A Verdade sobre Um Bacamarte de
Peso: O Boca da Noite
Heitor Feitosa Macêdo
A
minha dita bisavó, Marieta Solano, esperou compenetradamente que eu terminasse
de narrar essa bizarrice fitogênica. Finda a minha boa nova, ao entremeio do
silêncio, por poucos segundos, minha bisa replicou com grande pragmatismo
sertanejo, dizendo: “Meu filho, agora imagine quando botarem esses jerimuns em
cima do caçuá do pobre do burro, ele vai pender e se escambichar no chão”.
Depois disso, deu uma grande gargalhada que contagiou todos os circunstantes,
inclusive a mim, a quem a pândega impingia engraçada descrença.
Posteriormente,
recaí em semelhante esparrela, apesar de ter aprendido a lição que nem tudo o que
se vê e se ouve deve ser dito. Assim, o comedimento parecia ser conveniente,
até que, noutra prosa familiar, eu, reproduzindo as letras do médico Francisco
Freire Alemão, narrei que este esculápio, quando esteve no Ceará, em 1859, viu
o bacamarte do capitão-mor do Cariri José Pereira Filgueiras (herói da
Confederação do Equador, de 1824), assegurando que esta arma pesava meia
arroba, aproximadamente, 7.5 quilogramas.
Esse
tiro saiu pela culatra, tornando-se outro motivo de piada. Mas, felizmente,
tenho em mãos o diário desse cientista, que veio ao Ceará por determinação do
Imperador Dom Pedro II, no afã de descobrir novas espécies botânicas, além das
estórias e história de nossa gente. Por pouco escapei a outra galhofa, e, sinceramente,
se alguém me contasse causo semelhante, não me conteria de dúvidas, cheio de
precatado ceticismo.
A
mentira, sem dúvida, é uma instituição social, também tendo sua serventia,
segundo a máxima de que “nada se perde, tudo se transforma”. Contudo, no
presente momento, passo ao largo do retoricismo do ministro da propaganda de
Hitler, que
disse: “uma mentira dita cem vezes, torna-se uma verdade”.
Igualmente, não pretendo
fazer uso da “mentirinha ética”, de La Fontaine, em “O Lobo e O Cordeiro”, mas,
simplesmente, dar azo ao testemunho de Francisco Freire Alemão, através de seu
diário, contando-nos um curioso fato dos nossos "bons, burros e bravos
avós", nas sábias palavras de João Brígido.
Portanto, vale dizer, veja,
ouça e leia, mas não diga, deixe que outro o faça! Dessa maneira, cumprindo tal
função, deblaterou o dr. Freire Alemão sobre um dos três bacamartes do capitão-mor
José Pereira Filgueiras (Boca da Noite, Meia-noite e Estrela-d’alva): “Hoje
trouxeram ao Lagos o cano do bacamarte Boca da Noite, do Filgueiras: pesa
seguramente meia arroba”.[1]
Além do mais, Alemão foi
informado pelos caririenses que um dos bacamartes do Filgueiras era feito de
bronze e com uma proporção tão exagerada que chegou a causar descrença no
ouvinte: “Disse-me o Duarte que um deles era de bronze e tão grosso o cano que
se metia a mão dentro para se tirar a bucha (mas creio que isto é história da
Carocha)”.[2]
É curioso e incrível, sendo
também, aparentemente, engraçado, a depender das circunstâncias, mas não deixa
de ser uma verdade, pelo menos nas palavras do douto cientista. Agora, sempre
que ouço, leio e vejo, recordo do silêncio no qual repousa a realidade, pois nem
todos conseguem alcançar a luz que divisa a verdade da mentira.
Mas, pense num bacamarte
pesado!