quais eram
considerados como “principais motores e agressores da sua ruína”.
Disse
Maia que, de tanta fatalidade e desgraça, o Povo e os Montes encontraram as
“Tropas do Ouvidor”, com as quais entraram em combate armado. Destaca também
que, nestes confrontos, os Montes e seus aliados provocaram diversas mortes,
mas, em consequência, sofreram outras baixas em seus exércitos.
Assim,
nas palavras de João da Maia, estando os Montes e os integrantes do Povo
feridos, magoados e escandalizados das mortes e destruições que se lhe tinham
feito, agiram com “desesperação contra os Feitosa” e contra os aliados destes,
destruindo suas casas e fazendas, movidos pelo sentimento de mágoa.
Em
decorrência da citada retaliação, João da Maia considerou que o Povo e os
Montes eram também culpados, pois, apesar de induzidos pela traição do filho do
Feitosa, assassinaram e causaram danos e prejuízos a outra parte sem que
houvesse razão, justiça, jurisdição ou autoridade. Ademais, João da Maia
afirmou que: “esta matéria necessita de muita ponderação, que eu me não atrevo
a julgar, nem me atrevera a determinar se são mais culpados os Montes e o Povo,
se os Feitosas e o Ministro, com quem estavam, o que à vista desta relação
julgarão maduramente os grandes, retos e inteiros Ministros de Vossa Majestade”.
De
forma a esclarecer os pontos mais significativos concernentes à matéria, João
da Maia ocupou-se em enumerar alguns dos principais fatos ocorridos durante
essas contendas.
Em
primeiro lugar, disse o autor terem sido expostos os princípios da formação das
parcialidades que se rivalizavam, ou seja, os Montes e os Feitosa.
Em
segundo lugar, reza o autor que ficaram evidenciadas as causas e o princípio da
alteração do Povo, que, segundo ele, foram os excessos dos oficiais do ouvidor-geral
e a sua condição; ao que se juntou a queixa dos ofendidos; bem como o receio
dos criminosos e culpados, os quais desejavam se livrar da justiça. Dessa
maneira, as duas parcialidades concorreram para reunir o Povo, o qual foi enganado
ou induzido com o pretexto de o requerimento ser justo e para o bem geral
daquela gente.
Em
terceiro lugar, observou Maia que os responsáveis pelas mortes ocorridas nas
batalhas foram ouvidor-geral José Mendes Machado, os Feitosa (com os seus
parentes e aliados) e o coronel João da Fonseca Ferreira (com os seus índios
Jenipapos), porque, devendo eles trabalhar para acomodar e aquietar o Povo, não
deram tempo suficiente para o envio da resposta ao requerimento deste último, respondendo
com repetidas “cargas”, seguindo-o e matando-o com tirania. Na visão de João da
Maia, a ação do magistrado e dos seus apaniguados foi de cegueira, imprudência,
desacordo e maldades, o que findou desencadeando mais ruínas, feitas pelo Povo,
que, até ali, não havia praticado excesso, nem dado mostra de que o faria.
Ainda,
de acordo com o autor, os principais cabeças pelo levantamento do Povo foram o
coronel ou tenente-coronel Antonio Gonçalves de Souza e Francisco Alves Feitosa
(filho), o qual foi quem mais “obrigou e moveu o Povo” no levantamento.
Também
relataram a João da Maia da Gama que os outros responsáveis pelas referidas
desordens teriam sido o cunhado de Antonio Gonçalves de Souza (Teodósio
Nogueira) e Domingos Ribeiro.
Quanto
à suspeita de o coronel Francisco Alves Feitosa ter participado, indiretamente,
para o levante do Povo, por meio da entrega de seu filho ao tetente-coronel
Antonio Gonçalves de Souza, não soube João da Maia se isto se dera de forma
voluntária, violenta, cautelosa, verdadeira, maligna ou política, havendo
testemunhos discordantes sobre o assunto.
A Situação em que se encontrava a
Capitania do Ceará
Na
data em que João da Maia esteve no Ceará, no ano de 1729, informaram-lhe que,
entre os líderes do conflito ocorrido em 1724, já havia falecido o filho do
coronel Francisco Alves Feitosa e o filho do comissário-geral Lourenço Alves
Feitosa, o primeiro havia sido morto pelo Povo, e, o segundo, saiu gravemente
ferido nessas batalhas. Este último, para “segurar o vulto”, foi se ordenar na
Bahia, por decisão de seu pai, mas terminou falecendo sem receber tais “ordens”.
Da
parte dos Montes, já havia morrido Domingos Ribeiro, a quem o ouvidor mais temia.
Mas, desta mesma parcialidade, estavam vivos Antonio Gonçalves de Souza e o seu
cunhado Teodósio Nogueira, que foram os primeiros a manifestarem queixas contra
os oficiais do ouvidor José Mendes Machado. Também eram vivos outros dos
principais cabeças, como Antonio Mendes Lobato e Francisco de Montes.
João
da Maia também registrou que, ao tempo desse relato (1728-1729), os líderes
dessas duas parcialidades se achavam cansados, destruídos, quietos e receosos
das penas que lhes poderiam ser aplicadas em decorrência dos crimes que haviam
cometido.
Antes
de deixar a capitania do Ceará, João da Maia aconselhou ao capitão-mor do Ceará
João Batista Furtado que trabalhasse com cautela a fim de promover a paz entre
os líderes das duas facções. Também recomendou, pessoalmente, aos parentes dos
líderes do levante que vivessem em paz e quietação, sendo que estes, aparentemente,
ficaram sossegados e prometeram ao autor contribuir para este fim.
Ao
chegar à capitania da Paraíba, Maia foi informado que o novo ouvidor-geral
havia partido de Portugal em direção ao Ceará. Assim, João da Maia escreveu correspondência
a este novo ouvidor (Antônio Loureiro de Medeiros), através do comissário-geral
Clemente de Azevedo, requerendo ao dito magistrado que, em nome do Rei, não se
tornasse parcial de nenhum dos antagonistas (Montes ou Feitosa), como havia
feito o seu antecessor, José Mendes Machado.
Entretanto,
quando já estava em Pernambuco, João da Maia soube, por meio do governador desta
capitania (Duarte Sodré Pereira), que o novo ouvidor, depois de chegar ao
Ceará, tinha feito com que as duas parcialidades “fizessem termo de não se
entenderem uns com os outros”.
Para
tentar resolver a grave situação em que se encontrava o Ceará, João da Maia
aconselhou que, em caso de haver necessidade de punir alguém, bastava castigar
os primeiros que haviam reunido o Povo em levante, e, sobre o ouvidor José
Mendes Machado, eximiu-se de apresentar solução, deixando isso a cargo do
conselho do Rei.
Com
base no que se dizia na capitania do Ceará, João da Maia asseverou que, para
promover a total pacificação daqueles Povos, era suficiente retirar da referida
capitania os dois Feitosa (Lourenço e Francisco) ou apenas um deles.
Paralelamente, da parcialidade dos Montes, deveria ser afastado do Ceará
Antonio Mendes Lobato, pois, assim, tudo ficaria quieto, porém, caso fosse
necessário banir outros, que fosse retirado “o segundo com mais poder e
séquito”, isto é, o coronel Francisco de Montes Silva.
Por
fim, pareceu a João da Maia da Gama ser desnecessária a ida de um ministro
(desembargador) da Bahia ao Ceará, para se evitar a total destruição daqueles
miseráveis e arruinados, não só pelas guerras e destruições, como, também,
pelas continuadas secas, “com que Deus” os castigava com a mortandade de
“muitos milhares e milhares de gado”.
Conclusão
A partir dos escritos de João da
Maia da Gama, é possível identificar um série de fatos, praticamente,
inéditos em relação ao conflito que a historiografia aborda com bastante
frequência, a chamada “Guerra entre Montes e Feitosas”.
Este
documento escrito por João da Maia da Gama sistematiza a sucessão dos fatos
ocorridos no início do século XVIII, sobre a ocupação “branca” do território do
Cariri cearense. A partir de todas essas informações, o episódio histórico
mencionado ganha ressignificação, possibilitando que o leitor, por meio de uma
interpretação crítica, visualize como se deu a territoralização do referido
espaço, como a política interferiu nisso, como as classes desfavorecidas foram
aliciadas e como ocorreu a consolidação do cangaço, lato sensu, na região caririense e suas imediações.
