Documentos sobre a Missão Indígena
dos Índios Jucá, no Sertão dos Inhamuns/CE
Heitor Feitosa Macêdo
As chamadas “missões indígenas”
correspondiam a uma nova estratégia da Coroa portuguesa na tentativa de
facilitar a invasão dos “brancos” pelo interior do continente brasileiro, o “sertão”,
confinando os nativos num pequeno espaço, para que, assim, os vassalos tivessem
terras “suficientes” para criar seus gados, etc.
Ao tempo das primeiras incursões
povoadoras nas proximidades do Sertão dos Inhamuns/CE, no final do século XVII
e início do século seguinte, os índios formavam uma verdadeira barreira humana
às invasões europeias, pois, além da eficiência de sua tradição bélica,
detinham conhecimentos fundamentais para resistir militarmente, isto porque
conheciam a geografia sertaneja, as fontes de água e os alimentos silvestres.
Não foi à toa que, no período destas
invasões, ainda estava ocorrendo um dos maiores conflitos do interior
nordestino, quiçá, do Brasil, conhecido na História com o título de Guerra dos
Bárbaros, Confederação dos Cariri e, também, Guerra do Assú.
Os índios Jucá surgem na historiografia
cearense justamente desempenhando papéis de caráter militar, combatendo outros
índios e colonos portugueses, fazendo jus
ao nome adotado: “jucá”, matador.
Ocorre que, na Guerra Civil de 1724, no Ceará, estes autóctones aparecem lutando
ao lado de gente “branca”, os Feitosa, a fim de fazer resistência à família
Montes, cujo patriarca, João de Montes, havia marchado com o paulista Domingos
Jorge Velho para o Assú, no Rio Grande do Norte, onde protagonizaram cruentas
batalhas contra os “tapuias”, por ocasião da referida Guerra dos
Bárbaros.
O fato é que os Jucá se retiraram na
companhia dos seus aliados, que haviam se tornado proprietários de quase todo o
Sertão dos Inhamuns. Então, passado o período das batalhas mais sangrentas, os
tais índios foram aldeados na Missão do Jucá, no ano de 1727,
no atual núcleo urbano de Arneiroz, no Boqueirão das Inhaumas, ou seja, no
lugar onde o Rio Jaguaribe atravessa duas enormes serras.
Algumas vezes os Jucá abandonaram a
sede da Missão para se esconderem no interior das matas. No entanto, o governo português obrigava-os a retornar ao nicho da catequese, e isto por diversos
motivos, sendo que a principal razão ligava-se ao extermínio destes índios,
promovido pelos seus antigos aliados, que estavam insatisfeitos com os furtos
de gados.
Por muitos anos, o padre responsável
por esse aldeamento foi o pernambucano José Bezerra do Vale (ou da Costa), o
qual, desde 1721, havia construído uma casa de taipa às margens do Rio
Umbuzeiro, no atual município de Aiuaba/CE, a algumas dezenas de quilômetros da
Missão.
Uma feita, os vaqueiros da fazenda do
dito padre encontraram uma adolescente da tribo Jucá nas proximidades da casa
grande e, imediatamente, levaram-na ao seu senhor. Este, afeiçoando-se à jovem
índia, com ela se amasiou, dando-lhe vários filhos. Há
quem diga que o padre José Bezerra do Vale, na verdade, viveu maritalmente com
duas caboclas: Micaela Jorge e Páscoa Ferreira. Mas esta é uma questão ainda não
totalmente esclarecida!
Em 1779, os habitantes “brancos” das
cercanias das missões do Jucá e da Aldeia do Miranda (Crato/CE), as quais já
haviam sido elevadas à condição de vilas, solicitaram às autoridades a retirada
dos índios a pretexto de “aumento, regularidade e civilidade” destes dois
núcleos. Em atenção aos pedidos, os tapuias foram transferidos para o litoral,
em Arronches, hoje, Parangaba.
Apesar dos discursos, visando a posse das
terras das Missões, estes aborígenes não desapareceram! Ainda hoje, no Sertão
dos Inhamuns, dentre os inúmeros mestiços, pode ser citado, em particular, um
grupo chamado de “os Valadão”, cujos integrantes descendem diretamente dos índios
Jucá.
Mas o que tudo isso tem a ver com o documento
mencionado no título deste artigo?
Os documentos aqui apresentados são os
assentamentos paroquiais confeccionados na Missão dos Jucá, de 1755 a 1808.
Ressalte-se que sua importância é imensurável, pois deste material podem ser
extraídas informações preciosas sobre o povo Jucá.
Apesar de, em sua maioria, tais índios
terem originado a atual classe desfavorecida, habitante dos campos e favelas,
também ajudaram a compor personagens conhecidíssimos no Nordeste como, por
exemplo, o Padre Cícero Romão Batista, o qual descende, em linha reta, de uma
índia Jucá, Ana Lopes de Faria.
Tendo em vista a fragilidade destes
documentos, a pesquisa nestes arquivos, por anos, se tornou muito restrita. No
entanto, graças ao esforço do padre Roserlândio, diretor do Departamento
Histórico Padre Gomes, em Crato, agora, é possível fazer a consulta virtual destes
manuscritos.
Boa leitura!
DOCUMENTOS MANUSCRITOS: MISSÃO DO JUCÁ, DE 1755 A 1808
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Rapaz, que beleza de raridade! Uma pena que é tão complicada a consulta, com estas partes faltantes e com a grafia da época. Mas sem dúvida dá pra garimpar informações importantes sobre os indígenas e o processo de colonização. Parabéns, meu caro amigo Heitor, mais uma ação sua no resgate da história de nossa região.
ResponderExcluirFiquei tão encantado pela documentação que esqueci de parabenizá-lo pela excelente explanação acerca do processo de colonização, e da resistência efetivada pelos jucás. Quando é que nós poderemos ver isso na forma de um livro? De antemão, fico admirado da excelência de sua escrita. Mais uma vez parabéns, a história, a memória cearense, e a cultura agradecem.
ResponderExcluirRaimundo, é uma satisfação imensa poder contribuir com a pesquisa sobre essa gente, nossa gente. Um forte abraço!
ResponderExcluirEste comentário foi removido pelo autor.
ResponderExcluirFiquei encantada com este texto da origem da minha família , minha origem. Parabéns pelo texto.
ResponderExcluirÉ muito bom conhecer a história da minha família. Meu bisavô era indígena e veio do Ceará para Rio Branco/AC trabalhar. Parabéns pelo trabalho!
ResponderExcluirOlá Jennifer, minha vó e bisavó também são Juká, temos um grupo de retomada Inhamum-Juká, caso esteja interessada em retomar sua ancestralidade, meu número aqui pra você: (85)996545895
Excluirparabéns por este magnífico post, e resgate histórico documental
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