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segunda-feira, 27 de março de 2017

Quem disse que o Ceará não participou da Revolução Pernambucana de 1817?

Quem disse que o Ceará não participou da Revolução Pernambucana de 1817?                                                                                                                                                                                                                  
                                                                         Heitor Feitosa Macêdo

         No dia 03 de maio de 2017 completam-se 200 anos do dia em que a República e a Independência foram proclamadas no Cariri cearense, sul do Estado do Ceará, antecipando a oficialização destas instituições em todo o Brasil. Contudo, há quem negue a adesão do território cearense à Revolução de 1817. 
        
Ouvidor do CE João Antônio Rodrigues de Carvalho.
No dia 6 de março de 1817, os revolucionários (liberais) pernambucanos de Recife puseram em prática os planos que arquitetavam há quase duas décadas, pois, dois anos antes da Insurreição dos Suassuna, ocorrida em 1801, já disseminavam na surdina princípios político-filosóficos iluministas.
         No final do século XVIII, também chamado de século das luzes, os princípios da corrente filosófica iluminista foram trazidos da Europa ao Brasil, onde desencadearam movimentos que, embora breves, foram bastante fecundos, gravando nos espíritos dos brasileiros ideias até então consideradas subversivas, como a igualdade, liberdade e fraternidade.
         O primeiro esboço dessas novas ideias eclodiu no interior do continente, na Vila Rica, hoje, Ouro Preto/MG. No entanto, tal movimento foi rapidamente abafado, não dando tempo para que fosse instalado um Governo Liberal. Mesmo assim, constituiu uma revolução no campo das ideias.
         Coisa semelhante ocorreu na Insurreição ou Inconfidência dos Suassuna, desta vez, em Pernambuco, onde um ramo da aristocrática família Cavalcante de Albuquerque, além de tomar o nome nativista de um mamífero do continente Americano (Suassuna ou Suaçuna = veado escuro), abraçou o pensamento que, naquele instante, revolvia a Europa e a América. Porém, tendo sido delatados por um amigo íntimo, os irmãos Suaçuna foram presos antes mesmo de deflagrarem qualquer esboço de efetiva rebeldia, todavia, como nada ficou provado contra eles, logo foram soltos e, mais tarde, puderam agir amplamente na Revolução de 1817 que, na capital pernambucana, Recife, durou 75 dias, de 6 de março a 19 de maio do mesmo ano. Mas, e no Ceará?
         Na maior parte da então província do Ceará, a revolução foi desarticulada graças à ação do precavido governador Manoel Ignácio de Sampaio, que mandou prender o seu principal articulador, o ouvidor-geral do Ceará João Antônio Rodrigues de Carvalho. No entanto, a Revolução rompeu no sul desta província, no Cariri, onde residiam alguns prosélitos do liberalismo.
         Os líderes revolucionários de Recife enviaram o padre José Martiniano de Alencar para deflagrar o movimento no Cariri. Assim, no dia 3 de maio de 1817, na Vila do Crato, arrodeado de cabras armados, o padre Alencar, mais tarde senador do Império, proclamou a República e a Independência do pequeno lugarejo. Depois, no dia 5 do mesmo mês e ano, foi até a vila de Jardim e fez o mesmo com o apoio de seu tio. Contudo, no dia 11 de maio veio a contrarrevolução e facilmente desbaratou aquela efêmera República de 8 dias. É sobeja a historiografia acerca da participação do Crato e Jardim no referido movimento, entretanto, há quem a negue!
         O respeitabilíssimo professor da Universidade Federal do Ceará, Paulo Bonavides, preclaro doutrinador do Direito, principalmente da Teoria do Estado, nega que o Ceará tenha participado da Revolução Pernambucana de 1817, nos seguintes termos:

Do ponto de vista estritamente político e constitucional, a Revolução de 1817 foi, nos marcos do constitucionalismo luso-brasileiro, importantíssimo passo avante. Se a cotejarmos com o passado, verificaremos que ela produziu no Brasil um projeto de governo constitucional bem superior à Súplica dos portugueses a Napoleão, em que estes rogavam ao Rei invasor a outorga de uma Constituição (...). Contrariando a expectativa de seus autores, a ação revolucionária não se alastrou pelas demais províncias, à exceção da Paraíba, e do Rio Grande do Norte, que não tardaram, todavia, em desertar a causa. Outra província, simpática a Pernambuco e ao pensamento liberal, a saber, o Ceará, não se levantou, apesar do empenho dos chefes republicanos em lhe obter a adesão. O mesmo aconteceu com a Bahia, poderosa base e ponto de partida da ação que veio bem cedo exterminar a revolução.[1]

         O texto deixa explicito que, na opinião de Paulo Bonavides, o Ceará “não se levantou” em favor dos princípios da Revolução de 1817, equivalendo dizer que no território cearense não houve levante dos liberais contra o absolutismo monárquico. É uma pena que o dito autor não fundamente essa sua afirmativa, pois a participação do Cariri cearense na dita Revolução é inconteste, sendo um fato comprovado pela antiga tradição oral, por extensa bibliografia e por centenas de documentos manuscritos.
         Ao conjugar o verbo “errar” no presente do indicativo (eu erro, tu erras, ele erra...), é preciso ressaltar que a opinião deste intelectual não diminui o seu valor nem a importância de seu trabalho, ao passo que também não tem o condão de mudar o passado, principalmente no que diz respeito a essa lúdica cena vivida no coração do Nordeste, de uma República Sertaneja Caririense.
         Resumindo, ação e pensamento não se apagam com letras, pois estas chamas queimam que nem fogo de monturo!






[1] BONAVIDES, Paulo, Teoria Geral do Estado, 10ª Ed. Revista e aumentada, São Paulo – SP, Malheiros, 2015, p. 85 e 86.