Logo
abaixo, apontaremos algumas das principais conclusões, levando em consideração
o relato de João da Maia da Gama:
•
Manoel Rodrigues Ariosa não foi o primeiro “branco” a invadir as terras do sul
do Ceará (o Cariri), posto que ele foi antecedido pelo baiano Antonio de Brito;
•
Manoel Rodrigues Ariosa não se estabeleceu definitivamente no Cariri, o que é
provado pelo arrendamento feito por seu procurador, o capitão Duarte Lopes, a
Lourenço Alves Feitosa;
•
O conflito entre os Montes e os Feitosa, que resultou na batalha da Caiçara, em
1724, surgiu pela disputa entre os antigos sócios: Antonio Mendes Lobato e
Lourenço Alves Feitosa. Frise-se que Antonio Lobato era considerado mais poderoso
do que o seu primo, o coronel Francisco de Montes Silva. Mesmo assim, por serem
os Mendes Lobato parentes dos Montes, foram todos eles chamados, genericamente,
por este derradeiro sobrenome, isto é “os Montes”;
•
O coronel João da Fonseca Ferreira era tio do coronel Francisco de Montes Silva
e do comissário-geral Antonio Mendes Lobato;
•
O coronel Francisco Alves Feitosa teve um filho também chamado de Francisco
Alves Feitosa;
•
A principal causa do conflito entre os Montes e os Feitosa se deu por disputa
de terras, mas não pela área da ribeira do Jucá, no sertão dos Inhamuns, mas
pela posse dos territórios atualmente compreendidos pelos municípios de Missão
Velha, Barbalha, Juazeiro do Norte e Crato, todos no sertão dos Cariris Novos
ou Cariris de Dentro, hoje, Cariri Cearense;
•
A motivação lastreada na honra, como afirmaram alguns escritores, ainda não foi
confirmada, salvo a descompostura feita pelos oficiais do ouvidor à esposa de
Teodósio Nogueira Lima;
•
A primeira fase do conflito está entre o ano de 1716 (data em que Manoel
Rodrigues Ariosa já é tido como morto) e o de 1719 (data em que o ouvidor da
Paraíba aquietou os contendores, estipulando cláusulas de cessar-fogo);
•
De acordo com a narrativa, a segunda fase pode ser alocada após o ano de 1719,
pois nesse período surgem diversos fatores que contribuíram para o reinício dos
combates. Segundo os testemunhos dados a João da Maia, os motivos foram: a) a intriga ocorrida por causa dos
índios Jenipapos entre o coronel João da Fonseca Ferreira e os seus sobrinhos
(o comissário-geral Antonio Mendes Lobato, o coronel Francisco de Montes Silva
e o padre José Mendes Lobato), fato que teria feito com que João da Fonseca aderisse
aos Feitosa; e b) os atos do ouvidor-geral
José Mendes Machado, tanto os abusos cometidos por ele e seus oficiais quanto
pela insatisfação dos réus acerca da atividade judicante do magistrado, tirando
devassas e correições (equivalentes ao atual inquérito policial e processo
judicial);
•
A terceira fase se dá após os anos de 1724-1725, quando as autoridades, por
ordem do Rei de Portugal, são acionadas com o objetivo de prender e punir os
líderes do levante. Neste período, parte dos combatentes se evadiu do Ceará,
porém, alguns destes permaneceram liderando grupos armados nas regiões limítrofes. Além dessa
perseguição da justiça, a seca também contribuiu para arrefecer os grandes
embates armados e as vinganças, possibilitando o apaziguamento na década de 1730;
•
A guerra não se restringiu apenas às duas famílias em comento, havendo a
participação de outros indivíduos que se ligavam a elas por algum grau de
parentesco, por amizade, por interesse ou por coerção, como ocorrera com os
índios do litoral, que, a contragosto, foram obrigados a participar das lutas.
Destaque-se, ainda, que diversas pessoas foram integrar a Tropa do Povo pela
simples conveniência de pôr fim aos processos em que eram parte e, assim,
ficarem impunes pelos crimes praticados;
•
João da Maia afirma que o ouvidor José Mendes Machado e os Feitosa obtiveram a
vitória na batalha ocorrida na estacada em roda (na Caiçara, em Missão Velha/CE),
em 1724. Mas, nos embates subsequentes, passaram a ficar em grande desvantagem,
sendo necessário fugir para o Piauí.
•
Houve perda para ambas as partes. Do lado do ouvidor e dos Feitosa foram
mortos: Estevão Duro, Francisco Alves Feitosa (o filho), Lourenço Alves Penedo
e Rocha, João Dantas, Gregório Martins e Francisco de Souza. Da parte dos
Montes e da Tropa do Povo o número indicado é maior, pois, após a batalha da
Caiçara, nove pessoas foram mortas, de uma só vez, no momento em que se
banhavam. Há também menção a outras mortes, porém, os nomes dos indivíduos não
foram citados;
•
A primeira missão indígena (aldeamento artificial de cunho católico) nos Cariris
Novos foi administrada pelo padre José Mendes Lobato, no território do atual
município de Missão Velha, razão deste seu nome.
Transcrição Paleográfica do
Manuscrito de João da Maia da Gama:[71]
Senhor
Informaçảo
sobre as couzas de Jaguaribe que dou em virtude da Real ordem de V.Mag.ᵈᵉ de 20
de Mayo de 1727 que fallando na Capitanîa do Ciarâ prosegue hum Cap.ᵒ do theor
seguinte. E porq̉ nesta Capitanîa do Ciarâ houve de proximo
húma grande alteraçảo devidindose toda ella, ou amayor parte em duas facçoens,
de que erảo cabeças os Feytozas, eos Montes com tal furor, que sederảo
batalha, em q̉ se diz morrerảo mais de trinta de huá, e outra parte, eo
Ouvidor, que eu alŷ tinha mandado a fundar de novo huá Ouvidoria para que
aquella gente viveSse com socego, debaixo da administraçaỏ da Justiça,
evitandose as offensas, Roubos, e insultos, que se fariâỏ hunś aos outros, se
auzentou, e recolheu ao Reyno, dizendo que o expulsarảo por nảo quererem
aquelles homens ter entre si quem lhe reprimisse as suas desordens, e fizesse
Justiça. Tomarei huá exacta informaçảo das couzas, e principios desta
alteraçaỏ, quem foraỏ os autores: e mortes dellas, em q̉ estrado seacha ao
prezente, e que meyos se devem aplicar p.ᵃ pôr esta gente em socego, e na
devida obediencia, e Respeyto, que devem ter aos Ministros de Justiça,
Capitaens mores, Cabos, eofficiaes Superiores. Para inteyra informaçảo do
conteùdo no Cap.ᵒ acima me pareceo dar primr.ᵒ noticia do principio destas
parcialid.ᵃˢ de Montes, e Feytozas, que foi a seguinte: Pedio Antonio de Britto
homem pobre huá data deterras detres legoas, que comprehende em sî tres sitios,
a saber, a Caxoeyra, o Arrayal do meyo, e alagóa do Arioza, e tendo este Arioza
noticia fez partido com o Britto q̉ se lhe desse hum Sitio daquelles q̉
ajudaria a povoar os mais, e assim ajustarảo onegocio, eforaõ povoar, e na
retirada ficou Ant.ᵗᵒ de Britto com os gados no Sitio da Caxoeira, e aly o
matou hum negro da fazenda do Arioza, e desvaneceuse a povoação, ficando o
gentio Callabaça culpado sem cometer ad.ᵃ morte. [fl. 14] Passados alguns annos pedio o d.ᵒ Arioza eo Cap.ᵃ ͫ môr Manoel Carneyro as d.ᵃˢ terras povoadas
jâ por devolutas, e dezaproveytadas, e pozerao por obra a povoalas, mandando o
Cap.ᵃ ͫ môr Manoel Carnr.ᵒ da Cunha, ao
Cap.ᵃ ͫ Duarte Lopes com poder de armas,
e gente, e estando de posse dellas, e sabendo Antonio Mendes Lobato, q hê hum
dos Montes, e Lourenço Alvres Feytoza, q̉ he o outro cabeça da sua
parcialidade, fizeraỏ Liga entre si, p.ᵃ haverem ambos as d.as
terras, com o fundam.ᵗᵒ deseterem dado por devolutas ao Arioza, e Carneyro, as
d.as terras dizendo que nảo tinhaỏ dono, tendo-as pedido, epovoado
o d.ᵒ An.ᵗᵒ de Britto, a quem se tinhaõ concedido, e que este Britto, ainda que
morto, nảo perdia, nem seos herdr.ᵒˢ o dir.ᵗᵒ , eSenhorio, e posse, que tomou
dellas com curral, caza, e gados, e sobre tudo ficar nella enterrado, pelo
matar hum negro, como acima fica refferido. Juntos, e unidos na forma do ajuste quizerảo com effeyto o d.ᵒ
Antonio Mendes Lobato, que se tem por cabeça dos Montes, e o Lourenço Alvres
Feytoza povoar as d.ᵃˢ terras, lhe pôz impedim.to o Cap.am
Duarte Lopes como Procurador do Cap.am môr Manoel Carneyro, e do
Cap.am Manoel Roiz̉ Arioza, dizendo que as naỏ haviaỏ de povoar,
salvo fosse debayxo de arrendam.ᵗᵒ seu, como Procurador dos d.ᵒˢ seus
Constituintes, eCom effeyto, Lourenço Alvrez Feytoza passou od.ᵒ arrendamento. Morrendo
os d.ᵒˢ Manoel Carneyro, e Manoel Roiz̉ Arioza, aq.ͫ o Feytoza tinha passado o
arrendam.ᵗᵒ buscou com esta noticia Antonio Mendes Lobato aoSeo Companhr.ᵒ
Lourenço Alvrez Feytoza p.ᵃ que partissem os Sitios na forma do seu ajuste,
porem o Lourenço Alvres Feytoza se levantou com a d.ᵃ terra, e naõ quiz fazer a
Repartiçaỏ, q tinha ajustado com o Socio, Antonio Mendes Lobato. Vendose o d.ᵒ
Antonio Mendes Lobato enganado, procurou meyos de haver aSi as d.ᵃˢ terras, e
parecendolhe Remedio prompto, e Seguro foi comprar a data das d.ᵃˢ terras a hum
Irmaõ, e herdeyro do defunto Antonio de Britto, e competindo o d.ᵒ Antonio
Mendes Lobato com o d.ᵒ Lourenço Alvres Feytoza, q lhe tinha faltado ao ajuste,
querendo o Feytoza conservarse [fl. 15]
nas terras, o Lobato querendo SenhoriaLas em virtude da d.ᵃ compra, eaSsim se
pozeraõ em armas, Antonio Mendes Lobato seguido dos seus parentes os Montes, e
o Lourenço Alvres Feytoza com os seus, e aqui tiveraõ principio as dezonioens,
e parcialidades dos Montes, e Feytozas. Postos em armas veyo naquelle anno o
Ouvidor da Par.ᵃ Fran.ᵒ Per.ᵃ que era no de 1719. e achando esta pertubaçaỏ, e
enquietaçaỏ em Jaguaribe chamou aos Montes, e Feytozas perante Sy, eos obrigou
a fazerem pazes huns com os outros, e fizeraõ hum termo, q assignaraõ, e em q
se obrigavaỏ que entre elles naõ haveria mais duvidas, e se obrigavaõ mais que
aquelle que pegasse primr.ᵒ em armas contra o outro pagaria de sua fazenda
quatro mil cruzados, e perderia todo o dir.ᵗᵒ, e pertençaỏ, que tivesse às d.ᵃˢ
terras. Por este termo ficarảo em paz, e quietos sem perturbaçaõ por annos
athé que novam.ᵗᵉ se tornaraỏ a Ruinar, e quebrar a amizade por cauza dos
Tapuyas Genipapos, q̉ fugiraỏ câ debaixo das Varges de Jaguaribe pelos
quererem matar, e hindo os d.ᵒˢ Tapuyas valerse do Coronel Francisco de Montes
Sylva, este os mandou aquarteliar nos Careris novos porhaver aLy terras
sufficientes para plantas, e cassa com abundancia para sustento, e lhe pôz por
Missionario o Pe. Jozeph Lobato; e posto assim em páz, e Socego o Tapuya se
passaraỏ annos, equerendo o d.ᵒ Pe. fazer a sua obrigação, advertir, e
doutrinar os Tapuyos se inquietou este, e foi fogindo p.ᵃ caza de hum tio do d.ᵒ
Pe. que era o Coronel Joaỏ da Fon.ca Ferr.a que
consentia, eapoyava o d.ᵒ Tapuya, e requerendo o d.ᵒ Pe. ao d.ᵒ seu tio q̉ naỏ
apoyasse aos d.ᵒˢ Tapuyas, e os deixasse Levar p.ᵃ aSua MisSảo, lhe respondia
q̉ tinha serviço de V.Mag.ᵈᵉ que fazer com elles, e athé o naỏ fazer, os naỏ
havia de mandar. Vendose o d.ᵒ Pe. com a mayor parte dos Tapuyas fora da sua
obediencia, e MiSsảo, e agregados aordem do d.ᵒ Coronel seu tio, e pornaỏ
contender com este deixou a MiSảo, e partio p.ᵃ Pernambuco a Reprezentar a sua
justiça. Partido o d.ᵒ
Pe. fogio todo o Tapuya Genipapo da MiSsaỏ, e Igreja, ese foy todo p.ᵃ caza do
d.ᵒ Coronel Joaỏ de AFonceca, o qual he tio e parente dos [fl. 16] Montes, e do d.ᵒ Pe. Vendose o d.ᵒ Coronel com o d.ᵒ
Tapuya, e dizem q̉ temendose deque o coronel Fran.ᵒ de Montes, eo ComiSsario g.al
Antonio Mendes Lobato seus sobrinhos, ou parentes lhe fizessem guerra, deyxou a
parcialid.ᵉ dos Montes seus parentes, ebuscou a dos Feytozas, eSevalleo dos
cabeças daquela parcialidade, pedindo a Lourenço Alvres Feytoza, e Fran.ͦ
Alvres Feytoza socorro de gente, e armas, ep.ᵃ o meter deposse das d.ᵃˢ terras
da contenda, que havia entre o d.ͦ Lourenço Alvres Feytoza, e Antonio Mendes
Lobato, ecom effeyto os d.ᵒˢ Feytozas mandaraỏ seus filhos, eo o Cap.ᵃ ͫ Joáo Dantas com m.ᵗᵃ gente, e força de armas,
esquécidos do termo refferido, q̉ tinhao feyto perante o d.o Ouvidor g.al Fran.o
Pereyra. Encorporados, aSsim os filhos do Feytoza, e o Cap.ᵃ ͫ Joảo Dantas seo sobrinho e o d.ͦ Coronel com os seus Tapuyas Genipapos, foraỏ
a huá faz.ᵈᵃ do d.ͦ cómissario g.al
Antonio Mendes Lobato, e nella mataraỏ tres pessoas, sem cauza, damno, ou
Rezistencia, e foraỏ por aly destrohindo tudo, e achando em huá fazenda o juiz
ordinario daVilla dos Aquirâz, o cómissario g.al Clemente de
Azevedo, lhe naỏ tiveraỏ Respeyto, nem temor, eo juiz seveyo retirando, ou
fugindo pello naỏ matarem. Nesse estado estavảo as duas parcialid.ᵉˢ de
Montes e Feytozas/ que tiveraỏ o principio, q̉ fica refferido/ quando chegou
ao Cearâ o novo Ouvidor g.al Jozeph Mendes Machado, e dizem outros
q̉ jâ elle estava no Ciarâ, q.ᵈᵒ sucedeo o refferido, eo buscaraỏ prim.ͬ ͦ os
Feytozas que supposto que os d.ᵒˢ Irmáos, e cabeças naỏ se acharaỏ nas d.ᵃˢ
mortes, e Roubos, mandaraỏ hum Sobr.ᵒ, e hum filho, como fica d.ᵒ. Agregados
os Feytozas ao d.ᵒ Ouvidor, vieraỏ logo tambem Antonio Mendes Lobato, e os
seus parentes os Montes dando obediencia ao Ministro, e tirando Cartas de
Seguro p.ᵃ se Livrarem. Depoes da posse tomada, comeSsou o novo Ouvidor Jozeph
Mendes [fl. 17] Machado a fazer
justiça, a abrir correyçảo, e despachar, fallando com soberba, esem prudencia,
e me dizem que dicera que Se aquelle, q̉ tinha cem mil reis q.ᵈᵒ elle acabaSse,
desse graças a Deos se ficaSse com metade [ou] com vinte. Alem da sua
imprudencia, inquietaçảo, e orgulho, trazia hús officiaes ambiciozos,
malígnos, e dezatentos em palavras, e em obras, descomedidos, e mandando
prender alguns homens, e fogindo o Coronel Theodozio Nogueyra para a Satisfação
das custas, aSeveraỏ todos q̉ os taes officiaes, e Meyrinhos, descompozeraỏ a
mulher do d.ͦ Coronel, tirandolhe a
abotuadura de ouro da camiza, e argolas das orelhas, e os botoins das maneyras,
e que disto se deram por picados, e offendidos os homens e principalm.ᵗᵉ
Antonio Gonçalves de Souza, que era irmaỏ da d.a m.er descomposta pelas custas de seu marido
Theodozio Nogueyra, que Sedeo: tambem por m.to agravado, e offendido; e aSsentaõ que daquî
teve principio a alteraçaỏ daqueles povos. Continuando o Ouvidor a Sua
correyçảo por toda a Ribeyra do Caracû athé a Serra da Ibiapaba, e continuando
os Seus officiaes com o mesmo procedim.to ; e vendo os homens que
nad.ᵃ correyçaỏ, como elles dizem; sô o badallo do Sino ficava por Culpar, e
que todos ficavaỏ descompostos ao menos de ladroens de gados huns dos outros,
de que Sevaliaỏ, o que era m.to cỏmum na Ribeyra de Jaguaribe,
dizem q̉ de huá, e outra parcialid.ᵈᵉ de Montes, e Feytozas se tratou o Levante
do povo, e como o Ouvidor estava mais parcial dos Feytozas, se deyxava mais
dominar delles, e se valia delles p.ᵃ alguás prizoens, e mandando o d.ͦ Ouvidor prender hús homens: por Fran.co
Alvres Feytoza, e levados p.ᵃ o Ciarâ: dizem huns que lhe Sahyra ao encontro o
Tenente Coronel Antonio Glź de Souza com outros, e quizera tirar os prezos, e
o quizera conduzir ao levante; e outros afirmaỏ q̉ encontrandose o d.o
An.to Glź de Souza, e seu
cunhado Theodozio Nogueyra q̉ eraỏ os offendidos pela descompustura da mulher
de hum, e irmaỏ de outro [fl. 18] Com
o d.ᵒ Fran.ͨ ͦ Alvres Feytoza ajustarảo
o Levante, e o dito Francisco Alvres Feytoza lhe deo logo alŷ seu filho p.ᵃ
hir com elles Levantar o povo, e com effeyto foy com os outros a Levantar o
povo, e foy este filho do d.ͦ Feytoza
hum dos mais empenhados, e que mais trabalhou p.ᵃ Levantar o povo, como por sua
confissaỏ mostrarey adiante em seu lugar. Partidos os d.os com
outros companhr.os a Levantar o povo, continuou o Fran.co
Alvres Feytoza a sua marcha, com os d.os prezos, e deo conta ao
Irmaỏ Lourenço Alvres Feytoza q̉ acompanhava ao Ouvidor, o qual deo parte ao ouvidor,
e o mesmo fez Domingos Ribeyro, que era da parcailid.ᵉ dos Montes, e parente, e
se achava com os Montes tambem em comp.ᵃ do Ouvidor, aq.ͫ seguiam com as suas Cartas de Seguro tratando
do seu livram.ᵗᵒ. O Ouvidor se inquietava com estas noticias, tendo os Montes
dezarmados, desconfiados destes, e armados os Feytozas. Os Montes se
offereciảo a acompanhar, defender, e guardar a o ouvidor, e acomodar toda a
pertubarçaỏ de Jaguaribe, e do Povo, e os Feytozas se offereciaỏ ao mesmo, e
como o ouvidor, por conveniencia como dizem alguns, ou por affeyçaỏ, ou por
confiar mais dos Feytozas seguia a estes, e se deixava dominar delles, e assim
tomou a sua conta o dispôr Tropas e forsas, e Cabos de sua facçaỏ, e junto com
o Coronel Joaỏ de Afon.ca Ferr.a com os seus Tapuyas
Ginipapo, com quem tinha feyto as mortes, e destruiçoens, q̉ atras ficaỏ
declaradas, marcaharaỏ todos com o d.ᵒ ouvidor p.ᵃ a vizinhança de Jaguaribe,
mandando, e expedindo as ordens como Cabo-mandante-Lourenço Alvres Feytoza; e
os Montes todos dezarmados, e dizem que pediaỏ ao ouvidor q̉ lhe-mandaSse dar
as suas armas p.ᵃ o defenderem, e tambem para Se Segurarem a Sy de qualquer
traiçaỏ dos seus inimigos Feytozas, ou que o d.ᵒ Ministro os segurasse, e a
nada disto lhe deferio [fl. 19] o Ministro, e sem embargo
disso o acompanharảo, e seguirảo dezarmados. Marchou o d.ᵒ Ministro com este
corpo de cabos, e de Tropas da p.ᵗᵉ dos Feytozas; e com os Tapuyas Ginipapos, e
com o Coronel Joaỏ de Afon.ca Ferr.a, que sendo tio dos
Montes, se tinha apartado delles, e unido com os Feytozas, como atras fica
escripto; e ultimam.ᵗᵉ se arrancharaỏ em hum Alto junto do Riacho em huás
cazas fortificadas com huá grande estacada á roda, dentro da qual se achavaỏ
toda a parcialid.ᵈᵉ dos Feytozas com o Ouvidor, o qual mandou por fora da
estacada; mas junto della aos Montes dezarmados, e aquî fizeraỏ, ou repetiraỏ
o requerim.ᵗᵒ. Estando nesta forma chegou o Povo a baixo dezarmado, e se
aquartellou aly, tirando as sellas aos cavallos, e deytando-os a pastar, e
armando as suas redes com pâz, e quietaçaỏ. Estando nesta forma convidou, e
induzio, pelo que dizem o filho do Feytoza a outros, dos que vinhaỏ no Povo,
p.ᵃ irem fazer huá escaramusa, e se vieraỏ chegando p.ᵃ a estacada. Aquî dizem
q̉ o Ouvidor induzido de algús mais prudentes, ou neutraes, q̉ o acompanhavaỏ,
ou por se lhe offerecer o Cap.am Joaỏ Nunes p.ᵃ hir saber o q̉ o
Povo queria, e hindo este, dizem q̉ viera dizer q̉ o Povo sô queria q̉ nảo
tirasse Correyçaỏ, e que se procedesse contra os culpados nas devaças, q̉ se
tinhaỏ tirado e tinhaỏ p.ᵗᵉ; e outros acrescentaỏ q̉ pediraỏ mais, e dizem
alguns q̉ o portador naỏ chegara com a resposta. Mas q̉ he certo, eSem
contradiçaõ hê q̉ o corpo do Povo se achava aquartellado, quieto, e pacifico, e
sô aquella Tropa de gente mais mossa com o filho do Feytoza veyo marchando p.ᵃ
a estacada. O que vendo os da estacada o foraỏ dizer ao Ministro, e
averiguando eu com todo cuydado, q.ͫ paçara
as ordens, ou q̉ ordens se [fl. 20] passarảo,
o nảo pude averiguar com certeza, porem dizem q̉ o Minystro dicera q̉ se
chegassem p.ᵃ a estacada, e atirassem, o q̉ he certo pelo ditto conforme de
todos, que chegando a Tropa perto da estacada, metera pernas ao cavallo, o
filho de Fran.ͨ ͦ Alvres Feytoza, que o
Pay tinha dado a Antonio Glz̉ de Souza p.ᵃ hir com elle, e com os mais a
alevantar o Povo, e se passara p.ᵃ a estacada, e ou fosse hum Estevaỏ Duro que
deu a ordem, ou que disparou primr.ͦ se
deo huma carga geral aos de fora, e sahiraỏ os Tapuyas Ginipapos, que estavaỏ
em varias escoltas, e mais gente das Tropas, q̉ estavaỏ com o Ouvidor; e
carregaraỏ sobre os do Povo, assim desmontados que vieraỏ com o filho do
Feytoza, como sobre huns, que estavaỏ aquartellados, quietos, e despidos, e
mataraỏ m.ᵗᵒˢ de huns, e outros, e fugindo os q̉ poderaỏ aSsim descalsos, e
despidos, foraỏ seguidos, e mortos m.ᵗᵒˢ, e passado tempo, e estando jâ em
distancia huns poucos de fogidos despindose, e levandose deraỏ sobre elles os
Indios Ginipapos, e mataraỏ nove, na mesma agua, em que se estavaỏ Lavando, e
os q fugiraỏ a q̉ poderaỏ chegar. Recolhidas estas tropas, e escoltas, se
Recolheo tảobem apreza, e despojos da guerra, q̉ era tudo q.ᵗᵒ os homens
tinhaỏ, q̉ tudo traziảo comSigo, poes estes homens o ornato, e grandeza, he o
seu vestido, e algum dinhr.ᵒ que trazem com a sua Roupa em huá, ou duas
canastras, e huás esporas de prata, huá caldeyrinha, ou hú coco de prata, e as
suas armas chapiadas, e guarnecidas de prata, e isto hê oq.ᵗᵒ Levaỏ p.ᵃ toda a
p.ᵗᵉ, e o dinhr.ᵒ; com q Se achaỏ; e nao sô se tomou toda a bagagem dos d.ᵒˢ
homens do Povo, mas tambem a dos Montes, que estavaỏ com o Ouvidor, e senaỏ
acharaỏ com o Povo, nem nas Consultas, q̉ se fizeraỏ p.ᵃ os Levantes, os
quaes Montes vendose tambem acomettidos fogiraỏ aSsim como estavaỏ, e dizem
q̉ todos traziam seu dinh.ro, e que sô Antonio Mendes [fl. 21] Lobato trazia mais de seis
centos mil reis na sua canastra, e tudo isto se trouxe p.ᵃ a estacada, e caza,
aonde estava o Ouvidor q̉ era huá torre na mesma caza, p.ᵃ onde sahio todo o
despojo, exceto o mais que furtaraỏ, e esconderiaỏ os Indios, e mais gente
das Tropas, e se tomaraỏ por lista outenta cavallos, fora os que se
esconderaỏ e furtaraỏ. Preguntey a pessoas dezenteressadas, e dezapayxonadas,
q̉ se achavaõ com o Ouvidor na d.ᵃ estacada, se se fez inventario desta preza e
em q̉ mảo se depozitou, e dizem todos q̉ nem inventar.ͦ ; nem depozito viraõ,
nem souberaõ q se fizeSse, nem q̉ caminho Levou, e q̉ naquella caza em que
estava o Ministro, e seus officiaes e athe gados ficara tudo, e preguntando
pelos cavallos se os entregaraỏ em depozito, dizem q̉ naỏ, e que por alý se
repartiraỏ, deraỏ, ou tomarảo, e que no outro dia virảo a Lourenço Alvres
Feytoza montado em hum fermozo cavallo fouveyro q̉ era de An.ᵗᵒ Mendes Lobato
hum dos principaes cabessas dos Montes, como fica referido, q̉ tinha estado
sempre com o Ouvidor athé ad.ᵃ ocaziaỏ, e que o mesmo Feytoza trazia à sinta
tambem huá espada do d.ᵒ Lobato de guarniçoens de prata. Nao sey que desculpa,
ou que descarga ha de dar este Ministro de naỏ mandar inventariar toda esta
preza, e despojo, e mandala entregar, e depozitar, p.ᵃ se dispor della como
fosse justiça, e naỏ sey como se possa livrar de semelhante culpa, pois lhe
naỏ acho sahyda alguá, nem tambem de naỏ ouvir aquelle povo, e trabalhar pelo
acómodar, e q.ᵈᵒ teymassem em que naỏ tirasse a devassa da correyçaỏ,
retirarse p.ᵃ o Ciarâ, e naỏ dar huá batalha com tantas mortes, e prejuizo de
tantas, sendo cauza de huá total destruiçaỏ como severâ adiante. Sostentandose
o d.ᵒ Ministro no campo de batalha [esperandose] q̉ o resto dos do Povo, e os Montes
fogidos, menos alguns que [fl. 22] ficarảo
mortos se ajuntaSsem, e o vieSsem acometter, esteve com grande cuydado, e
temor, e estando preparandose Tropas p.ᵃ se lhe hirem oppôr à defensa, dice ao
Ministro o filho de Fran.co Alvres Feytoza que tinha vindo por ordem
de seu Pay com o Povo, e junto da estacada se apartou do Povo, e se recolheu a
elles; dice ao Ministro publicam.ᵗᵉ: Vm.ce S.or D.or naỏ tem q̉ temer, nem que recear que naỏ
haỏ de vir câ, porq̉ se eu lâ naỏ fosse naỏ havia de vir câ nenhum: o que me
seguraỏ pessoas fidedignas, e neutraes que alý se acharaỏ, e chamando eu o
comissario g.al Clemente de Azevedo, q̉ naquella occaziảo era juiz,
e se achava com o Ministro, e o escrivaõ dos orfaons que estava tambem com o
cartorio, me seguraraỏ preguntandolhe eu em segredo, que elles aSsim o
ouviraỏ, com que se confirma o q̉ aSsim a digo de que este filho do Feytoza foy
hum principal cabeça, e motor do levante, do povo p.ᵃ vir fazer o d.ᵒ
requerimento ao Ministro, e q.ᵈᵒ naỏ estivesse confirmado por todos q̉ elle
induzio, e o acompanharaỏ, bastava a confissaỏ propria feyta publicam.ᵗᵉ â vista de tantos. Estando ainda q̉
satisfeytos com a vitoria, o Ouvidor Jozeph Mendes e o Coronel Joaỏ de Afon.ca Frr.a, e o ComiSsario Lourenço
Alvres Feytoza com m.ᵗᵒ medo despediraỏ duas Tropas sobre os do Povo, que
foraỏ ao Ciarâ a valerse do Cap.ᵃ ͫ môr
Manoel Francez, e despedindo huá das Tropas, de que era cabo hum Estevaỏ Duro,
lhe dice o Ouvidor: vâ so Cap.am ; e eu sô quero q̉ me traga a
Lingua de Domingos Ribr.ᵒ, que era hum dos Montes, que tinha estado e andado
com o ouvidor, e os mais Montes athé a occaziaõ das Cargas, e mortand.ᵉ, e este
ditto do Ouvidor foy publico, e mo certificaraỏ tambem as d.ᵃˢ test.ᵃˢ
neutraes, e de fé. Partida a d.ᵃ tropa, seguindo aos do Povo, e Montes por
perto de quarenta legoas tiveraỏ emcontro, e se mataraỏ alguns de parte [fl. 23] a parte entre os quaes foi o
cabo Estevảo Duro, com cuja morte se retirou esta Tropa. A outra Tropa, q̉
tambem tinhảo despedido de que era Cabo Fran.co Lopes, e hum filho
bastardo do Coronel Joaỏ de Afon.ca; que conduzia os Tapuyas
Ginipapos principais executores de tanta morte, foraỏ pôr em cerco huá Caza
forte do Pe. Fr. Luis Religiozo do Carmo, procurando nella os Montes, e dizem
q̉ nella matarảo dous homens; e encorporado jâ o Povo, seguiraỏ os dous Cabos
q̉ se retiraraỏ, e tiveraỏ encontro com a Tropa do Coronel Fran.co
Alvres Feytoza e lhe mataraỏ o Cap.ᵃ ͫ
Joaỏ Dantas, seu sobrinho, e a Fran.co de Souza, e Gregorio
Martins, e lhe feriraỏ o filho, e fugindo os mais seguiraỏ o Coronel Joaỏ de
Afon.ca; q̉ ainda lhe tomaraỏ alguns despojos. Em.ᵗᵒ andavảo estas
tropas em campanha, se retirou o Ouvidor, e o Coronel Lourenço Alvres Feytoza,
e os seus parentes com os officiaes do Ouvidor com toda a Cavallaria, e se
passaraỏ p.ᵃ o Piauhy destrito do Maranhaỏ, e naỏ sei se levaraỏ todos os
despojos daquella grande guerra, que se avaliaraỏ em bastantes mil cruzados, e
alguns o poem em 60, mas eu entendo que nem metade, mas fosse, oq̂ fosse elles
o levaraỏ, e o que sey hê que os officiaes do Ouvidor jogavaỏ varios trastes
de prata pelo destrito do Maranhaỏ, e traziaỏ esporas, e embraSsadeyras de
prata, e guardamaỏ, e os mais adereSsos de espingardas, ou clavinas do d.ᵒ
despojo. Esta hê em Súma a Rellaçảo q̉ com mais verd.ᵉ, e exacçaõ pude
alcanssar de taỏ infausto, e lastimozo successo, tendose induzido ao pobre
Povo p.ᵃ hir manço e pacifico fazer hum requerim.ᵗᵒ, q diziaỏ ser p.ᵃ bem
comum de todo o Povo, e com este pretexto o ajuntaraỏ, sendo hum dos que mais
obrou o ditto filho do Feytoza. [fl. 24]
Por esta Rellaçaỏ parace que athé as Cargas naỏ eraỏ culpados os Montes,
poes tinhaỏ estado sempre, e andando com o Ouvidor, e eu certam.ᵗᵉ os
sentenciara Livres, senaỏ fora o ultimo sucesso, porq̉ fogidos os Montes, e
vendo aly mortos os seus parentes, e entre elles hum Irmaỏ, e hum sobr.ᵒ, e
vendose assaltados, e corridos, e o Povo, se armaraỏ entaỏ, e ajuntaraỏ com
os do Povo, agregaraỏ a sy Indios os quaes foy buscar pelo que dizem o Coronel
Manoel Glź Pimentel, e dizem q̉ Antonio Mendes Lobato, e outros, tendo
recorrido ao Cap.ᵃ ͫ môr Manoel Frances,
e encorporados ja com poder procurarảo seguir ou ao Ouvidor, ou aos Feytozas
seu inimigos, aos quaes tinhaỏ por principaes motôres, e agressores da sua
ruina, e de tanta fatalid.ᵉ, e desgraça, e encontrando as d.ᵃˢ Tropas, tiveraỏ
o encontro, e fizeraỏ as mortes q̉ ficảo referidas, morrendo outros tambem da
sua parte, e assim feridos, magoados, e escandalizados das mortes, e
destroiçoens, q̉ se lhe tinha feyto, e inrayvado jâ o Povo com dezesperaçảo
contra os Feytozas lhe destroiraỏ cazas, e fazendas, e aos mais q̉ os tinhaỏ
seguido, e de quem estavaỏ magoados, e esta ultima parte e despoziçaỏ do
Povo, e Montes he o que considero Culpados da parte, se he que lhe nảo pode
servir de descarga a mortes, damnos, e prejuizo que sem razaỏ, nem justiça,
nem jurisdiçaỏ, nem authorid.ᵉ se lhe tinhaỏ feyto, induzidos m.ᵗᵒˢ com a
trayçaỏ do d.ᵒ filho do Feytoza, e esta materia necessita de m.ᵗᵃ ponderaçaỏ,
q eu me naỏ atrevo a julgar, nem me atrevera a determinar, se sảo mais culpados
os Montes, e o Povo, se os Feytozas, e o Ministro, com q.ͫ estavaỏ, o que á v.ᵗᵃ desta Rellaçaỏ
julgaraỏ maduram.ᵗᵉ os grandes, rectos, e inteyros Ministros de V.Mag.ᵈᵉ. Pela
d.ᵃ Rellaçao sevê primr.ᵒ os principios das suas parcialid.ᵉˢ, em segundo lugar
sevê tambem as cauzas, e princi= [fl. 25]
pio da alteraçảo do Povo q̉ forảo os excessos dos officiaes do Ouvidor e a
sua condiçaỏ, e a queixa dos offendidos, ao que entendo eu tambem q̉ se
ajuntou o Receyo dos criminozos, e culpados, dezejando livrar por este meyo de
justiça, concorrendo de huá, e outra parciald.ᵉ
p.ᵃ o ajuntam.ᵗᵒ do Povo enganado, ou induzido com o aparente pretexto
do Requerim.ᵗᵒ justo que p.ᵃ bem g.al do Povo hiaỏ fazer ao
Ministro.
Em 3º Lugar sevê q̉ a cauza das mortes
forảo o Ouvidor, e os Feytozas, q̉ com elle estavaỏ, e os seus parentes, e
aliados, e o Coronel Joaỏ de Afon.ca Ferr.a com os seus
Indios Ginipapos, poes devendo o d.ᵒ Ministro com os q̉ com elle estavaỏ
trabalhar por acomodar e aquietar o Povo, nem deraỏ tempo a se lhe hir
resposta, respondendo se lhes com tảo repetidas cargas, seguindo os, e matando
os com tanta tyrania, seguindose desta Cegueyra, imprudencia, dezacordo, e
maldades as ultimas ruinas feytas pelo Povo, q athé aly nảo tinha obrado excesso
algum nem dado mostra de o fazer. Tambem sevê que os principaes cabessas que
Levantarảo o Povo foy o Coronel ou Tenente Coronel An.ᵗᵒ Glź de Souza, e o
filho de Fran.co Alvres Feytoza, q o d.ᵒ seu Pay deu ao d.ᵒ Antonio
Gonsalves, e assentaỏ q̉ o d.ᵒ filho foy o que mais obrigou, e moveo o Povo, e
dizem tambem q̉ foy motor o cunhado do d.ᵒ Antonio Glz΄ de Souza Theodozio
Nogueyra, e dos Montes hum Domingos Ribr.ᵒ, q̉ supposto estava com o Ouvidor,
se temeo sempre delle de que fomentava os levantes, p.ᵃ o qual concorreo com
engano, ou com verdade tambem o Fran.co Alvres Feytoza com a data do
filho, ou voluntariamente ou violenta, como dizem os da sua p.ᵗᵉ; mas ou fosse
cauteloza, ou verdadeyra, ou maligna, e politica, [fl. 26] como querem m.ᵗᵒˢ,
he sem duvida q̉ obrigou m.ᵗᵒ a induçaỏ, e delig.ᵃ do d.ᵒ seo f.ᵒ, como fica
provado pela sua propria confissaỏ. Destes cabeças sảo mortos o d.ᵒ filho de
Fran.co Alvres Feytoza, e outro seu primo filho de Lourenço Alvres
Feytoza, hum morto pelo Povo, e outro ferido, q̉ p.ᵃ segurar o vulto, se foy
ordenar á B.ᵃ por ordem do Pay, mas morreo sem tomar as ordens, e tambem morreo
da p.ᵗᵉ dos Montes o d.ᵒ cabeça Domingos Ribr.ᵒ; de q.ͫ mais se temia o Ouvidor, e morreraỏ m.ᵗᵒˢ
culpados, assim da p.ᵗᵉ dos Montes, como dos Feytozas. Hê vivo o d.ᵒ An.ᵗᵒ Glz
de Souza, e o d.ᵒ seu cunhado, que foraỏ os primr.ᵒˢ queixozos dos officiaes
do Ouvidor. Sáo vivos da parcialid.ᵉ dos Feytozas os seus cabeças de toda ella
q̉ he o d.ᵒ Lourenço Alvres Feytoza, e seu Irmao Fran.co Alvres
Feytoza; dos Montes saỏ vivos os seus principaes cabessas, Antonio Mendes
Lobato, e Fran.co de Montes. Estes cabeças de huá, e outra p.ᵗᵉ;
assim Montes, como Feytozas com o q o seguiảo se achaỏ como cansados, e
destruidos, quietos temendo cada hum o castigo do que tem obrado e eu deixey
recomendado ao Cap.ᵃ ͫ môr do Ciarâ
Joaỏ Bau.ᵗᵃ Furtado que trabalhasse com todo o cuydado pelo pôr em pâz, e
fazer amigos com algum termo, e recomendey aos parentes de huá, e outra
parcialid.ᵉ a pâs, e quietaçaỏ de todos, e com isto ficaraỏ socegados, e me
prometeraỏ concorreré todos p.ᵃ a pâz. Depois de chegar á Par.ᵃ e ter noticia
de ter partido novo [fl. 27] Ouvidor
provido por V.Mag.ᵈᵉ p.ᵃ o Ciarâ lhe escrevi pelo Comissário g.al
Clemente de Azevedo pedindo o mesmo ao d.ᵒ Ministro, e requerendolhe da p.ᵗᵉ de
V.Mag.ᵈᵉ senaỏ fizesse parcial, nem de huá, nem de outra p.ᵗᵉ, como o tinha
feyto o seu antecessor, o qual requerim.ᵗᵒ lhe fazia como particular, Supp.ᵗᵉ
vinha ainda ocupado no serv.ᵒ de V.Mag.ᵈᵉ, e me obrigava o Zello da quietaçaỏ
publica, e serv.ᵒ de V.Mag.ᵈᵉ, a q.ͫ
havia de dar contas. Depois de estar em Pernambuco com a minha arribada
dois mezes me dice o governador de Pernambuco Duarte Sodre Pr.ᵃ que tivera
avizo de que o novo ouvidor depois de chegar ao Ciarâ tinha feyto com as duas
parcialid.ᵉˢ com q̉ fizessem termo de naỏ entenderem huns com os outros. Náo
interponho o meu parecer sobre perdaỏ, ou castigo, por naỏ exceder o que
V.Mag.ᵈᵉ manda, e recomenda na sua Real ordem, e sô digo que havendo de
castigar, parece basta castigar os primr.ᵒˢ, q juntaraỏ o Povo; e sobre o
Ministro disporaỏ os do Cons.ᵒ de V.Mag.ᵈᵉ, e para total quietaçaỏ daquelles
Povos, sediz lâ que tirando daquella Capitania os dous Feytozas, ou algum
delles, q̉ saỏ, Lourenço Alvres Feytoza, e Fran.co Alvres Feytoza
cabeças desta parcialidade, e da dos Montes, An.ᵗᵒ Mendes Lobato que tudo
ficaria quieto, e se for necesr.ᵒ mais desta parcialid.ᵉ he o segundo que mais
poder, e sequito tem o Coronel Fran.co de Montes Domingos Ribr.ᵒ que
dizem era o mais culpado. Conformandome taỏ bem com o parecer do Governador de
Pernambuco me parece escuzado a hyda de Ministro da B.ᵃ por evitar a total
destruiçaỏ daquelles mi= [fl. 28] mizeraveis,
e destruidos, nảo sô pelas d.ᵃˢ guerras, e destruiçoens, q̉ com elles
fizeraỏ, mas tambem pelas continuadas secas, com q̉ Deos os tem castigado com
mortandade de m.ᵗᵒˢ milhares, e milhares de gado. O Referido he o com que
achey, e procurey saber com todo o zello, e verdade por pessoas neutraes, e
dezenteressadas, e hê tambem o que chrystanm.ᵗᵉ entendi, e me parece, e melhor
ponderado pelos grandes Ministros de V.Mag.ᵈᵉ mandarâ o q̉ m.ᵗᵒ for Servido.
Lx.ᵃ occidental 15 de Abril de 1730. João da Maya da Gama [fl. 29]
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Volume 2. nº 79. Fortaleza – CE: Eugenio Gadelha & Filhos, 1921.
Datas de Sesmarias.
Volume 5. nº 262. Fortaleza – CE: Tipografia Gadelha, 1925.
Datas de Sesmaria.
Volume 10. nº 41, Fortaleza – CE: Tipografia Gadelha, 1926.
Arquivo Histórico
Ultramarino, Conselho Ultramarino, Brasil - Ceará (1730, agosto, 30, Lisboa).
Arquivo Histórico
Ultramarino, Brasil - Paraíba, 25 de janeiro de 1714: AUTO (treslado) do
escrivão da Ouvidoria-geral da Paraíba, Manuel Rodrigues da Fonseca, sobre a
residência de Francisco Pereira Alves, ouvidor-geral que serviu na Paraíba.
AHU-Paraíba, cx. 6, doc. AHU_ACL_CU_014,
Cx. 5, D. 340.
Arquivo
Histórico Ultramarino, Conselho Ultramarino, Brasil – Ceará. 1738, abril, 20,
Fortaleza: CARTA do desembargador Antonio Marques Cardozo, ao rei [D. Joaõ V],
dando conta das sindicâncias feitas no Ceará e recomendando a prisão dos
culpados das famílias dos Feitosas e dos Montes, apontados como causadores das
inquietações surgidas e que causara danos aos moradores. Caixa 03, Doc. nº 190.
(Artigo publicado na Revista
Itaytera nº 48, de 2019, da página 63 à 112). Por favor, citem a fonte ao utilizar este material, conforme determinação da lei de Direitos Autorais, nº 9.610/98!
[1] BRÍGIDO, João. Apontamentos para a História do Cariri.
Fortaleza: Expressão Gráfica, 2007, p. 37.
[2] Este sítio mantem o mesmo nome,
no município de Missão Velha. A origem deste topônimo foi registrada ainda no
século XIX pelo médico carioca Francisco Freire Alemão: “Este sítio que tem um
engenho (moendas de pau) do tamanho dos nossos e cujas terras são propriedade
do Sr. Bernardino trazidas em dote por sua mulher, que é da família antiga dos
Arnauts, tem o nome de Ossos, porque diz o Sr. Bernardino [que] aqui se deu uma
peleja entre os Feitosas e Montes, permanecendo por tempo sobre a terra os
ossos dos mortos” (ALEMÃO, Francisco Freire. Diário de Viagem de Francisco Freire Alemão. Fortaleza ‒ CE:
Fundação Waldemar Alcântara, 2011, p. 158).
[3] THÉBERGE, Dr. Pedro. Esboço Histórico sobre A Província do Ceará.
2ª Ed. Fortaleza/CE: Editora Henriqueta Galeno, 1973, p. 144.
[4] O Sítio Emboscadas, já no século
XIX, foi utilizado para fazer ciladas. No ano de 1824, por exemplo, durante a
Confederação do Equador, houve confronto entre imperialistas e republicanos
(THÉBERGE, Pedro. Esboço Histórico sobre
a Província do Ceará. Fac-símile da ed. de 1869. Tomo II. Fortaleza:
Fundação Waldemar Alcântara, 2001, p. 139). Na mesma localidade, no ano de 1832,
em decorrência da chamada Revolta de Joaquim Pinto Madeira, este tentou
emboscar seus adversários (THÉBERGE, Pedro. Esboço
Histórico sobre a Província do Ceará. Fac-símile da ed. de 1869. Tomo III.
Fortaleza: Fundação Waldemar Alcântara, 2001, p. 93). Isto tem levado alguns
pesquisadores a afirmarem que o nome “Emboscadas” se deu em razão destes
conflitos dos idos de 1800, no entanto, o topônimo está relacionado, na
verdade, aos embates ocorridos no ano de 1724.
[5] BENEVIDES, Fernando Vasconcelos.
“Abril Despedaçado” confirma a maturidade de Walter Salles. Disponível em: <http://www.clubecinema.com.br/abril-despedacado-confirma-a-maturidade-de-walter-salles/>. Acesso em 14 de maio de
2019, às 09h09min.
[6] BRÍGIDO, João. Apontamentos para a História do Cariri.
Op. cit., p. 35 e 36.
[7] THÉBERGE,
Pedro. Esboço Histórico sobre a Província
do Ceará. Fac-símile da ed. de 1869. Tomo I. Fortaleza: Fundação Waldemar
Alcântara, 2001, p. 129.
[8] FREITAS, Antonio Gomes de. Inhamuns: Terra e Homens. Fortaleza:
Editora Henriqueta Galeno, 1972, p. 161 e 162.
[9] FEITOSA, Eufrásio Moreira. Histórias e Memórias, Porto da Folha e sua Gente.
Porto da Folha: [s.n.], 2009, p. 63 e 64.
[10] Idem.
[11] ARQUIVO HISTÓRICO ULTRAMARINO, CONSELHO ULTRAMARINO,
BRASIL – CEARÁ. 1738, abril, 20, Fortaleza: CARTA do desembargador Antonio
Marques Cardozo, ao rei [D. Joaõ V], dando conta das sindicâncias feitas no
Ceará e recomendando a prisão dos culpados das famílias dos Feitosas e dos
Montes, apontados como causadores das inquietações surgidas e que causara danos
aos moradores. Caixa 03, Doc. nº 190. fls.
04 e 05.
[12] FILHO, Cruz. História do Ceará: Resumo Didactico. 2ª
Ed. Fortaleza: Secretaria de Cultura e Desporto, 1987, p. 64.
[13] FEITOSA, Padre Neri. Feitosas e Montes: Arquivo da Família
Feitosa. Canindé: Gráfica Canindé, [1998], p. 07.
[14] MACÊDO, Heitor Feitosa. Sertões do Nordeste: Inhamuns e Cariris
Novos, Volume I. Crato – CE: A Província, 2015, p. 149 a 151.
[15] Idem.
[16] MARTINS, F. A. Oliveira. Um Herói Esquecido: João da Maia da Gama.
Volume I. Lisboa: Coleção pelo Império, 1944, p. 11.
[17] Ibidem, p. 12 e 87.
[18] Ib., p.13.
[19] Caitoca é um mosquete raiado,
comprido e com vareta de ferro, usados pelos maratas (povo da Índia meridional)
das novas conquistas. Possui anéis no cano indicando o número de homens ou
animais ferozes mortos, patenteando a bravura de seu portador (DALGADO, Sebastião
Rodolfo. Glossário Luso-Asiático.
Hamburg: Reimpressão da Ed. Original de Coimbra, 1919 - 1982, p. 174).
[20] Martins. Volume I. Op. cit., p.
26 e 36.
[21] Ib., p. 40.
[22] Ib., p. 31.
[23] Ib., p. 43.
[24] Ib., p. 47.
[25] Ib., p. 50.
[26] Ib., p. 54.
[28] Ib., p. 75.
[29] Ib., p. 83.
[30] Ib., p. 07.
[31] O Padre Martinho de Nantes
esteve às margens do Rio de São Francisco, dirigindo missões indígenas, no
final do século XVII, testemunhando muitos fatos da época. O referido padre
teve contato direto com o senhor da Casa da Torre, Francisco Dias d’Ávila (o
segundo deste nome), o qual julgou ser “o homem mais rico do Brasil e o melhor
aparentado” (NANTES, Pe. Martinho. Relação
de uma Missão no Rio São Francisco. São Paulo: Companhia Editora Nacional,
1979, p. 61).
[32] Há tempo, os pesquisadores se
dividem sobre o fato de a família d’Ávila, titulares do Morgado da Casa da
Torre, localizada na Bahia, ter sido a primeira entre os vassalos “brancos” a
pedir em data de sesmaria a Chapada do Araripe e toda a área do seu entorno,
incluindo as porções dos atuais estados do PE, PB, PI e, também, CE. Com base
em nove documentos inéditos, chegamos à conclusão de que essa petição é
verídica, contudo, tal família não conseguiu se estabelecer em toda a área do
Cariri cearense, tanto por conta da resistência dos índios, no primeiro
momento, como pela invasão de outros “brancos” ao local, em momento posterior
(MACÊDO, Heitor Feitosa. A participação dos d’Ávila e da Casa da Torre na
Invasão a Capitania do Ceará. Revista
Itaytera, Nº 47. Crato/CE: Instituto Cultural do Cariri/BSG, 2018, p. 132).
[33] MARTINS, F. A. Oliveira. Um Herói Esquecido: João da Maia da Gama.
Volume II. Lisboa: Coleção pelo Império, 1944, p. 27.
[34] Ibidem, p. 103 e 104.
[35] Ib., p. 10.
[36] Ib., p. 36, 37 e 53.
[37] Ib., p. 33.
[38] Ib., p. 49.
[39] Ib., p. 52 e 53.
[40] Ib., p. 68.
[41] Ib., p. 49.
[42] Aparentemente, Simão Regis é o
mesmo Simão Roiz, talvez tenha havido um engano, ou do autor ou de quem
transcreveu os manuscritos.
[43] MARTINS. Volume II. Op. cit., p.
17.
[45] Ib., p. 20 e 22.
[46] João da Maia disse que o “rancho”
citado ficava a duas léguas do Arraial do mestre-de-campo Bernardo Carvalho de
Aguiar e que lá estava “resto dos que ficou dos Ginipapos” (Ib., p. 39).
[47] Ib., p. 41 e 42.
[48] Ib., p. 91.
[49] Ib., p. 92.
[50] Ib., p. 89.
[51] Ib., p. 94.
[52] BEZERRA, Antonio. Algumas Origens do Ceará. Fortaleza –
CE: Fundação Waldemar Alcântara, 2009, p. 149 e 180.
[53] Ib., p. 164 e 165.
[54] Ib., p. 109 e 126.
[55] Manoel Rodrigues Ariosa aparece
nos documentos sesmariais sendo tratado pela patente de “capitão” (Ver: Datas
de Sesmarias. Volume 2. nº 79. Fortaleza – CE: Eugenio Gadelha & Filhos,
1921, p. 13 e 14). Antonio Bezerra (Op. cit., p. 108 e 126) trata-o por
“capitão-mor”, o que é repetido por Irineu Pinheiro, porém, não há
fundamentação sobre essa afirmativa (PINHEIRO, Irineu. O Cariri: seu descobrimento,
povoamento, costumes. Fortaleza – CE: Fundação Waldemar Alcântara, 2009, p.
12).
[56] Antonio Bezerra registra o nome
“Manuel Rodrigues Ariosa do Vale” (BEZERRA. Op. cit., p. 64). Com
base numa carta de concessão de sesmaria feita ao capitão Manoel Rodrigues
“Arioso”, no dia 11 de outubro de 1707, presumem alguns pesquisadores que este
seja natural do Rio Grande do Norte, pois, segundo o documento: “... se for da
prova que deu oSuplicante [Ariosa]
naCapitania do Rio grande perante o desembargador...eporq pera elle suplicante
retifiCar asua prova lhe he empoSivel por ter as mais destes testemunhas
naCapitania do Rio grande destansia que Se Conta epor mais de sinCoenta Legoas
pera adita Ribeira de Jaguaribe...” (Datas de Sesmarias. Volume 5. nº 262.
Fortaleza – CE: Tipografia Gadelha, 1925, p. 43).
[57] A data do falecimento de Manuel
Rodrigues Ariosa é evidenciada numa concessão de sesmaria feita em favor de
José Gomes de Moura, Baltazar da Silva Vieira e Germano da Silva Saraiva, no
dia 30 de setembro de 1716, na Ribeira dos Carás, nos seguintes termos: “... confrontando
com o brejo seco entestadas de terras do ‘defunto’ Manoel Roiz Arioza...”
(Datas de Sesmaria. Volume 10. nº 41, Fortaleza – CE: Tipografia Gadelha, 1926,
p. 75 e 76).
[58] Os pesquisadores, por
desconhecerem esses eventos, acreditavam que Pascoal de Brito Siqueira havia
adquirido as terras da Cachoeira – Missão Velha/CE ‒ através de compra ao capitão-mor
Manoel Carneiro da Cunha e aos seus herdeiros. No entanto, fica claro que
Pascoal de Brito Siqueira era irmão Antonio do Brito, e, por isso, seu herdeiro
(BEZERRA. Op. cit., p. 150 e 156). Ver também: BRÍGIDO, João. Ceará: Terra e Homens. Fortaleza ‒ CE:
Edições Demócrito Rocha, 2001, p. 418.
[59] O nome completo
do ouvidor-geral da Paraíba era Francisco Pereira Alves. Sobre este assunto,
ver: Arquivo Histórico Ultramarino, Brasil - Paraíba, 25 de janeiro de 1714: AUTO
(treslado) do escrivão da Ouvidoria-geral da Paraíba, Manuel Rodrigues da
Fonseca, sobre a residência de Francisco Pereira Alves, ouvidor-geral que
serviu na Paraíba. AHU-Paraíba, cx. 6, doc. AHU_ACL_CU_014, Cx. 5, D. 340.
[60] Um dos membros da Comissão
Científica de Exploração, Francisco Freire Alemão, esteve no Cariri/CE no ano
de 1859, onde conversou com o professor Bernardino Gomes de Araújo, sendo
informado por este último sobre alguns episódios envolvendo os Montes e
Feitosa. Segundo Francisco Freire Alemão, Bernardino disse que: “Sabe coisas de
sua terra, contando certas coisas de Feitosas e Montes; disse-me que há, creio
que perto de Missão Velha, um lugar chamado Tabuleiro dos Pares, porque aí
estando eles, por intervenção não sabe de quem, se acomodaram” (ALEMÃO,
Francisco Freire. Diário de Viagem de
Francisco Freire Alemão. Fortaleza ‒ CE: Fundação Waldemar Alcântara, 2011,
p. 167). Esse registro parece complementar a narrativa de João da Maia da Gama,
indicando o lugar onde o acordo fora celebrado por imposição do ouvidor-geral
da Paraíba.
[61] A palavra “pertençaõ” ou “pretenção”
é a forma arcaica de “pretensão”, cujo significado, no século XVIII, era “direito
bem, ou mal fundado, que alguém imagina ter sobre alguma coisa” (BLUTEAU, Padre
D. Raphael. Vocabulario Portuguez &
Latino, O-PYT. Lisboa – Portugal: Officina de Pascoal da Sylva, MDCCXX, p.
724).
[62] O texto
original fala em “varges”, sendo equivalente a “várzea” (BLUTEAU, Padre D.
Raphael. Vocabulario Portuguez &
Latino, T-ZO. Lisboa Occidental: Officina de Pascoal da Sylva, MDCCXXI, p.
364).
[63] Em uma carta dirigida ao
governador da capitania de Pernambuco D. Manuel Rolim de Moura, datada de 16 de
outubro de 1722, o Rei de Portugal, D. João V, trata da “guerra injusta” feita
aos “Tapuias Genipapos-açus”, na vila de Jaguaribe, no ano de 1720 e 1721. A
perseguição aos Jenipapos teria partido do capitão-mor do Ceará, Salvador Alves
da Silva, o qual havia nomeado como condutores da dita guerra o capitão Luís
Pereiro, o comissário Clemente de Azevedo e o coronel Manuel de Castro Caldas.
Esses índios foram atacados no lugar chamado Boqueirão, onde foram capturadas
algumas mulheres e, os que conseguiram fugir, foram para a Igreja de São João,
onde estava o seu missionário, o padre Antonio de Caldas Loubato, do hábito de
São Pedro (THÉBERGE, Dr. Pedro. Esboço
Histórico sobre A Província do Ceará. 2ª Ed. Fortaleza/CE: Editora
Henriqueta Galeno, 1973, p. 130).
[64] A “carta de seguro” era uma
espécie de habeas corpus e não se
confundia com a “fiança”. O instituto da carta de seguro tratava da liberdade
de locomoção dos indivíduos, sendo admitida, no século XVIII, por qualquer
pessoa e para quase todos os crimes. As cartas de seguro eram divididas em três
tipos: afirmativas ou confessativas, negativas e coartadas (AZEVEDO, Luiz Carlos
de. Introdução à História do Direito.
2ª Ed. São Paulo – SP: Editora Revista dos Tribunais, 2007, p. 151 e 154).
[65] Diz o Padre Bluteau que
“maneira” é a abertura da saia, loba, e outras semelhantes vestiduras, por onde
se mete a mão na algibeira (BLUTEAU, Padre D. Raphael. Vocabulario Portuguez e Latino. K-NYS. Lisboa: Officina de Pascoal
da Sylva, MDCCXVI, p. 288).
[66] Registra o Padre Bluteau que
“segurar alguém” é o mesmo que “livrar de todo o gênero de medo” (Op. cit., p.
554). Em nossa oponião, o termo “assegurar” possui o sentido de conceder a
referida carta de seguro.
[67] João da Maia da Gama usa a
palavra “ultimamente”, que, no dicionário do Padre Bluteau, significa “em
último lugar” (BLUTEAU, Padre D. Raphael. Vocabulario
Portuguez & Latino, Q-SYS. Lisboa – Portugal: Officina de Pascoal da
Sylva, MDCCXX, p. 543).
[68] Os documentos apontam que este
lugar era a Fazenda Caiçara (no atual município de Missão Velha/CE) e que o
citado riacho é o mesmo Rio Salgado.
[69] O antigo dicionário de Antonio
Moraes Silva, publicado no ano de 1789, registra que canastra é “Especie de
caixa tecida de varetas, e apáras de um pau flexivel com tampa do mesmo chata.
Destas algumas são encoiradas de pelle de cabrito” (SILVA, Antonio de Moraes. Diccionario da Lingua Portugueza. Tomo
Primeiro A=K. Lisboa: Officina de Simão Thaddeo Ferreira, 1789, p. 224).
[70] BLUTEAU, Padre D. Raphael. Vocabulario Portuguez e Latino. T-ZO.
Lisboa Occidental: Officina de Pascoal da Sylva, MDCCXXI, p. 215.
[71]
Arquivo Histórico Ultramarino, Conselho Ultramarino, Brasil - Ceará (1730,
agosto, 30, Lisboa): Consulta do Conselho Ultramarino ao rei [D. João V], sobre
as ordens para que o desembargador Pedro de Freitas Tavares Pinto a ir ao Ceará
executar as diligências referentes às devassas das sublevações e mortes que ali
aconteceram. Anexo: parecer, informação, certidão e cartas. AHU-CEARÁ, cx. 2,
doc. 46 e 47.CT: AHU_ACL_CU_017, Cx. 2, D. 117.
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